Humanos não são naturalmente egoístas

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Muito se discute sobre a possibilidade de uma “natureza” humana, um modo de pensar e agir que seja inerente ao ser humano. Frequentemente, a conclusão das pessoas é de que o ser humano é naturalmente egoísta e cruel, considerando apenas seus próprios interesses e raramente tendo empatia pelas outras pessoas.

Há até quem acredite que não existe altruísmo: sempre que fazemos algo por alguém, é porque ganhamos algo em troca (desde favores até reconhecimento ou o prazer de ter feito uma boa ação). Independente do que for, existe uma tendência no senso comum de acreditar que o ser humano nasceu para atender apenas aos seus próprios interesses, tendo pouca consideração pelas outras pessoas.

No entanto, na comunidade científica, o debate é bem mais complexo. Enquanto em alguns momentos da história da humanidade a ideia de uma natureza egoísta parece fazer sentido, ao analisar mais a fundo, ver o ser humano como uma criatura inerentemente egoísta não explica uma série de características de comportamentos que são observados na humanidade ao longo da história.

Por que o egoísmo é tão amplamente aceito?

Antes de compreender porquê a ideia do egoísmo como inerente ao ser humano não faz tanto sentido, é importante entender porquê essa hipótese é tão amplamente aceita — inclusive no senso comum.

Richard Dawkins, biólogo britânico renomado, é um dos grandes contribuintes para essa ideia de que o ser humano é essencialmente egoísta. Dawkins, assim como muitos biólogos, defende que o egoísmo tem uma certa vantagem evolutiva e, portanto, teria sido naturalmente selecionado como uma característica psicológica do ser humano.

No final do século XX, quando Dawkins contribuiu para este debate, havia uma congruência entre tal pensamento e o estilo de vida que as pessoas levavam: trata-se de uma sociedade altamente competitiva e individualista, o que compactua com a ideia de que o indivíduo está sempre pensando em si próprio.

Contudo, ao falar de evolução, falamos sobre milhares de anos para seleção de traços e comportamentos, de modo que este traço deveria estar presente até mesmo nos nossos ancestrais mais antigos.

Ao pensar na pré-história, parece fazer sentido falar em competitividade. Afinal de contas, o ser humano ainda não sabia plantar ou produzir seus próprios alimentos e demais meios de sobrevivência, reforçando a ideia de que havia uma escassez de recursos. A sobrevivência dependia do acesso aos animais (caça), a alimentos, a rios e lagos, entre outros.

Neste sentido, a competitividade e o egoísmo seriam maneiras de assegurar a própria sobrevivência, tendo em vista que o ser humano só podia usar aquilo que já estava disponível, sem conseguir produzir mais para atender às necessidades de todos. Contudo, não parece ser tão simples assim.

Por que o egoísmo ser um traço evolutivamente vantajoso não faz sentido?

Apesar de se tratar de uma época em que o ser humano pouco sabia a respeito da produção dos próprios alimentos, incapaz de viver a vida confortável que conhecemos hoje sem migrações constantes, a realidade é que os recursos não eram tão escassos quanto se pensa.

Estimativas apontam que, 15.000 anos atrás, a população da Europa era de cerca de 29.000 pessoas, e o mundo inteiro não chegava a mais de meio milhão. Sendo assim, há uma grande possibilidade de que os recursos eram o suficiente para as comunidades nômades de caçadores-coletores, que era o estilo de vida predominante na época. Sendo assim, os indivíduos desenvolviam mais uma relação de colaboração do que de competitividade.

Pode parecer algo muito distante, mas atualmente existem sociedades de caçadores-coletores que mostram na prática o funcionamento dessas relações. Um exemplo é o povo !Kung, que vive no sudeste da África. Neste povo, há igualdade entre gêneros e entre as pessoas, a competitividade e o egoísmo não são traços muito presentes.

Muitos antropólogos hoje em dia acreditam que sociedades assim eram comuns até poucos milênios atrás, e que foi quando o ser humano abriu mão do estilo de vida nômade que o egoísmo e a competitividade começaram a ficar mais evidentes — em especial entre grupos diferentes, ou seja, não seria algo tão comum entre os membros de um mesmo grupo, mas sim entre os grupos como um todo.

Em suma, é mais provável que, antes das grandes civilizações, o egoísmo exagerado que vemos hoje em dia não era um traço psicológico vantajoso. Do contrário, seriam as civilizações organizadas que vieram depois (capazes de produzir o próprio alimento, por exemplo) que dariam início essa competitividade através das guerras e disputas por territórios e demais recursos, chegando ao modo de vida que conhecemos hoje — altamente individualista e, consequentemente, um tanto quanto egoísta.

Porém, essa ideia de que o ser humano pré-histórico seria mais propenso a colaborar do que competir mostra que, muito provavelmente, ser egoísta não é um traço inerente ao ser humano, mas sim o resultado das condições histórico-culturais em que vivemos atualmente.

Contextualizando o egoísmo nos tempos atuais

Nos dias de hoje, precisamos competir por praticamente tudo. A população mundial é enorme e, embora muitos dos recursos não sejam realmente escassos, existe uma desigualdade no acesso a esses recursos. No Brasil, por exemplo, existem pessoas que possuem acesso a saneamento básico, educação de qualidade e alimentação saudável, enquanto outras pessoas não possuem este acesso.

Algumas pessoas possuem renda estável, outras não. Desde pequenas, as crianças na escola são ensinadas a competir, pois toda a estrutura da sociedade em que vivemos na idade adulta é baseada em competição: desde passar no vestibular até conseguir uma vaga de emprego, e depois conseguir uma promoção, até chegar em algum cargo alto e receber um bom salário.

Estamos constantemente competindo com os outros. Trata-se de uma competição naturalizada, o que faz com que muitos acreditem que o ser humano é competitivo por natureza. No entanto, analisar a história da humanidade mostra que não necessariamente isso é verdade: estamos em um momento de grande competitividade, sim, mas não porque somos naturalmente competitivos, e sim porque o nosso estilo de vida nos torna competitivos.

Seguindo a lógica da evolução, é mais provável que o ser humano seja naturalmente mais inclinado a colaborar uns com os outros — como famílias e amigos fazem ao cuidar uns dos outros, por exemplo — do que a competir.

E você, acha que o ser humano é naturalmente competitivo e egoísta? Talvez este artigo ajude a compreender um pouco melhor sobre esse mal entendido e mostre que, na realidade, o ser humano é provavelmente mais propenso a cooperar.

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Referências

https://theconversation.com/humans-arent-inherently-selfish-were-actually-hardwired-to-work-together-144145

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