O abuso sexual é um tipo de abuso no qual a vítima tem sua sexulidade violada de alguma forma. Considera-se abuso sexual o estupro, mas também o toque não consentido em partes íntimas da vítima, exploração sexual, entre outros.
Em outras palavras, pode-se considerar abuso sexual qualquer ato sexual que ocorre sem o consentimento da vítima.
Este tipo de abuso costuma gerar consequências tanto a curto quanto a longo prazo. Dentre elas, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Pesquisas mostram que 75% das pessoas que sofrem algum abuso sexual desenvolvem TEPT até um mês depois do ocorrido.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático: características
O TEPT é caracterizado por dissociações relacionadas a um trauma recente.
Os principais sintomas são pensamentos e lembranças invasivas (também chamadas de flashbacks), pesadelos, comportamento evitativo, alterações de humor e alterações na percepção, como a hipervigilância.
Uma pessoa que foi vítima de um abuso sexual pode se tornar hipervigilante perto de outras pessoas ou em situações parecidas com a situação na qual ocorreu o abuso.
O comportamento evitativo se manifesta na forma de evitar certos lugares ou situações que lembrem ou tenham alguma relação com o acontecimento.
O emocional também é afetado: a pessoa pode apresentar sintomas ansiosos e depressivos, bem como instabilidade emocional.
O TEPT em casos de abuso sexual
No caso dos abusos sexuais, também podem haver sintomas parecidos com o luto. O sentimento de ter sua intimidade violada pode levar a sensação de uma perda, que por sua vez gera sentimentos de luto.
É comum que uma pessoa que passe por um abuso sexual apresente as 5 fases do luto descritas por Elisabeth Kübler-Ross:
1. Negação
A pessoa pode negar que aquilo aconteceu, tentando acreditar que aquilo não é real. Não é raro que uma pessoa que sofreu um abuso sexual perceba que aquilo foi um abuso quando conversa com outra pessoa sobre e a outra pessoa aponta a natureza abusiva do acontecimento.
2. Raiva
A raiva é uma reação natural a diversos tipos de situações e, no caso de um abuso sexual, é perfeitamente normal sentir raiva. Essa segunda fase pode se manifestar na forma de raiva do abusador, raiva da situação em que estava quando o abuso ocorreu ou, até mesmo, raiva de si mesmo por ter “permitido” que aquilo acontecesse.
Este último pensamento é bastante perigoso pois tenta culpabilizar a vítima por uma situação na qual foi ela quem sofreu uma violência.
Portanto, se você sofreu algum tipo de abuso e se sente culpado, é importante lembrar que na realidade a outra pessoa cometeu um ato abusivo e você foi apenas a vítima. Nada disso é sua culpa.
Independente do que estava vestindo, de onde estava, do que tinha feito mais cedo, independente de qualquer coisa, o abuso é culpa exclusiva do abusador.
3. Barganha
A barganha também pode ocorrer nestes casos. A pessoa começa a fazer tratos de nunca mais ir em tais lugares, nunca mais encontrar determinadas pessoas ou até mesmo nunca mais repetir as ações que tomou no dia em que ocorreu o abuso, tudo para tentar evitar lidar com o acontecimento.
4. Depressão
Humor depressivo, sentimentos de angústia e pensamentos autodepreciativos fazem parte da fase da depressão, provavelmente uma das fases mais conhecidas do luto.
5. Aceitação
Há discussões acerca da possibilidade de aceitação, sendo que muitos autores preferem usar o termo “elaboração”, mas o ponto é que, nesta fase, o luto deixa de ser tão intenso e a pessoa consegue, aos poucos, retomar a sua rotina.
É a fase em que o luto não mais define a vida da pessoa.
No caso dos abusos sexuais, essa fase tende a ser bem extensa e pode ser que a pessoa nunca chegue a elaborar a dor em sua totalidade, especialmente em casos de abuso sexual durante a infância ou adolescência.
É comum que pessoas que sofreram abusos em idades mais jovens tenham seus comportamentos e pensamentos da vida adulta influenciados com frequência pelos acontecimentos traumáticos, em especial abusos sexuais, o que pode prejudicar significativamente seu desenvolvimento sexual.
Quanto tempo dura o TEPT?
O estresse pós-traumático pode durar até 6 meses, mas pesquisas mostram que, no caso de vítimas de abuso sexual, os sintomas tendem a melhorar após os primeiros 3 meses.
De acordo com uma pesquisa publicada no periódico científico Trauma, Violence & Abuse, cerca de 75% das pessoas que sofreram um abuso sexual podem ser diagnosticadas com TEPT no primeiro mês após o incidente. Após 3 meses, esse número cai para 54%.
Em outras palavras, após 3 meses, grande parte das pessoas que passaram por um abuso não apresentam mais os critérios diagnósticos para o transtorno de estresse pós-traumático, evidenciando uma melhora nos sintomas.
Contudo, o número de pessoas que ainda apresentam sintomas prejudiciais é significativamente alto. Buscar ajuda profissional nestes casos seria um grande passo para recuperar a qualidade de vida, pois o TEPT pode causar grandes prejuízos até mesmo a longo prazo.
TEPT relacionado a abuso sexual em crianças
Qualquer um pode ser vítima de abuso sexual, incluindo crianças de qualquer gênero ou idade.
Embora muitas vezes as crianças não falem sobre o abuso que sofreram por medo de ameaças do abusador, elas costumam demonstrar seu trauma de outras formas, podendo ou não se enquadrar no transtorno de estresse pós-traumático.
Pesquisas mostram que os sintomas demonstrados pelas crianças e adolescentes variam conforme a idade. Mesmo assim, alguns sintomas comuns a qualquer idade são sintomas típicos do estresse pós-traumático, como os pesadelos, os sintomas depressivos, entre outros.
Também é comum que a pessoa apresente o chamado comportamento regressivo, que é quando se comporta como se fosse mais nova do que sua idade real.
Abaixo você pode conferir quais os sinais mais comuns de que uma criança ou adolescente foi vítima de abuso de acordo com a idade:
Idade pré-escolar
Na idade pré-escolar, que vai dos 0 aos 6 anos, é comum que a criança apresente ansiedade, pesadelos e comportamentos sexuais inapropriados para a idade.
Idade escolar
A idade escolar compreende dos 7 aos 12 anos. Os sintomas de abuso sexual mais comuns nesta idade são:
- Medo;
- Agressividade;
- Pesadelos;
- Hiperatividade;
- Mal desempenho escolar;
- Comportamento regressivo (agir como uma criança mais nova).
Adolescência
A adolescência é a fase que vai dos 13 aos 18 anos e os sintomas mais comuns encontrados nesta idade são:
- Sintomas depressivos;
- Isolamento;
- Comportamento suicida;
- Auto-agressão;
- Queixas somáticas (dores no corpo, sensação de estar doente etc.);
- Fugas e atos antissociais/ilegais;
- Abuso de substâncias;
- Comportamento sexual inadequado.
Se você percebeu algum desses comportamentos em uma criança ou adolescente com quem tem contato, ofereça auxílio para procurar ajuda profissional, mesmo que a criança ou adolescente não conte o ocorrido — nem sempre eles podem estar prontos para isso.
Consequências do abuso sexual e do trauma
O abuso sexual em si pode trazer consequências como a contração de uma infecção sexualmente transmissível (IST) ou gravidez indesejada, mas o trauma também pode trazer consequências para além do TEPT.
Dentre estas consequências estão:
Prejuízos na vida sexual
Um abuso sexual pode deixar marcas tão profundas que a pessoa pode ter dificuldades na vida sexual por um longo tempo.
Isso não significa apenas dificuldade para manter relações, mas também para lidar com o toque, por exemplo.
Além disso, dependendo da idade em que sofreu o abuso, a pessoa pode desenvolver uma personalidade mais submissa que acarreta em mais abusos posteriormente.
Problemas como falta de libido, dores, recordações desagradáveis e ansiedade durante as relações são possíveis desdobramentos de um trauma de origem sexual.
Problemas comportamentais
O comportamento pode ser gravemente prejudicado pelo trauma.
A pessoa pode tanto apresentar comportamentos evitativos, como frequentemente vistos no TEPT, quanto comportamentos autodestrutivos, como abuso de substâncias, auto-agressão, comportamento suicida, entre outros.
Problemas nas relações
O trauma pode afetar também as relações interpessoais.
A vítima pode não conseguir criar laços de confiança com as pessoas, prejudicando as relações familiares e amizades.
Além disso, os problemas com a vida sexual também podem afetar a dinâmica sexual no caso das relações amorosas, o que pode acabar sendo um problema para o relacionamento, dependendo do caso.
Tratamento para TEPT relacionado a abusos sexuais
Em geral, o tratamento para estresse pós-traumático é feito com o uso de medicações psiquiátricas e psicoterapia, e no caso de abusos sexuais isso não é diferente.
Alguns pacientes com mais sintomas ansiosos ou depressivos podem se beneficiar do tratamento com medicação antidepressiva ou até mesmo ansiolítica.
No entanto, quando se trata de traumas, a possibilidade de se elaborar a dor sofrida surge não apenas com a medicação, mas também com a psicoterapia.
Na terapia, o paciente poderá falar sobre o trauma sofrido, compreender melhor seus próprios sentimentos em relação ao acontecimento, bem como encontrar estratégias para lidar com as mudanças cognitivas e emocionais que surgem com o trauma.
Na terapia cognitivo-comportamental, o paciente poderá desafiar os pensamentos automáticos disfuncionais que surgiram em decorrência do trauma e que ainda afetam o seu dia-a-dia, por exemplo.
Outras terapias podem focar na ressignificação da dor sofrida, tentando auxiliar o paciente a viver no momento presente, buscando um afastamento do trauma como centralidade de sua existência.
Cada paciente é de um jeito e, portanto, não existe uma terapia que funciona para todos, mas é importante buscar aquela com a qual o paciente se sente mais a vontade para, enfim, conseguir trabalhar o trauma.
Infelizmente, o abuso sexual é uma realidade na vida de diversas pessoas, independente de gênero e idade, e pode deixar marcas significativas.
Se você sofreu ou conhece alguém que sofreu este tipo de abuso e sofre consequências emocionais por conta disso, não hesite em contatar um profissional da saúde mental.
Referências
https://www.verywellmind.com/symptoms-of-ptsd-after-a-rape-2797203
https://bestcare.org/news/20200626/understanding-ptsd-sexual-assault-survivors
https://www.helpguide.org/articles/ptsd-trauma/recovering-from-rape-and-sexual-trauma.htm
https://newsroom.uw.edu/news/75-sexual-assault-survivors-have-ptsd-one-month-later
https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/committee-opinion/articles/2011/08/adult-manifestations-of-childhood-sexual-abuse
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582006000100004