Fusão cognitiva: o que é? Como identificar?

Confundir nossos próprios pensamentos com a realidade é algo comum, mas que nem sempre é bom. Entenda a fusão cognitiva aqui!
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Pensamentos e sentimentos podem ser tão intensos e significativos que acabamos esquecendo da realidade. É isso que significa estar no estado de fusão cognitiva, um processo reconhecido pela Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como um dos responsáveis pela rigidez cognitiva.

A ACT é uma terapia comportamental de terceira geração que compreende o sofrimento psicológico como resultado de uma série de processos cognitivos que levam a uma inflexibilidade cognitiva, impedindo a pessoa de vivenciar a realidade, fechando-se em suas experiências negativas, diminuindo seu repertório comportamental e desvinculando-se de seus próprios valores.

Um dos processos mais importantes é justamente a fusão cognitiva, que costuma ser um processo com o qual lidamos a todo momento e nem nos damos conta disso.

O que é fusão cognitiva?

A fusão cognitiva pode ser compreendida como uma ligação entre eventos internos (pensamentos, sentimentos etc.) e situações externas. É um estado no qual a pessoa faz uma fusão dos pensamentos com a experiência vivida.

Em outras palavras, a pessoa interpreta seus próprios pensamentos e sentimentos como o que está acontecendo de fato. Há uma desvinculação da realidade e a pessoa encara seus eventos privados (aquilo que está em sua subjetividade) como verdadeiros.

Durante o estado de fusão cognitiva, um pensamento não é apenas um pensamento. Nestas condições, um pensamento pode ser interpretado como:

  • A verdade absoluta;
  • Uma regra ou comando a ser seguido;
  • Uma ameaça da qual você precisa se livrar o mais rápido possível;
  • Algo que está acontecendo no aqui e no agora, mesmo quando é um pensamento relacionado ao futuro;
  • Algo muito importante que requer toda a sua atenção;
  • Algo do qual você não consegue se livrar, mesmo que isso te faça mal.

Este processo é natural e estima-se até mesmo que ele tenha trazido uma vantagem evolutiva. O problema é quando não podemos definir quando esse estado é vantajoso e quando não.

Frequentemente, temos as chamadas distorções cognitivas, que são interpretações errôneas da realidade. Como exemplo, uma pessoa que briga com um amigo e se sente culpada depois pode se pegar pensando “eu sou uma pessoa horrível”.

Em um estado de fusão cognitiva, a pessoa acredita realmente que é uma pessoa ruim. Ela compreende a si mesma dessa forma, entendendo este pensamento como uma realidade, ignorando todas as outras evidências de que isso não necessariamente é verdade.

Outros exemplos de pensamentos negativos que podem causar prejuízos significativos quando num estado de fusão cognitiva são “ninguém gosta de mim”, “minha vida é ruim”, entre outros. Uma pessoa que realmente acredita nesses pensamentos pode se desprender de qualquer evidência real de que estes não são verdade.

Embora questionar as distorções cognitivas seja uma técnica bem conhecida na terapia cognitivo-comportamental, a ACT acredita que seja mais uma questão de compreender esse pensamento como o que ele é: apenas um pensamento. Ele não dita a realidade, ele é apenas um dos milhares de pensamentos que passam pelas nossas mentes — independente de querermos ou não.

É importante ressaltar que existem muitas pesquisas e evidências de que nossos pensamentos não podem ser controlados e tentativas de fazê-lo são contraprodutivas. Portanto, tentar evitar pensar coisas ruins só piora a situação, fazendo com que seja mais vantajoso aprender a não se identificar com estes pensamentos.

Quando identificar a fusão cognitiva?

De acordo com Russ Harris, psicoterapeuta inglês que escreveu diversos livros sobre saúde mental, existem 6 áreas nas quais devemos prestar atenção para evitar a fusão cognitiva. São elas:

  1. Regras: Pensamentos em relação ao que devemos fazer, regras que devemos seguir, como “se eu estiver triste, então eu não posso trabalhar”;
  2. Razões: São as justificativas que damos a nós mesmos e aos outros para evitar certas coisas, como por exemplo “eu não posso fazer este curso porque não estou preparado”;
  3. Julgamentos: Seres humanos julgam tudo o tempo todo e isso não necessariamente, mas às vezes esses julgamentos demasiados podem ser problemáticos. Exemplos: “sou uma pessoa horrível”, “a vida é difícil”;
  4. Passado: O passado nos ajuda a aprender lições valiosas, mas não devemos nos prender a ele. A fusão cognitiva com o passado nos impede de vivenciar o momento presente. Uma frase frequentemente dita que, em estado de fusão cognitiva, pode ser prejudicial é “eu era feliz e não sabia”;
  5. Futuro: Da mesma forma que o passado nos impede de viver o presente, pensamentos em relação ao futuro também. Fantasiar demais sobre o futuro pode impedir a ação no momento presente que leva a este futuro desejado, por exemplo;
  6. Self: Ter ideias sobre si mesmo é importante para ter um senso de identidade, mas pensar sobre si mesmo de uma forma rígida e inflexível em um estado de fusão cognitiva pode causar bastante sofrimento. Exemplos: “eu sou horrível”, “eu não presto”, entre outros.

Desfusão cognitiva: a contrapartida da fusão cognitiva

Proposta pela ACT como um dos processos da flexibilidade psicológica, a desfusão cognitiva é justamente esse processo de reconhecer a fusão cognitiva e desvincular-se dela.

Existem várias formas de praticar a desfusão cognitiva. Algumas pessoas gostam de imaginar que estão observando seus próprios pensamentos em terceira pessoa, ou imaginam seus pensamentos como objetos separados de si. Outra possibilidade é colocá-los em outros contextos, como cantá-los.

A rotulação de pensamentos também é uma estratégia bastante eficaz. Ao invés de pensar “eu sou horrível”, a pessoa coloca esse conteúdo dentro de um rótulo de pensamento, removendo a atribuição de realidade, pensando enfim “estou tendo um pensamento de que sou horrível”.

Com esses exercícios, é possível diminuir a literalidade dos pensamentos, ou seja, seu conteúdo não é mais visto como uma verdade de forma automática, o que ocorre na fusão cognitiva.

É importante ressaltar que o objetivo da desfusão cognitiva não é eliminar ou controlar os pensamentos, nem controlar o afeto relacionado a eles. É simplesmente a compreensão de que os pensamentos, emoções e sentimentos que temos não são representações precisas da realidade e, com isso, podemos evitar que eles influenciem nosso comportamento de forma a ir contra nossos objetivos com o intuito de diminuir o mal-estar.

A diminuição da literalidade dos eventos privados pode auxiliar a diminuir a carga emocional atrelada a eles, mas isso não necessariamente quer dizer que este é o objetivo final da desfusão cognitiva. Este processo tem como objetivo relembrar que pensamentos não são fatos e nossas reações emocionais a eles não devem ser o que guia nossas ações.

A fusão cognitiva pode ter suas vantagens evolutivas, mas acaba nos atrapalhando no dia-a-dia em alguns contextos. Aprender a diferenciar nossos pensamentos da realidade pode ser de muita ajuda para manter a saúde mental em dia.

Se você sente que está precisando de algum tipo de ajuda, não hesite em contatar um profissional da saúde mental.

Referências

Harris, R. (2009). ACT made simple. Oakland, CA: New Harbinger Publications, Inc.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed.

https://comportese.com/2016/09/03/compreendendo-a-desfusao-cognitiva
https://www.goodtherapy.org/blog/measuring-cognitive-fusion-in-clients-with-anxiety-0504122
https://www.habitsforwellbeing.com/what-is-cognitive-fusion/

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