Em uma sociedade pautada no consumo, é de se esperar que este hábito possa virar, na realidade, patológico. Trata-se da compulsão por compras, ou oniomania, um problema que atinge entre 3 e 5% da população, causando prejuízos financeiros e nas demais áreas da vida.
Estimativas apontam que se trata de um transtorno mais comum nas mulheres, mas há quem questione esses dados. Isso porque pode ser que apenas mulheres busquem ajuda, enquanto homens acabam chamando o hábito de “coleção”, não reconhecendo o problema da dinâmica compulsiva por trás das compras.
O transtorno costuma aparecer entre o final da adolescência e o início da vida adulta. No entanto, é mais comum seu aparecimento quando a pessoa desenvolve independência financeira, tornando-se responsável por suas próprias economias.
Não raramente, pessoas que sofrem do comprar compulsivo também apresentam características de alguns diagnósticos psiquiátricos como transtornos de humor, transtorno de uso de substância e até mesmo transtornos alimentares.
O diagnóstico da oniomania pode ser difícil, pois raramente o ato de comprar é visto como uma atividade problemática, mesmo quando há consequências negativas. Além disso, o transtorno não é reconhecido pela American Psychiatric Association (APA) e não consta no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), fazendo com que não haja um diagnóstico formal para a condição no momento.
Sinais de compulsão por compras
A compulsão por compras é diferente de uma compra normal porque ela costuma envolver uma ansiedade e angústia significativa que é aliviada no ato da compra, sendo frequentemente seguida por sentimentos de culpa.
Dentre os principais sinais da compulsão por compras estão:
- Pensamentos persistentes sobre fazer compras ou sobre ter um item específico;
- Preparação intensiva para realizar uma compra, inclusive pesquisar e planejar;
- Sensação intensa de prazer, alívio e/ou excitação quando realiza uma compra;
- Fazer compras como uma maneira de lidar com emoções e situações negativas;
- Sentimentos de culpa e arrependimento depois de realizar as compras;
- Comprar itens desnecessários e/ou repetidos, apenas pelo ato de comprar;
- Fazer compras como uma espécie de compensação por um dia ruim, frequentemente pensando “eu mereço”;
- Mentir ou omitir os gastos, bem como esconder os itens adquiridos para evitar julgamentos;
- Contrair dívidas que superam sua renda, prejudicando-se financeiramente;
- Sentimentos de ansiedade e angústia aumentam significativamente ao passar por longos períodos sem realizar novas compras.
Não raramente, estes sintomas levam a problemas financeiros, problemas familiares e nas relações mais íntimas, entre outros. A pessoa pode se enrolar financeiramente ao pagar apenas o valor mínimo da fatura do cartão de crédito, contratando crediários, usando cheque especial, entre outros.
Causas do comprar compulsivo
Não se sabe exatamente quais as causas específicas do comprar compulsivo, mas acredita-se que tenha alguma relação com a ação dos neurotransmissores e seu comportamento na hora de uma compra.
Neurotransmissores são substâncias químicas que transportam informações entre um neurônio e outro. Alguns dos neurotransmissores mais conhecidos quando se fala de saúde mental são a serotonina e a dopamina.
A dopamina, em especial, está relacionada à sensação de prazer e ao mecanismo de recompensa. Geralmente, quando fazemos uma compra, ocorre a liberação de dopamina no cérebro, proporcionando a sensação de prazer e bem-estar.
No caso das compras compulsivas, essa sensação de bem-estar pode trazer alívio aos sentimentos de angústia e ansiedade que precedem a compra, fazendo com que o cérebro associe fazer compras com a resolução desses sentimentos.
Embora essa explicação possa responder melhor como esse transtorno se mantém, a realidade é que ele não necessariamente explica como ele surge, portanto não pode ser atribuído como causa do problema.
Pode-se pensar que a compulsão por compras está relacionada a algum problema de desregulação emocional. A pessoa não consegue lidar com suas emoções de outra forma e, portanto, ameniza o que sente — especialmente os sentimentos negativos — por meio das compras.
Fatores de risco
Existem, no entanto, alguns fatores que aumentam as chances de uma pessoa apresentar problemas de compras compulsivas. São eles:
- Fatores genéticos: Pessoas com familiares que apresentam esse comportamento tem mais chances de desenvolver o problema;
- Comorbidades: Não raramente, o comprar compulsivo vem acompanhado de outros transtornos, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), o transtorno afetivo bipolar (TAB), dependência de substância, entre outros;
- Sociedade e cultura: Viver em uma sociedade de consumo, como é a sociedade ocidental, pode contribuir para que o indivíduo veja seu valor no seu consumo, reforçando a ideia da compra como algo prazeroso e indispensável.
O comprar compulsivo e as compras online
Um fator que tem influenciado muito no comprar impulsivo é a possibilidade de fazer compras online.
Antigamente, para fazer compras, era necessário realmente ir até a loja, avaliar os produtos e realizar a compra presencialmente. Embora isso não fosse necessariamente um impedimento para pessoas com esse problema de comprar compulsivamente, ainda era um pouco mais trabalhoso fazer compras.
Já nos dias de hoje, é possível fazer compras com apenas um clique, pois os sites de lojas deixam os dados do cartão salvos e a pessoa nem mesmo vê o dinheiro sendo gasto quando clica para comprar alguma coisa. Além disso, se antes a pessoa precisava sair de casa em busca de uma boa promoção, hoje em dia qualquer site que se visita possui anúncios, que não raramente são direcionados por um algoritmo para apresentar produtos que a pessoa tem interesse, tornando a oferta irresistível.
E mesmo instalando um bloqueador de anúncios, os anúncios continuam a chegar de outras formas, como por exemplo ao acompanhar influencers, que fazem publicidade de produtos e dão cupons de desconto e condições de compra facilitadas, fazendo com que seja virtualmente impossível fugir de ofertas ou do estímulo à compra.
Comprar por impulso versus comprar compulsivo
Embora possa parecer a mesma coisa, o comprar compulsivo é diferente de comprar algo por impulso. A pessoa que compra algo por impulso, compra sem pesquisar direito, sem deliberar. Ela vê o objeto e compra, sem considerar se é algo que está precisando ou deseja de verdade.
Contudo, a pessoa que faz compras impulsivas não necessariamente possui o padrão da compulsividade. Além disso, a pessoa que compra impulsivamente não pesquisa, não avalia e não delibera antes de fazer a compra.
Já no caso da compra compulsiva, trata-se de um padrão de desejar um objeto, pesquisar, avaliar, deliberar e fazer a compra mesmo sem ter condições de pagar, porque neste tempo de análise existe uma angústia que só é sanada quando a compra é efetuada. O termo compulsão indica um padrão repetitivo, mesmo que ele traga consequências negativas ao indivíduo.
Pessoas que fazem compras compulsivas também podem fazer compras impulsivas. No entanto, pessoas que fazem compras impulsivas não necessariamente apresentam um problema de comprar compulsivo.
Como tratar a compulsão por compras?
O tratamento para a compulsão por compras pode ser bem complexo, pois além de buscar desenvolver um padrão de comportamento mais saudável em relação ao consumo, ele também buscará trabalhar outras questões que podem estar ajudando na manutenção desse comportamento compulsivo.
Em outras palavras, será feito o tratamento de qualquer transtorno subjacente, como TOC, ansiedade ou transtorno bipolar, além de trabalhar os sentimentos e crenças que levam o paciente a ter uma relação de consumo prejudicial.
O paciente irá aprender a lidar com os seus sentimentos negativos, que frequentemente são mascarados pelo ato da compra, bem como questionar suas motivações para consumir. Não raramente, o consumo está ligado à possibilidade de parecer ter um status socioeconômico superior, sendo interessante questionar o que isso significa para o indivíduo em um nível mais subjetivo.
No que tange a modificação do comportamento em si, pode-se trabalhar as etapas da decisão de compra, que consiste na avaliação da necessidade daquela compra, avaliação das possibilidades, pesquisa dos preços e condições de pagamento, negociação e deliberação até chegar efetivamente no momento da compra.
Dentre as psicoterapias com técnicas bastante efetivas para tratar o comprar compulsivo estão a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e as terapias de análise do comportamento. Contudo, vale ressaltar que mais importante do que a abordagem da psicoterapia é a relação e o envolvimento do paciente com seu processo terapêutico e, portanto, até psicoterapias não tão específicas para este problema podem ajudar.
Dicas para lidar com as compras compulsivas
As dicas a seguir não substituem a avaliação e o tratamento indicado por um profissional da saúde mental. No entanto, essas dicas podem ajudar a diminuir os prejuízos do comprar compulsivo enquanto a pessoa está em busca de tratamento.
Faça uma lista de compras
Antes de sair de casa para ir ao mercado ou fazer algum outro tipo de compra, é interessante fazer uma lista de compras somente com os itens que precisam ser comprados. A lista serve como uma pista visual de que não há necessidade de comprar mais coisas, fazendo com que a pessoa pense pelo menos um pouco mais antes de comprar algo a mais por compulsão.
Faça compras acompanhado
Se a lista não for o suficiente para impedir compras desnecessárias, pedir a companhia de um amigo ou familiar para ajudar a frear impulsos na hora das compras pode ser de boa ajuda.
Faça compras no dinheiro ou débito
Evite usar o cartão de crédito, pois o que gastamos no crédito não é sentido no bolso de imediato, dando a impressão de que o dinheiro não foi realmente gasto e ainda temos muito para gastar. Usando dinheiro vivo ou a função de débito, essa falsa impressão de dinheiro sobrando deixa de existir, fazendo com que controlemos melhor nossos gastos.
Bloqueie o cartão de crédito
O cartão de crédito pode ser um verdadeiro perigo na mão de uma pessoa que possui compulsão por compras. Por isso, bloquear o cartão de crédito ou manter o seu limite baixo é imprescindível para a saúde financeira do indivíduo, ao menos enquanto ainda está preso no padrão de compras compulsivas.
Delete dados de pagamento de sites e aplicativos
Atualmente, sites e aplicativos que usamos mantém salvos os dados de pagamento, o que facilita realizar compras com um clique. Quanto menos trabalho se tem para conseguir algo, mais o nosso cérebro se satisfaz com isso, buscando essa sensação novamente quando as coisas ficam difíceis. Portanto, dificultar as compras online sem ter dados salvos é uma mão na roda para evitar gastos desnecessários.
Busque um novo hobby
Não raramente, compulsões estão ligadas a sentimentos negativos como angústia, tristeza e tédio. Contudo, se for possível trabalhar estes sentimentos de outras formas que não gastando, é provável que a compulsão por compras entre em remissão ou, pelo menos, diminua significativamente. Um novo hobby pode ajudar muito a lidar com esses sentimentos, gerando uma nova fonte de prazer e distraindo da necessidade de comprar coisas novas.
É importante, no entanto, tomar cuidado com os gastos com esse novo hobby, pois de nada adianta desenvolver uma compulsão por comprar coisas relacionadas a essa atividade.
O comprar compulsivo pode ser um problema com consequências graves para a vida financeira e as relações de uma pessoa. Portanto, se você se identificou com os sintomas aqui listados, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1805733/
https://www.psychologytoday.com/intl/blog/science-choice/201806/5-patterns-compulsive-buying
https://www.verywellmind.com/what-is-compulsive-shopping-disorder-2510592
https://www.choosingtherapy.com/compulsive-shopping/
https://www.mhanational.org/risky-business-compulsive-buying