O termo “uso de substância” se refere à prática de consumir substâncias psicoativas, ou seja, substâncias que têm o potencial de alterar o funcionamento do cérebro. Essas substâncias podem ser encontradas na natureza, como em plantas, cogumelos e minerais, ou podem ser sintetizadas em laboratório. São conhecidas na linguagem popular como “drogas” e podem ser tanto legalizadas (álcool) quanto ilegais (maconha, cocaína, entre outras).
Embora o uso de substâncias seja frequentemente feito de forma recreativa (com o objetivo de entreter a pessoa), seu uso inadequado pode trazer uma série de riscos à saúde física e mental. Grande parte dessas substâncias podem causar dependência, afetando diretamente a saúde mental do indivíduo.
Segundo um estudo da Universidade de Brasília (UnB), 4 em cada 10 pessoas que cometem suicídio fazem o uso de substâncias psicoativas. Outra pesquisa com o objetivo de investigar tentativas de suicídio nessa população revela que a substância mais comum usada por essas pessoas é o álcool, compondo cerca de 57% dos casos. Em segundo lugar, vem a maconha (11% dos casos) e, em terceiro, a cocaína (7,5%). Há também pessoas que misturam substâncias, e uma das combinações que aparece com mais frequência é o álcool e a cocaína.
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Como as substâncias psicoativas afetam a saúde mental?
As substâncias psicoativas podem afetar a saúde mental de várias formas, como ao provocar um quadro de dependência química e psicológica, ou ao agravar transtornos mentais adjacentes.
Quando a pessoa desenvolve dependência da substância, ela pode acabar desenvolvendo também sintomas depressivos e ansiosos. Algumas substâncias também são conhecidas por ajudar a desencadear sintomas psicóticos, como é o caso da maconha.
Em outras palavras, mesmo que a pessoa não tenha nenhum sintoma ou diagnóstico ao começar a fazer o uso de substâncias, há indícios de que o uso possa influenciar no surgimento de quadros psiquiátricos em pessoas suscetíveis.
Já no caso de pessoas que já possuem algum transtorno mental antes de iniciar o uso de substâncias, independente de diagnóstico, o uso pode surgir como uma tentativa de mascarar os sintomas, como uma espécie de automedicação bastante prejudicial. Nessas pessoas, se já há ideação suicida, por exemplo, o uso de substâncias pode aumentá-la.
Isso porque muitas substâncias podem fazer a pessoa desenvolver uma maior impulsividade. Além disso, não raramente, o uso crônico de substâncias costuma agravar sintomas depressivos.
A dependência química frequentemente leva ao isolamento social, bem como a diminuição do repertório comportamental, ou seja, a pessoa vai deixando de fazer outras coisas que gosta de fazer em prol do uso da droga. Esses dois fatores também são muito influentes no surgimento de um quadro depressivo e de ideação suicida.
Por fim, a dependência também provoca crises de abstinência quando a pessoa não está usando a droga por um período prolongado de tempo, o que causa sintomas bastante desagradáveis e faz com que a pessoa acabe cedendo ao uso da substância novamente para conseguir algum alívio. Esse ciclo também acaba pesando na psique e aumentando as chances de desenvolver sintomas depressivos e ansiosos.
O uso de substâncias e o suicídio
As substâncias não apenas prejudicam ainda mais quadros psiquiátricos como estão, muitas vezes, diretamente relacionada ao ato suicida. Estudos mostram que o principal fator que leva uma pessoa a cometer suicídio é a presença de algum transtorno de humor, como a depressão e o transtorno bipolar, mas em segundo lugar vem a dependência de substâncias. Quando uma pessoa sofre desses dois quadros simultaneamente, as chances de tentativas de suicídio aumentam consideravelmente.
Além disso, pessoas que já lidam com ideação suicida crônica podem acabar fazendo o uso de substâncias para criar coragem de tentar o suicídio. Grande parte das substâncias aumentam a impulsividade, o que faz com que a pessoa não hesite tanto na hora de tentar. Neste sentido, uma das drogas mais utilizadas para este fim é o álcool.
Há também pessoas que tentam suicídio ao misturar substâncias que, ao interagir dentro do organismo, podem ter um efeito fatal. Muitas pessoas também sofrem overdose, uma superdosagem da substância que pode levar uma pessoa ao óbito. Nem todos os casos de overdose são tentativas de suicídio, mas há pessoas que podem acabar tentando tirar a própria vida por este método.
Ciclo da dependência química
Um dos maiores fatores de risco para o suicídio, além dos transtornos afetivos, é a dependência química. Ela ocorre em um ciclo caracterizado pelo consumo compulsivo de substâncias psicoativas e causa prejuízos significativos no funcionamento geral do indivíduo.
Dentre algumas consequências da dependência química estão:
- Aumento da tolerância, ou seja, a pessoa precisa usar uma quantidade maior da droga para conseguir os mesmos efeitos;
- Síndrome de abstinência, caracterizada por sintomas desagradáveis quando a pessoa passa um tempo considerável sem usar a substância;
- Evitação da abstinência por meio do consumo da droga;
- Ter o consumo da substância como prioridade, deixando de lado outras atividades importantes do dia-a-dia;
- Ao tentar parar o uso da substância, tem grandes chances de recaídas.
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Fatores de risco
Alguns fatores de risco que aumentam as chances de suicídio em pessoas que usam substâncias são:
- Histórico de tentativas de suicídio anteriores;
- Diagnóstico de transtorno mental;
- Viver só;
- Dificuldades nos relacionamentos afetivos;
- Sensação de abandono e desamparo;
- Gênero masculino;
- Histórico de trauma, violência e abusos no contexto familiar;
- Vulnerabilidade social;
- Perdas econômicas significativas;
- Histórico de suicídio na família.
Sinais de alerta
Quando uma pessoa sofre de ideação suicida, existem alguns sinais de alerta que podem ser percebidos por amigos e familiares, como:
Mudanças de comportamento
As mudanças abruptas no comportamento geralmente são um grande sinal de que há algo de errado, e isso vale também para pessoas que não usam substâncias.
Alguns exemplos de mudanças de comportamento que podem ocorrer nesses momentos são:
- Deixar de lado tarefas importantes;
- Mudanças no rendimento acadêmico e/ou profissional;
- Perda de interesse em hobbies;
- Alterações nos padrões de sociabilidade etc.
Isolamento
Uma pessoa que sofre de ideação suicida frequentemente acaba por se isolar das outras pessoas. Isso não quer dizer, no entanto, que ela não sai de casa e não convive com outras pessoas, mas pode manter todas essas interações a um nível bastante superficial.
Quando se trata de pessoas que usam substâncias, por exemplo, frequentemente é necessário manter contatos para conseguir comprar a droga (no caso de substâncias ilegais), o que pode render amizades de fachada e aparentar que a pessoa está sempre saindo e socializando, quando na realidade essas relações são bastante superficiais e a pessoa não cria os laços necessários para ter relações interpessoais saudáveis que podem ajudar com a saúde mental.
Falta de planos para o futuro
Quando a pessoa não faz planos para o futuro, é um grande indicativo de que ela não pensa em ter um futuro, o que é especialmente preocupante em casos de pessoas que sofrem de transtornos mentais ou fazem o uso de substâncias, podendo indicar um nível alto de ideação suicida.
Expressão da ideação suicida
Há pessoas que também expressam claramente a sua ideação, deixando claro que tem o desejo de morrer. Alternativamente, há também quem converse com amigos e familiares em tom de despedida, ou deixe postagens nas redes sociais dando a entender que não irá mais voltar.
Melhora repentina
Quando uma pessoa demonstra sinais de depressão e ideação suicida há tempos e tem uma melhora repentina, pode ser um sinal de que ela tomou a decisão de tirar a própria vida e ela esteja apenas disfarçando antes de realmente realizar o ato suicida.
Claro que, ao realizar o tratamento adequado, a melhora é esperada, mas esta costuma ocorrer de forma gradual e é feita com o acompanhamento de médico psiquiatra e psicólogo. Casos de melhora repentina devem ser analisados com cuidado até mesmo por amigos e familiares.
Prevenção
A prevenção do suicídio em pessoas que fazem o uso de substâncias pode ser feita de várias formas. Entenda:
Tratar a dependência
Quando se trata de pessoas que sofrem de dependência química, um dos primeiros passos para prevenir o suicídio é tratar a dependência em si. Em geral, o tratamento da dependência é multidisciplinar, ou seja, é feito com diversos profissionais da saúde, como psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, bem como assistentes sociais e terapeutas ocupacionais.
Tratar transtornos mentais adjacentes
Como citado anteriormente, não é raro que pessoas que fazem o uso de substâncias tenham também algum transtorno mental, diagnosticado ou não. Por isso, para tratar a dependência e prevenir o suicídio, é importante identificar se existe um transtorno mental adjacente e tratá-lo adequadamente, evitando recaídas e permitindo uma melhora na qualidade de vida do indivíduo.
Criação de uma rede de apoio
Um dos principais pontos para a melhora da saúde mental é a presença de uma rede de apoio, composta por amigos, familiares e profissionais da saúde que podem ajudar o indivíduo em momentos de necessidade.
Em outras palavras, o envolvimento da família e das amizades é de extrema importância para que a pessoa consiga se recuperar tanto do vício em substâncias quanto de outros quadros psiquiátricos que podem estar causando a ideação suicida.
Internação
Em casos mais severos, a internação pode ser uma alternativa para ajudar a pessoa a passar pelos períodos de desintoxicação da substância, bem como tratar outras questões psicológicas adjacentes.
É importante ressaltar que essa internação deve ser feita em clínica de reabilitação ou hospital psiquiátrico que tenha capacidade para lidar com adicções. Em outras palavras, o local deve ter uma equipe multidisciplinar com vários profissionais da saúde mental para prestar o atendimento adequado a essa população.
Este texto faz parte de uma série de textos do Setembro Amarelo, uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com foco na prevenção do suicídio a partir da educação e conscientização das pessoas acerca dos fatores de risco e comportamentos relacionados ao suicídio.
Se você lida com pensamentos suicidas ou conhece alguém que está apresentando sinais de ideação, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/07/4-em-cada-10-casos-de-suicidio-envolvem-uso-de-alcool-e-outras-drogas-diz-estudo.shtml
https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2022/07/4-em-cada-10-suicidios-envolvem-uso-de-alcool-e-outras-drogas-mostra-estudo.html