Comportamentos parassuicidas e o risco de morte

Nem todo comportamento autolesivo tem como objetivo tirar a própria vida. Entenda!
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O suicídio é um tema bastante complexo, desde a discussão dos fatores que levam uma pessoa a tirar a própria vida até a classificação de comportamentos relacionados ao suicídio, mas que não resultam em suicídio em si.

Este texto tem como objetivo esclarecer o comportamento parassuicida, um tipo de comportamento no qual há o risco de morte, mas não necessariamente termina em suicídio.

Para isso, primeiramente é necessário compreender de que forma o suicídio é definido. Em seguida, serão esclarecidos os comportamentos parassuicidas e sua influência na avaliação do quadro de um paciente.

O que é suicídio?

O suicídio é definido como um comportamento autoaflingido que tem como objetivo a morte e que, de fato, resulta em morte. Em outras palavras, uma morte só pode ser considerada suicídio quando:

  1. A pessoa tem a intenção de tirar a própria vida;
  2. A pessoa vai a óbito como resultado do comportamento autolesivo.

E a tentativa de suicídio?

Quando uma pessoa provoca lesões a si mesma com o objetivo de tirar a própria vida, mas não alcança esse objetivo, chama-se tentativa de suicídio. É importante ressaltar esse objetivo, pois existem outros comportamentos adjacentes ao suicídio que não tem esse objetivo ou, ao menos, não fica claro se essa era a intenção da pessoa.

A tentativa de suicídio também pode acabar não resultando em lesões, mas ainda é considerada uma tentativa por conta do objetivo de tirar a própria vida. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa tenta pular de um lugar alto, mas acaba por não o fazer, ou quando dirige em altas velocidades para causar um acidente, mas o acidente não ocorre.

Comportamentos parassuicidas: o que são?

Os comportamentos parassuicidas são justamente esses comportamentos autolesivos que não necessariamente carregam o objetivo de tirar a própria vida. Em outras palavras, mesmo que a pessoa vá a óbito, se ela não teve essa intenção, não se trata de um suicídio de fato, mas sim de um comportamento parassuicida.

Quando uma pessoa emite comportamentos de risco que estão diretamente associados ao risco de morte, trata-se de um comportamento parassuicida. Alguns exemplos desses comportamentos são:

  • Automutilação por meio de cortes, queimaduras, arranhões, entre outros;
  • Automedicação com o objetivo de causar prejuízos a si mesmo, ainda que não haja o objetivo de tirar a própria vida;
  • Uso de substâncias em demasia, expondo a pessoa ao risco de morte, mesmo que não haja essa intenção;
  • Dirigir em altas velocidades, aumentando as chances de acidentes fatais.

Frequentemente, o comportamento parassuicida é visto como manipulação, pois a pessoa muitas vezes não tem o objetivo de tirar sua vida de fato, mas sim de demonstrar seu sofrimento. É importante ressaltar que esses comportamentos não são manipulação, mas sim pedidos de ajuda reais que podem resultar em morte ou suicídio de fato quando a pessoa não tem acesso ao tratamento adequado.

Em alguns casos, o comportamento parassuicida ocorre quando a pessoa não consegue pedir ajuda de alguma outra forma, seja pela vergonha em admitir que pensa em suicídio ou pela própria negligência de amigos e familiares quando a pessoa acaba por expressar esse desejo.

Quando classificar como tentativa ou comportamento parassuicida?

A classificação desses comportamentos é bastante complexa, sendo necessário compreender com clareza o objetivo da pessoa. Se a pessoa não tem o objetivo de tirar a própria vida, não se pode considerar uma tentativa de suicídio. No entanto, como saber exatamente que esse é o caso?

Uma pessoa que tenta uma overdose de medicamentos enquanto tem pessoas ao redor que podem intervir e levá-la ao hospital antes que os medicamentos de fato tirem sua vida está mesmo tentando suicídio? Se ela sabe que podem intervir e espera por isso, o termo tentativa de suicídio não se encaixa muito bem. No entanto, essa discussão se torna ainda mais complexa quando o ato de fato resulta na morte do indivíduo.

Já uma pessoa pode se automutilar de forma não letal, resultando em ferimentos leves que não precisam de atenção médica. No entanto, se há a intenção de tirar a própria vida, considera-se uma tentativa de suicídio, ainda que esta não tivesse chances de alcançar o objetivo pretendido.

Por fim, há também casos em que a pessoa que lida com ideação suicida crônica e apresenta também problemas com o uso de substâncias. Quando essa pessoa utiliza substâncias em demasia a ponto de provocar uma overdose e ir a óbito, isso pode ser encarado como um suicídio?

Ao não se ter acesso às intenções da pessoa no momento do ato, classificar o óbito como suicídio pode ser bastante complexo, a menos que a pessoa expresse claramente seu desejo antes. Isso pode ser feito por meio de verbalização, por cartas de suicídio ou até mesmo postangens em redes sociais deixando claro seu intento.

Ideação suicida

Um outro conceito importante ao se falar de suicídio é a ideação suicida, que pode ser descrita como pensamentos e cognições acerca do suicídio. Quando uma pessoa sofre de ideação suicida, ela pode ter pensamentos sobre suicídio com frequência, embora não necessariamente deseje realizar o ato.

A ideação suicida pode se manifestar como:

  • Pensamentos frequentes em relação a suicídio;
  • Pensar na morte como uma saída para os problemas;
  • Desejo que acabar com um sofrimento psíquico tirando a própria vida;
  • Planejamento do ato.

Uma pessoa com ideação suicida nem sempre chega a tentar suicídio ou cometê-lo de fato. No entanto, a presença da ideação é um fator de risco bastante significativo.

Como entender o comportamento parassuicida pode ajudar?

Em geral, quando um paciente chega com uma queixa de ideação suicida, é importante avaliar seu histórico, se houveram tentativas anteriores ou se a pessoa demonstra comportamentos parassuicidas.

Desta forma, o profissional da saúde mental (psiquiatra ou psicólogo) pode compreender melhor o risco que paciente corre, podendo então intervir de forma efetiva para prevenir o suicídio.

Neste sentido, é de extrema importância que o paciente seja sincero e fale sobre o assunto com seu terapeuta ou psiquiatra. É compreensível que, em alguns casos, o paciente demore um pouco para se abrir em relação a estes temas, mas ao mesmo tempo é importante que o profissional tenha ciência para que seja providenciado o tratamento adequado ao quadro apresentado.

Quando se trata de comportamentos parassuicidas, é importante o envolvimento de amigos e familiares no tratamento, conscientizando-os a respeito destes comportamentos para que não sejam vistos como manipulação ou algum tipo de chantagem, mas sim como os pedidos de ajuda que realmente são.

A discussão acerca do suicídio e como classificá-lo é bastante complexa, mas um profissional bem informado pode oferecer um plano de tratamento adequado e efetivo que ajuda a prevenir o suicídio de fato, bem como ajudar o paciente a recuperar sua qualidade de vida depois de um quadro de sofrimento psíquico significativo.

Este texto faz parte de uma série de textos do Setembro Amarelo, uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com foco na prevenção do suicídio a partir da educação e conscientização das pessoas acerca dos fatores de risco e comportamentos relacionados ao suicídio.

Se você lida com pensamentos suicidas ou conhece alguém que está apresentando sinais de ideação, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da saúde mental!

Referências

Wenzel, A.; Beck, A. T. & Brown, G. K. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed.

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