Quando uma criança nasce, é costume atribuir um gênero baseado nas suas características sexuais. De acordo com o órgão genital, a criança pode ser identificada como menino ou menina, mesmo nos casos de crianças intersexo (que possuem genitais ambíguos).
A palavra gênero se refere a características socialmente construídas de mulheres, homens, meninas e meninos. O gênero carrega os papéis sociais que a pessoa desempenha, bem como expectativas de comportamento, preferências e até mesmo estética. No entanto, nem todas as pessoas se identificam com o gênero que lhe é atribuído ao nascimento. É o caso das pessoas transgênero, que sentem uma identificação maior com outro gênero.
Neste artigo, iremos explorar um pouco mais o que é disforia de gênero e como essa condição pode ser tratada.
O que é disforia de gênero?
A disforia de gênero se refere a sentimentos de angústia relacionados ao fato de não ter um corpo e uma identidade social congruente com o gênero com o qual se identifica. Em outras palavras, uma mulher trans (nasceu menino) tem disforia de gênero por possuir um corpo com características sexuais masculinas e por ser tratada como homem na sociedade. O contrário também ocorre: homens trans (nasceu menina) sofrem com essa disforia em relação às suas características sexuais femininas e ao serem tratados como mulheres.
Pessoas transgênero geralmente têm o desejo de transicionar para outro gênero, ou seja, assumir um nome, vestimentas, papéis sociais e características corporais do gênero com o qual se identifica. No caso de mulheres trans, por exemplo, há o desejo de desenvolver mamas, remover pelos faciais, utilizar roupas tidas como femininas, entre outros. Já no caso de homens trans, há o desejo de retirada das mamas (mastectomia), engrossamento da voz, possibilidade de crescer barba, entre outros.
Contudo, o desejo pela transição em si não é considerado disforia de gênero. Por conta disso, nem toda pessoa transgênero é diagnosticada com disforia de gênero, o que não invalida sua transgeneridade. Contudo, quando há angústia debilitante, que chega a causar prejuízos no funcionamento do indivíduo, pode-se considerar um diagnóstico de disforia de gênero.
É importante ressaltar que os sintomas da disforia de gênero podem aparecer já na infância, tão cedo quanto 3 anos de idade, mas a condição só pode ser diagnosticada depois dos 6 anos.
Sintomas de disforia de gênero
Dentre os sintomas da disforia do gênero estão:
- Desejo por se livrar de suas características sexuais secundárias (mamas, pêlos faciais, entre outras) ou, durante a adolescência, impedir o desenvolvimento dessas características;
- Forte desejo por desenvolver características sexuais secundárias de outro gênero;
- Desejo de ser de outro gênero;
- Desejo de ser tratado como outro gênero, podendo gerar sentimentos bastante negativos quando tratado pelo gênero que lhe foi atribuído ao nascer;
- Crença de que se sente e reage como outro gênero.
Sintomas na infância
Uma criança com disforia de gênero pode apresentar os seguintes sintomas:
- Vontade de se vestir com roupas tradicionalmente associadas a outro gênero;
- Afirmar com frequência que não pertence ao gênero que lhe foi atribuído, ou que pertence a outro gênero. Um menino pode afirmar que não é um menino, e sim uma menina, por exemplo;
- Fingir que pertence a outro gênero em diversas situações, como durante brincadeiras de faz-de-conta, entre outras;
- Exibe uma preferência por brinquedos e atividades associadas a outro gênero (meninos querendo brincar com bonecas e meninas querendo brincar de carrinho, por exemplo);
- Evita brincadeiras e atividades associadas ao gênero que lhe foi atribuído;
- Relaciona-se melhor e tem preferência por fazer amizade com crianças de outro gênero;
- Demonstra sentimentos negativos em relação à própria anatomia, em especial rejeitando seu órgão genital;
- Imita comportamentos de outro gênero, como por exemplo urinar sentado no caso de meninos, ou urinar em pé no caso de meninas.
É importante reconhecer que crianças podem apresentar esses sintomas desde uma idade muito pequena e esses sentimentos e comportamentos surgem de forma autônoma, sem que haja a interferência dos pais ou cuidadores.
O que pode acontecer é os pais permitirem a criança se vestir, se comportar e participar das atividades de acordo com suas próprias preferências, respeitando a autonomia da criança, sem forçá-la a se conformar com as normas do gênero que lhe foi atribuído.
Critérios diagnósticos da disforia de gênero
A disforia de gênero pode ser diagnosticada quando os sintomas são debilitantes e prejudicam o funcionamento da pessoa.
O simples desejo pela transição pode não ser o suficiente para diagnosticar a disforia, mas a angústia provinda de viver como um gênero com o qual não se identifica e os sentimentos negativos que surgem ao ser reconhecido como o gênero que lhe foi atribuído ao nascer podem contar como disforia de gênero.
Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses para que o diagnóstico seja feito.
Em crianças, o diagnóstico só é feito depois dos 6 anos de idade, sendo que alguns médicos preferem não diagnosticar a disforia antes que a criança entre na puberdade. Para o diagnóstico, é necessário que a criança apresente ao menos 6 dos sintomas descritos anteriormente, enquanto adultos só precisam apresentar 1 sintoma, desde que este seja debilitante.
Tratamento para a disforia de gênero
Em grande parte dos casos, o tratamento para a disforia de gênero é feito a partir da transição, que é feita em etapas: a transição social e a transição hormonal.
Transição social
A transição social se refere à retificação de documentos, assumindo um nome do gênero que se identifica, informar as pessoas sobre sua identidade de gênero, iniciar o uso de pronomes congruentes com sua identidade de gênero, começar a usar roupas do gênero que se identifica, realizar procedimentos estéticos que sejam mais alinhados com o gênero para o qual está transicionando, entre outros.
Durante essa fase da transição, o acompanhamento de um assistente social pode ser de grande ajuda, auxiliando a pessoa a exercer seus direitos.
Transição hormonal
Já a transição hormonal se refere a utilização de hormônios para o desenvolvimento de características sexuais secundárias, tais como:
- Homens trans usam o hormônio masculino testosterona para desenvolver o crescimento de barba, engrossamento da voz, alterações na distribuição da gordura corporal, diminuição das mamas, entre outros;
- Mulheres trans usam o hormônio feminino estrogênio para desenvolver mamas, reduzir os pelos no corpo, alterar a distribuição de gordura corporal desenvolvendo um corpo mais curvilíneo, entre outros.
Vale lembrar que esses tratamentos possuem efeitos colaterais e riscos. No caso de mulheres trans, por exemplo, é comum a diminuição do órgão genital, a incapacidade de manter uma ereção e de produzir espermatozoides.
O acompanhamento de um endocrinologista é importante para evitar problemas com dosagens hormonais prejudiciais e manter os níveis hormonais dentro dos padrões para um bom funcionamento do organismo.
Procedimentos cirúrgicos
Para alcançar um corpo mais próximo do desejado, é possível que pessoas transgênero se submetam a alguns procedimentos cirúrgicos, como:
Mastectomia masculinizadora
Para homens trans, uma cirurgia comum é a mastectomia masculinizadora, que consiste na remoção do tecido mamário com o objetivo de alcançar um peitoral mais masculino.
Cirurgia de redesignação sexual
Também chamada de cirurgia de confirmação sexual, esse procedimento consiste na reconstrução do órgão genital para se adequar ao gênero com o qual a pessoa se identifica.
No caso de homens trans, removem-se os órgãos sexuais internos (útero e ovários), faz-se a oclusão da vagina e cria-se um pênis artificial, que pode ou não ser acompanhado de um escroto.
Já no caso das mulheres trans, partes do pênis e dos testículos são extraídas e utiliza-se enxertos de pele para construção de uma vagina. Uma parte do pênis é conservada para assumir a função do clitóris, tornando possível o orgasmo.
É importante ressaltar que os resultados são mais satisfatórios no caso de mulheres trans do que no de homens, pois a construção de um pênis, dependendo da técnica utilizada, pode prejudicar a sensibilidade e a pessoa pode perder a função do orgasmo.
Psicoterapia
Por fim, o tratamento da disforia de gênero também pode ser feito por meio de psicoterapia. Embora a psicoterapia não traga vantagem à transição, ela pode ajudar o paciente das seguintes formas:
- Ajudar a pessoa a lidar com sentimentos negativos acerca das situações que passa, como preconceito, não reconhecimento do gênero com o qual se identifica, entre outros;
- Auxiliar a pessoa a encontrar uma expressão de gênero com a qual se sinta confortável;
- Ajudar em todo o processo emocional envolvido na transição, que pode ser afetado por fatores sociais, pelo uso de hormônios, entre outros;
- Auxiliar com outros transtornos adjacentes que a pessoa pode desenvolver ao conviver com a disforia de gênero, como o transtorno depressivo ou até mesmo o transtorno por uso de substâncias.
Antigamente, alguns meses de psicoterapia eram requerimento para que a pessoa pudesse passar pela transição hormonal ou realizar a cirurgia de redesignação sexual. Hoje em dia, no entanto, essa não é mais uma etapa necessária, tendo em vista que poderia servir como empecilho e prejudicar o acesso aos tratamentos de afirmação de gênero.
A disforia de gênero pode causar uma angústia tão intensa que prejudica uma pessoa no seu funcionamento social, relacional, entre outros. Se você se identificou com os sintomas aqui descritos ou conhece alguém que se identifica, não hesite em procurar ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/disforia-de-g%C3%AAnero/disforia-de-g%C3%AAnero
https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/992
https://www.who.int/standards/classifications/frequently-asked-questions/gender-incongruence-and-transgender-health-in-the-icd
https://www.who.int/health-topics/gender