A comunicação desempenha um papel fundamental nas relações humanas, moldando as interações sociais e a capacidade de resolver conflitos. No entanto, não é raro que as palavras usadas durante um momento de comunicação sejam carregadas de julgamentos, críticas e agressividade, resultando em conflitos e desentendimentos.
É neste contexto em que se destaca a Comunicação Não-Violenta (CNV), uma prática desenvolvida pelo psicólogo Marshall Rosenberg nos anos 60 com o objetivo de resolver conflitos de maneira construtiva, com mais compreensão e colaboração entre as pessoas.
Neste texto, vamos explorar o conceito de comunicação não-violenta, seus princípios fundamentais e alguns desafios que podem surgir na hora da aplicação da CNV.
O que é comunicação não-violenta e como surgiu?
A comunicação não-violenta é uma abordagem da comunicação cujo objetivo é ajudar as pessoas a criar vínculos com compaixão e empatia por meio da resolução de conflitos de forma construtiva, encontrando soluções que possam satisfazer as necessidades de todas as pessoas envolvidas.
Em outras palavras, é uma forma de se comunicar voltada à empatia e ao não-julgamento, permitindo que as pessoas sejam vulneráveis e tenham suas necessidades atendidas, sem precisar de jogos ou manipulações para conseguir aquilo que necessitam.
Essa abordagem surgiu nos anos 60, desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg. Quando Marshall era novo, os Estados Unidos estava passando por um momento histórico no qual havia segregação racial e, portanto, acabou observando diversas situações de violência durante sua infância e adolescência.
A partir disso, começou a perceber o papel que as palavras tinham na incitação dessa violência, entendendo também de que forma as palavras poderiam criar um cenário contrário, de compaixão e empatia. O psicólogo então trabalhou como orientador em instituições de ensino que combatiam a segregação, tendo como sua principal tarefa fazer a mediação e ensinar técnicas de comunicação para auxiliar nessa transição.
Marshall nomeou sua abordagem de comunicação não-violenta inspirado pela resistência não-violenta propagada por grandes nomes como Martin Luther King e Gandhi.
Como prática, a CNV se apoia em alguns princípios fundamentais. No entanto, ela não deve ser entendida como uma fórmula ou receita de bolo que pode ser reproduzida diversas vezes e sempre trará os mesmos resultados, pois pessoas são diversas e têm formas diferentes de encarar o mundo. Neste sentido, o intuito da CNV é justamente construir um diálogo que permita uma intersecção entre essas diferenças de forma a alcançar compreensão mútua.
É importante ressaltar que nem sempre é possível que uma pessoa atenda às necessidades de outra da forma que esta outra deseja. Nestes casos, é importante manter aberto o diálogo para encontrar uma solução que funcione para ambos, mesmo que parcialmente. Em casos extremos, pode ser necessário reconhecer que aquela pessoa em específico pode não conseguir ajudar nessa solicitação em específico, sendo necessário saber buscar outros recursos.
Comunicação destrutiva (linguagem alienante) versus Comunicação não-violenta
Para Rosenberg, embora o comportamento de falar não seja visto como violento, muitas vezes as palavras podem provocar mágoas e dor. Isso ocorre principalmente quando a linguagem utilizada é repleta de julgamentos, generalizações, rotulações e críticas. Em resposta a isso, não raramente, as pessoas entram em uma posição defensiva, usando também uma certa agressividade na fala para tentar se defender.
Esse tipo de comunicação foi nomeada “linguagem alienante da vida”, pois é uma linguagem que afasta as pessoas umas das outras e não é construtiva, ou seja, não ajuda as pessoas a chegarem a lugar algum. É um tipo de comunicação que tem como propósito magoar e não resolver os problemas.
Como exemplo, vamos imaginar uma pessoa que chega do trabalho e encontra seu parceiro no sofá assistindo televisão, mas a pia está cheia de louça suja e não há louça nova para usar. A pessoa que trabalhou o dia inteiro pode estar cansada e com fome, provocando um mau humor.
Ao ver essa cena, ela começa uma discussão com o parceiro, dizendo coisas como: “você não lavou a louça, fica o dia inteiro em casa e não faz nada que tem que ser feito!”. Percebe como essa frase é carregada de julgamentos?
De início, ela já tem um tom acusatório ao chamar atenção da pessoa para o fato de que ela não lavou a louça. Em seguida, descreve uma situação (ficar em casa o dia inteiro) e novamente faz uma acusação (não fazer nada) em um tom generalizante. Apesar de não ter nenhum xingamento na frase, é possível perceber que é uma frase bastante agressiva, que tem como objetivo fazer a pessoa se sentir mal, e não resolver o problema da louça suja.
É compreensível que, ao se deparar com um cenário desses e estando de mau humor, a pessoa tenha vontade de expressar essa frustração. No entanto, descontar isso no parceiro não irá resolver o problema, além de causar mágoa e criar ressentimentos na relação.
A comunicação não-violenta se mostra bastante vantajosa nesse sentido. Um exemplo de como a pessoa poderia falar de forma não-violenta e resolver o problema é: “Percebi que há louça suja na pia e não há louça limpa que eu possa usar, mas estou me sentindo cansado do trabalho e preciso me alimentar. Você poderia lavar um pouco da louça para que eu possa comer algo?”.
Essa frase, sem julgamentos, dá uma abertura muito maior para a resolução do problema, além de não acusar a outra pessoa, fazendo com que ela se torne muito mais propensa a aceitar o pedido ao invés de tentar se defender de acusações.
Vale ressaltar que, em nossa sociedade, essa linguagem alienante é muito frequente e costuma ser reforçada e até mesmo valorizada (na mídia, por exemplo). Portanto, se você percebeu que frequentemente usa esse tipo de linguagem no seu dia-a-dia, não se culpe.
Os padrões de comunicação são aprendidos e, em uma sociedade na qual esse tipo de comunicação impera, é difícil encontrar exemplos diferentes que nos ensinam a nos comunicar de forma mais saudável.
Culpar a si mesmo por algo que lhe foi ensinado não é saudável. O importante é que, agora, com o conhecimento da comunicação não-violenta, será possível criar um padrão de comunicação muito mais saudável em suas relações daqui para frente.
Princípios fundamentais da CNV e como aplicá-los
Com o intuito de melhorar a comunicação de forma empática e construtiva, a CNV se apoia em 4 pilares para orientar a comunicação. São eles:
Observação
O pilar da observação consiste na descrição dos fatos sem avaliações sobre a situação. Em outras palavras, na observação, qualquer pessoa poderia constatar a mesma coisa, independente de como percebe subjetivamente o acontecimento.
Para ilustrar esse conceito, vamos imaginar uma família que tem o costume de tomar café pontualmente todos os dias quando um dos adultos chega em casa do trabalho. No entanto, em um determinado dia, quando esse adulto chega, o café não está passado por algum motivo.
Considerando o pilar da observação, isso seria comunicado como um fato que pode ser constatado por qualquer pessoa, como “o café não está passado”. A pessoa responsável por passar o café não é acusada ou julgada de alguma forma, sendo constatado apenas o ocorrido: não há café passado.
Embora seja impossível pararmos de julgar na nossa subjetividade, a comunicação não violenta foca em aumentar as chances de ser ouvido e compreendido pelo outro. Ao fazer acusações e julgamentos, a possibilidade do outro continuar nos ouvindo diminui consideravelmente.
Os julgamentos nos ajudam a entender quando uma situação nos incomoda ou não e, portanto, não são necessariamente prejudiciais. No entanto, é importante sabermos a hora certa de expressar essas insatisfações, entendendo que esses julgamentos são mais uma avaliação nossa da situação do que uma realidade objetiva sobre a qual a outra pessoa pode agir.
Sentimento
A vulnerabilidade é essencial para a comunicação não violenta. Portanto, um outro pilar importante é a expressão dos sentimentos. No entanto, é comum que as pessoas não aprendam a expressar seus sentimentos de forma clara por não ter o vocabulário necessário ou até mesmo por ter passado por situações no passado nas quais não podia explorar maneiras de se expressar livremente.
Portanto, frequentemente vemos julgamentos e pensamentos sendo expressados como sentimentos, como por exemplo ao dizer “me sinto incompreendido” (julgamento) ou “sinto que não está tudo bem” (pensamento).
Uma alternativa para expressar essas ideais seria “me sinto triste”, para então comunicar qual a necessidade por trás desse sentimento. Por exemplo: “Me sinto triste pois preciso ser ouvido” ou “me sinto triste pois preciso de validação de que está tudo bem”.
Necessidade
Toda comunicação esconde uma necessidade por trás. Quando pedimos água, é porque estamos com sede. Quando pedimos atenção, é porque estamos necessitados de afeto.
No entanto, não é raro que as pessoas aprendam a esconder e disfarçar suas necessidades por questões como tabus sociais (demonstrar certas necessidades seria uma fraqueza) ou por ter tido um desenvolvimento na infância no qual suas necessidades não foram atendidas quando expressadas claramente e, por isso, a pessoa só aprendeu a expressá-las de forma indireta, gerando então uma situação de manipulação, por exemplo.
Isso se torna ainda mais evidente quanto mais complexo é o comportamento da pessoa. Uma pessoa que está em um relacionamento e sente necessidade de afeto, mas não consegue expressar isso de forma direta, pode começar a brigar com o parceiro por este passar muito tempo com outros amigos, com familiares, ou até mesmo com seus hobbies.
Isso pode ser interpretado como ciúme e possessividade quando, na realidade, é só uma necessidade de afeto que não é atendida sendo expressada de forma distorcida. Vale ressaltar que nem todo caso de ciúme é uma necessidade não atendida. A questão aqui é salientar que é interessante analisar bem a origem do comportamento ao invés de julgar o comportamento em si.
Portanto, a identificação e expressão da necessidade por trás de uma comunicação é crucial para a resolução dos problemas. Uma pessoa que não consegue identificar as próprias necessidades pode acabar prejudicando a comunicação ao não expressar de forma clara o que precisa. No entanto, nestes casos, a pessoa que está ouvindo também pode se esforçar para tentar identificar a necessidade do outro, sendo então um princípio válido para ambas as partes.
Pedido
Após a identificação da necessidade, geralmente vem um pedido, que deve ser expressado claramente. Em outras palavras, o pedido deve ser dito em voz alta e de forma bastante direta, sem ambiguidade ou espaço para a criação de expectativas.
Se uma pessoa tem uma necessidade como fome, por exemplo, e não pode fazer sua própria comida por algum motivo, na hora do pedido, é importante deixar bem claro que deseja que a outra pessoa faça comida.
Muitas pessoas tentam se comunicar de maneira indireta, falando apenas “estou com fome”, por exemplo. Embora algumas pessoas possam entender isso como um pedido, a verdade é que nenhum pedido foi feito de fato, e não faz sentido esperar que o outro faça comida e ficar frustrado caso o outro não o faça.
Portanto, fazer o pedido de forma clara é crucial para a comunicação não-violenta, evitando desentendimentos e expectativas irrealistas.
Vale ressaltar que nem sempre as outras pessoas podem atender a esses pedidos, o que não deve ser interpretado como má vontade ou desconsideração (julgamentos). Às vezes a pessoa também tem algumas necessidades não atendidas e precisa resolver isso antes, por exemplo.
Nesses casos, é possível tentar uma negociação, conversar sobre soluções que poderiam satisfazer as duas partes. No entanto, nem sempre isso é possível também, e isso deve ser respeitado.
Vale ressaltar que a comunicação não-violenta não é um método para se conseguir o que se quer, mas sim uma maneira de se comunicar de forma empática e não agressiva. Caso a outra pessoa não possa atender ao pedido, cabe a nós buscar satisfazer a necessidade por trás do pedido de outra forma, seja pedindo a outra pessoa, indo atrás de outros recursos para resolver o problema, entre outros.
Desafios na aplicação da CNV
Um dos grandes desafios da comunicação não-violenta é que essa abordagem de comunicação não é muito difundida e, portanto, é muito mais fácil encontrarmos pessoas usando a linguagem alienante, mesmo quando tentamos usar a CNV.
Ao usar a CNV com outra pessoa que não a conhece e responde de forma alienante, podemos ter reações emocionais que podem nos levar a voltar para a linguagem alienante, prejudicando ainda mais a comunicação. Nesses casos, é muito importante aprender técnicas de regulação emocional, para impedir que nossas emoções negativas acabem afetando a forma como nos comunicamos.
Além disso, é importante ter a consciência de que nem toda comunicação vai levar à resolução do problema. Às vezes, a outra pessoa não pode ou não consegue atender às nossas necessidades por algum motivo ou outro, e isso deve ser entendido como um sinal de que a discussão, por mais pacífica que seja, pode ser infrutífera. Em outras palavras, é importante sabermos avaliar quando investir naquela relação vale a pena e quando não, sabendo a hora de fazer a retirada se necessário.
A comunicação não-violenta vem para ajudar as pessoas a melhorar a qualidade das relações interpessoais, ajudando indivíduos a satisfazerem suas necessidades em um mundo no qual são formadas relações de interdependência.
Se você acredita que aprendeu sobre comunicação não-violenta e gostaria de mostrar isso para mais pessoas, compartilhe este artigo com amigos e familiares!
Por fim, se você ou alguém que você conhece está passando por momentos emocionalmente carregados ou sente que está precisando de ajuda, não hesite em contatar um profissional da saúde mental.
Referências
https://www.institutocnvb.com.br/single-post/comunica%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-violenta-cnv-o-que-%C3%A9-e-como-praticar
https://napratica.org.br/comunicacao-nao-violenta/
https://rockcontent.com/br/blog/cnv/