Nossos sentidos costumam nos proporcionar uma imagem relativamente realista do mundo ao nosso redor, permitindo interações eficazes e seguras com o ambiente. No entanto, há momentos em que os sentidos podem estar enganados por algumas distorções.
Embora vivenciar uma distorção ou outra nos sentidos seja algo relativamente comum, existem pessoas que convivem com distorções bastante intensas e frequentes, fazendo com que sua percepção do mundo seja bastante diferente. É o caso das pessoas que sofrem da Síndrome de Alice no País das Maravilhas.
O que é Síndrome de Alice no País das Maravilhas?
A Síndrome de Alice no País das Maravilhas é uma condição caracterizada por episódios de distorções na imagem corporal, visão, audição, tato e percepção de espaço e tempo.
O nome “Síndrome de Alice no País das Maravilhas” (SAPM) vem do fato de que grande parte das pessoas que sofrem desta síndrome apresentam alterações na percepção de tamanho, tanto do próprio corpo quanto de objetos e de outras pessoas, fazendo um paralelo com as cenas da obra clássica de Lewis Carroll, em que a protagonista utiliza alimentos e poções para aumentar ou diminuir de tamanho.
A síndrome foi descrita pela primeira vez em 1952, por um médico chamado Caro Lippman, mas foi melhor estudada em 1955 pelo psiquiatra John Todd, recebendo também o nome de Síndrome de Todd. No entanto, costuma ser mais conhecida pelo nome do livro clássico, e até mesmo pelos acrônimos SAPM ou AIWS (que vem do inglês “Alice in Wonderland Syndrome”).
A SAPM aparece mais comumente em crianças ou pessoas que sofrem de enxaqueca. Trata-se de uma condição rara, ainda que seja estimado que cerca de 30% da população adolescente tenha vivenciado sintomas da síndrome de forma transitória, não formando um quadro crônico.
Os sintomas da síndrome ocorrem geralmente de forma episódica, ou seja, tem duração limitada de alguns minutos até alguns dias. Quando os episódios têm curta duração (minutos), eles também podem ocorrer várias vezes ao dia. Em pessoas que sofrem de enxaqueca, os sintomas da síndrome costumam aparecer com maior intensidade durante as crises.
Não se trata necessariamente de um transtorno psicótico, tendo em vista que a pessoa não sofre alterações no juízo. Em outras palavras, mesmo que ela esteja vendo ou percebendo essas alterações, ela entende que aquilo é estranho e não corresponde à realidade.
Sintomas da Síndrome de Alice no País das Maravilhas
Apesar de ser associada a alterações visuais a respeito do tamanho das coisas, a síndrome de Alice no País das Maravilhas também pode causar uma série de sintomas distintos.
Cada pessoa vivencia a síndrome de maneira diferente e, portanto, há uma grande variedade de alterações perceptuais que podem surgir. Hoje em dia, já foram descritos mais de 55 tipos de alterações na percepção causadas pela SAPM.
Há relatos de pessoas que vêem rostos de outras pessoas se transformando em tempo real, podendo assumir até mesmo a imagem de criaturas místicas como dragões. Outro relato comum é o de ver anomalias anatômicas em outras pessoas, como a presença de um membro a mais.
Linhas retas podem ser vistas como onduladas e em movimento, objetos tridimensionais podem ser vistos como planos, as cores podem parecer mais vivas ou mais lavadas, pessoas e objetos podem parecer esticados ou achatados, entre outros. É possível enxergar também movimentação em objetos estáticos.
Ademais, são comuns alterações na percepção de tempo e espaço, dando a impressão de que as coisas estão mais lentas ou mais aceleradas, bem como a sensação de movimentação de forma não natural.
Essas alterações também podem influenciar os outros sentidos, como a audição e o tato. Outro sintoma bastante presente na síndrome é a paranoia, caracterizada por desconfiança da realidade e erros de interpretação da mesma. Episódios de desrealização, caracterizados pela sensação de que o mundo não é real, também são comuns.
Causas da Síndrome
Até hoje, não se sabe exatamente quais são as causas da Síndrome de Alice no País das Maravilhas. No entanto, há alguns fatores de risco identificados.
Ter um histórico de algumas condições parece aumentar as chances de uma pessoa desenvolver os sintomas da síndrome. Tais condições são:
- Epilepsia;
- Enxaqueca;
- Lesões cerebrais;
- Derrames;
- Aneurismas;
- Tumores cerebrais;
- Infecções virais como H1N1, Epstein-Barr, Zika e Coxsackie B1;
- Infecções bacterianas como a doença de Lyme;
- Transtornos mentais.
Vale ressaltar que os sintomas da síndrome se assemelham bastante a estados alterados de consciência provocados pelo uso de substâncias psicodélicas. No entanto, nestes casos, não se trata de síndrome, e sim do efeito esperado dessas substâncias. Além disso, o uso de substâncias psicodélicas pode levar a quadros irreversíveis, fazendo com que a pessoa acabe apresentando essas alterações na percepção de forma crônica.
Exames de imagem dão dicas sobre o funcionamento da síndrome
Estudos feitos com exames de imagem mostram que os sintomas da SAPM podem ser resultado de alterações numa região cerebral responsável pela combinação de informações visuais, especiais e proprioceptivas (em relação ao próprio corpo).
Esta região recebe o nome de junção temporoparietal-occipital. Acredita-se que perturbações (como lesões, inchaços, alterações no fluxo sanguíneo, entre outras) nessa região podem acabar alterando a maneira que o cérebro interpreta as informações do ambiente e do próprio corpo.
A Síndrome de Alice no País das Maravilhas é perigosa?
Embora a síndrome não vá causar danos ao indivíduo diretamente, a intensidade dos sintomas pode levar a uma grave desorientação que pode deixar a pessoa mais suscetível a acidentes.
Perceber tamanhos e distâncias de forma distorcida pode fazer com que a pessoa não apenas possa calcular errado seus movimentos, como também perder o equilíbrio, havendo o risco de quedas, colisões com objetos, pessoas e veículos, entre outros.
Tudo isso pode fazer com que a pessoa tenha algumas limitações no dia-a-dia, a fim de diminuir as chances de se acidentar. Portanto, mesmo que a síndrome não seja diretamente prejudicial à integridade física da pessoa, é importante buscar tratamento quando se torna uma condição limitante.
Além disso, os sintomas também podem causar reações emocionais e fisiológicas bastante desagradáveis, aumentando significativamente os níveis de estresse que a pessoa vivencia. Embora não existam provas de que a SAPM possa levar a transtornos como depressão e ansiedade, não é possível descartar a possibilidade de que a convivência com tais sintomas possa trazer prejuízos à saúde mental como um todo.
Tratamento
Quando os sintomas estão associados a crises epilépticas ou de enxaqueca, tratar estes quadros costuma resolver o problema.
Embora nem todas as pessoas que sofrem com a síndrome apresentam episódios epilépticos, é comum que os sintomas sejam tratados com medicamentos anticonvulsivantes.
No entanto, vale ressaltar que alguns medicamentos anticonvulsivos podem causar efeitos colaterais bastante semelhantes aos sintomas da SAPM, fazendo com que o tratamento não seja tão eficaz.
Embora o tratamento seja majoritariamente medicamentoso, há casos em que a pessoa pode necessitar psicoterapia para ajudar a lidar com os impactos dos sintomas da síndrome na sua autonomia e qualidade de vida.
Embora nem sempre as distorções visuais e espaço temporais sejam motivo para preocupação, é importante ficar alerta. Se você vivencia essas alterações com frequência e sente que elas estão atrapalhando sua qualidade de vida, não hesite em buscar ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1m09g62d2o
https://portal.afya.com.br/neurologia/voce-conhece-a-sindrome-de-alice-no-pais-das-maravilhas
https://revistagalileu.globo.com/saude/noticia/2024/02/estudo-aponta-possivel-causa-da-sindrome-de-alice-no-pais-das-maravilhas.ghtml
https://portugues.medscape.com/verartigo/6504136?form=fpf#vp_2
https://www.saberatualizado.com.br/2021/10/o-que-e-sindrome-de-alice-no-pais-das.html
