O que é o transtorno de processamento auditivo central?
O transtorno de processamento auditivo central (TPAC) ocorre quando a pessoa tem dificuldade em entender sons, incluindo palavras faladas em sua língua materna.
As pessoas que possuem esse transtorno geralmente tem uma estrutura auricular (do ouvido) normal, que funciona como o esperado.
Na audição típica, o centro auditivo do cérebro transforma as ondas sonoras captadas pelo ouvido em sons reconhecíveis. No entanto, quando a pessoa tem um transtorno de processamento auditivo, esse processo é alterado ou prejudicado de alguma forma.
Portanto, não se trata de um problema de audição propriamente dito, mas é uma condição do neurodesenvolvimento que leva ao processamento alterado dos sons, fazendo com que a pessoa tenha dificuldade para reconhecer e interpretar sons.
Pessoas com problemas no processamento auditivo geralmente têm dificuldades para entender pessoas falando em lugares barulhentos, pessoas que possuem sotaques muito diferentes do que estão acostumadas, pessoas que falam rápido, palavras que soam parecidas, e frequentemente apresentam dificuldade para acompanhar instruções verbais.
Em geral, o transtorno já aparece durante a infância, mas também pode se desenvolver mais tarde.
O transtorno também é conhecido como distúrbio de processamento da fala e está presente na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) pelo código H93.2 (Outras percepções auditivas anormais).
Vale ressaltar que o transtorno de processamento auditivo central é diferente da afasia, uma condição que altera o processamento da linguagem em geral (incluindo audição e fala), pois a afasia é necessariamente causada por lesões cerebrais, enquanto o transtorno de processamento auditivo ocorre por conta de alterações no desenvolvimento do cérebro.
Sintomas do transtorno de processamento auditivo central
Sintomas e sinais do transtorno de processamento auditivo central incluem:
- Falar mais alto ou mais baixo do que o apropriado para a situação;
- Dificuldade para lembrar listas e sequências;
- Precisar que palavras e frases sejam repetidas com frequência;
- Processar informações verbais mais lentamente;
- Dificuldade para reconhecer a direção da qual um som está vindo;
- Dificuldade para memorizar informações aprendidas pela audição (como palestras e aulas);
- Interpretar palavras e frases de forma literal;
- Precisar de ajuda para ouvir em ambientes barulhentos;
- Necessidade de legenda em mídias, mesmo que estejam em sua língua materna;
- Necessidade de material escrito durante apresentações orais, como slides, apostilas etc.;
- Precisar se afastar de lugares barulhentos, pedir para ir a lugares mais reservados para conversar;
- Pedir que as pessoas dêem instruções verbais um passo por vez, ao invés de dar uma lista de passos de uma vez só.
Não é raro que uma pessoa com esse transtorno peça para alguém repetir o que disse, mas conseguir entender o que a pessoa falou antes de ela repetir de fato. Isso ocorre porque o processamento pode ser mais lento, fazendo com que a pessoa demore um pouco mais para entender.
Causas do transtorno de processamento auditivo central
Não existem causas específicas conhecidas para o transtorno de processamento auditivo central. Estima-se que o transtorno pode estar relaciona a questões genéticas, podendo ser herdado dos pais, bem como pode resultar de um parto com complicações.
Embora a audição já esteja presente desde o útero, o seu desenvolvimento continua por pelo menos mais uma década depois do nascimento, motivo pelo qual o transtorno pode surgir à medida em que a criança vai se desenvolvendo.
Além disso, ainda que o transtorno de processamento auditivo central não tenha relação com a estrutura auricular em si, estima-se que infecções frequentes no ouvido podem aumentar as chances de uma criança apresentar dificuldades auditivas futuramente.
Diagnóstico do transtorno de processamento auditivo central
O diagnóstico do TPAC costuma ser feito por uma equipe multidisciplinar, composta por neurologista, fonoaudiólogo, neuropsicólogo e psiquiatra.
Uma avaliação fonoaudiológica do processamento auditivo é realizada por meio de testes feitos em uma cabine acústica, na qual o paciente é exposto a diversas situações em que precisa localizar a origem de um som, diferenciar sons concorrentes (que ocorrem ao mesmo tempo) e eliminar ruídos externos.
Estes testes geralmente são aplicados em pessoas acima de 6 anos de idade.
Para fechar o diagnóstico de TPAC, é importante também determinar se não existe uma causa orgânica para que haja dificuldades de audição. Neste sentido, o paciente também pode fazer outros exames para verificar a possibilidade de alterações na estrutura auricular, a fim de descartar outras hipóteses diagnósticas.
Comorbidades: TDAH, autismo e dislexia
Existem diversas comorbidades que podem ocorrer com o transtorno de processamento auditivo central, em especial aquelas que prejudicam o aprendizado como um todo.
Há uma quantidade significativa de pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dentro do transtorno do espectro autista (TEA) e pessoas com dislexia que também apresentam o TPAC.
Não é raro que pessoas que sofram com esse transtorno também tenham alguns sintomas parecidos com o TDAH, o autismo e a dislexia, ainda que não feche os critérios diagnósticos para nenhuma dessas condições.
Dentre estes sintomas estão dificuldades em prestar atenção, dificuldades em seguir instruções, tendência a levar as coisas para um lado mais literal, dificuldades em reconhecer tons de voz, entre outros.
Vale ressaltar que esses transtornos são conhecidos como transtornos do neurodesenvolvimento, ou seja, transtornos que afetam justamente o desenvolvimento cerebral.
Portanto, é possível que os mesmos mecanismos que alteram o desenvolvimento do cérebro nesse transtorno também acabem alterando as partes do cérebro responsáveis pelo processamento da audição, o que explica os altos índices de comorbidade.
O transtorno de processamento auditivo central tem cura? Como é o tratamento?
Não existe cura para o transtorno de processamento auditivo central, mas existem tratamentos que podem ajudar a melhorar a audição. Isso porque o cérebro é plástico e pode apresentar melhoras no processamento auditivo por meio da estimulação.
O tratamento geralmente envolve exercícios que melhoram a concentração auditiva, geralmente feito com um profissional da audição, como um fonoaudiólogo.
Existem vários exercícios para tratar o TPAC. Alguns exemplos são:
Exercícios de discriminação auditória
Ajuda a pessoa a exercitar a capacidade de discernir a intensidade, frequência e duração de um som em relação a outro som.
Exercícios de discriminação de fonemas
Os fonemas são os sons que fazemos na fala, e alguns sons podem ser bem parecidos uns com os outros (como T/D, P/B, F/V e M/N), gerando confusões. Nestes exercícios, o objetivo é ajudar a pessoa a diferenciar fonemas parecidos, a fim de melhorar sua compreensão da fala.
Exercícios de localização de som
Em geral, nós conseguimos localizar de que direção um som está vindo. Porém, para pessoas com TPAC, isso pode ser um desafio. Esses exercícios tem como objetivo ajudar a pessoa a identificar a localização de um som, bem como sua origem, direção e até mesmo distância.
Exercícios de aspectos temporais do som
Estes exercícios têm como objetivo ajudar a pessoa a consolidar informações que chegam aos dois ouvidos ao longo do tempo, conseguir separar sons que ocorrem um atrás do outro, detectar pequenas lacunas de tempo entre um som e outro, entre outros.
Exercícios de separação bineural
O objetivo desses exercícios é fazer com que a pessoa consiga reconhecer informações auditivas quando existe um som de fundo.
Impactos do transtorno de processamento auditivo central
Embora pessoas com esse transtorno possam levar vidas relativamente normais, os problemas auditivos ainda podem causar alguns impactos, como:
- Desentendimentos frequentes por interpretar erroneamente o que foi dito;
- Prejuízos acadêmicos por não conseguir acompanhar as aulas e palestras;
- Dificuldades profissionais, especialmente em profissões que requerem uma boa audição e contato com o público;
- Estresse por ter dificuldades frequentes em entender o que está sendo dito e em seguir instruções verbais;
- Isolamento social, por conta das dificuldades na audição, provocando uma desmotivação para interagir socialmente;
- Sentimentos negativos constantes, podendo levar ao desenvolvimento de transtornos como ansiedade e depressão.
Dicas para melhorar o processamento de sons
Algumas dicas que podem ajudar uma pessoa a melhorar o processamento dos sons são:
- Falar cara a cara, deixando claro o movimento dos la´bios ao pronunciar as palavras;
- Evitar cobrir a boca enquanto fala;
- Usar imagens para ilustrar o que está sendo falado;
- Repetir e reformular frases quando necessário;
- Em casa, preferir carpetes e móveis macios que ajudam a reduzir o som ambiente;
- Evitar falar muito rápido ou muito devagar;
- Evitar frases longas e complicadas;
- Evitar barulho de fundo, como uma TV ou rádio ligados.
Nem sempre uma pessoa que pede para repetir constantemente não está prestando atenção porque não quer ou está fazendo isso para irritar. Às vezes, existem bases neurológicas para que ela apresente essa dificuldade na audição.
Se você suspeita que você ou seu filho pode ter algum problema assim, não hesite em procurar um profissional da saúde!
Referências
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK587357/
https://www.asha.org/practice-portal/clinical-topics/central-auditory-processing-disorder/
https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/auditory-processing-disorder/symptoms-causes/syc-20555261
https://www.nhs.uk/conditions/auditory-processing-disorder/