Introdução e retirada lenta de fármacos: desmame

Medicamentos psiquiátricos não devem ser parados abruptamente. Entenda melhor aqui!
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Geralmente, quando temos um problema de saúde, fazemos o uso de medicamentos para combater os sintomas e/ou as causas até que o problema seja resolvido. Neste momento, podemos parar de tomar a medicação.

Na psiquiatria, o mesmo acontece: apesar de remédios psiquiátricos serem tomados durante muitos meses ou até mesmo anos, grande parte das pessoas chega em um momento no qual não precisam mais continuar o tratamento farmacológico.

Contudo, esse momento pode ser um tanto quanto angustiante porque, diferentemente de outros remédios, a retirada dos medicamentos psiquiátricos pode causar o que chamamos de síndrome de descontinuação.

O termo é mais utilizado quando falamos de antidepressivos, mas pode ocorrer em diversos tipos de medicamentos psiquiátricos, como ansiolíticos, hipnóticos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e estimulantes.

Para lidar com isso, os psiquiatras tendem a ajudar o paciente a parar de tomar os remédios por meio de uma descontinuação lenta e gradual do medicamento, o chamado “desmame”.

Caso a pessoa nunca tenha tomado medicação psiquiátrica na vida, a introdução da medicação também deve ser lenta e gradual, aumentando a dose conforme a necessidade para obter a resposta esperada.

Isso ajuda a evitar efeitos colaterais muito intensos logo no início do tratamento, bem como evita sintomas de abstinência durante a descontinuação do tratamento.

Síndrome de descontinuação (abstinência)

O termo “síndrome de descontinuação” se refere aos sintomas de abstinência provocados pela retirada abrupta de medicamentos psiquiátricos, em especial os antidepressivos.

A síndrome se parece bastante com o quadro inicial que levou a pessoa a precisar de medicamentos, podendo ser até pior em intensidade. No entanto, ela pode ser diferenciada de uma recaída por três fatores:

  • A síndrome tem um início muito rápido, ocorrendo entre 24 e 72 horas após a interrupção do medicamento, ao invés de se desenvolver ao longo de semanas (como ocorre numa recaída de fato);
  • Há uma resposta rápida à reintrodução da medicação, ou seja, a pessoa passa a melhorar em poucas horas ou dias depois de voltar a tomar o medicamento (quando, numa recaída, demoraria semanas);
  • Presença de sintomas somáticos, como tonturas, náusea, entre outros.

Estima-se que a síndrome de descontinuação dure de 2 a 6 semanas, mas há casos em que pode durar um pouco mais. Os sintomas da síndrome são mais intensos nas semanas iniciais.

Por que ocorre a abstinência?

Quando tomamos um medicamento de uso contínuo, como é o caso de grande parte dos medicamentos psiquiátricos, o nosso cérebro acaba se “adaptando” à presença do remédio, alterando seu funcionamento normal.

Em outras palavras, é como se nosso cérebro abrisse um espaço para a visita (o princípio ativo do medicamento). Isso faz com que o organismo alcance o chamado equilíbrio homeostático, para que tudo continue funcionando adequadamente.

No entanto, quando há a descontinuação do remédio, esse espaço fica “vago”, gerando um desequilíbrio homeostático. É aí que começam a ocorrer os sintomas da abstinência.

Isso tudo leva ao que chamamos de efeito rebote, que é uma piora dos sintomas que estavam sendo tratados pelo medicamento.

Esse efeito ocorre porque, quando a pessoa está tomando o remédio, o cérebro entende que não precisa se dedicar tanto a combater os sintomas, já que eles já estão sendo combatidos pela medicação.

Porém, quando a medicação é retirada de forma abrupta, não há mais a substância para combater os sintomas e o próprio cérebro demora para perceber que ele deveria suprir esse déficit sozinho.

Em outras palavras, demora um pouco para que, após a retirada de uma medicação, o organismo consiga restabelecer o equilíbrio homeostático.

É nesse sentido que o desmame ajuda: ao diminuir a dose gradativamente, o cérebro vai se acostumando aos poucos com uma menor quantidade da substância disponível, fazendo com que se adapte aos déficits de maneira mais equilibrada.

Vale ressaltar que grande parte dos medicamentos psiquiátricos também possuem uma meia-vida bastante curta, o que significa que, após parar a medicação, a quantidade da substância no organismo diminui de forma drástica e muito rapidamente, o que leva a essa síndrome de descontinuação.

Por que as pessoas param abruptamente?

Existem diversos motivos pelos quais as pessoas param de tomar seus remédios de forma repentina.

Um dos casos mais frequentes é quando, logo no começo do tratamento, a pessoa sente que está lidando com muitos efeitos colaterais, enquanto o efeito terapêutico do remédio ainda não foi alcançado.

Isso ocorre porque os medicamentos psiquiátricos podem demorar um pouco para conseguir fazer efeito no cérebro, enquanto os efeitos em outras partes do corpo (efeitos colaterais) ocorrem já nos primeiros dias.

Os efeitos colaterais costumam ser transitórios, ou seja, tendem a desaparecer ao longo do tratamento, e em geral são bem tolerados. No entanto, há casos em que os efeitos são intensos o suficiente para que a pessoa deixe de fazer o uso por conta própria.

Nestes casos, é recomendado marcar uma nova consulta com o psiquiatra e relatar os efeitos colaterais, para ver a possibilidade de mudar a medicação usada.

Um outro motivo comum para que as pessoas parem de tomar os remédios abruptamente é justamente a melhora do quadro. Em outras palavras, os medicamentos fazem o efeito esperado e a pessoa considera estar bem, não precisando mais da medicação.

Contudo, muitas vezes, a pessoa está bem justamente porque a medicação está fazendo efeito, e não porque ela já melhorou. Pode demorar alguns meses ou até mesmo anos para que o cérebro consiga ter mudanças significativas o suficiente que não justifiquem mais o uso dos medicamentos psiquiátricos.

Como é feito o desmame?

O desmame é feito de acordo com as orientações do psiquiatra, que saberá calcular as doses e o tempo que elas serão tomadas até o cessamento total do uso da medicação.

Em geral, costuma-se fazer a descontinuação de forma gradual durante um período de 2 a 6 semanas, sendo importante manter o médico psiquiatra informado durante esse tempo para que ele avalie a resposta do paciente à retirada da medicação.

As reduções de doses são feitas de forma linear, até alcançar a dose terapêutica mínima ou a sua metade antes de parar totalmente com a medicação.

Se uma pessoa toma uma medicação numa dose de 20mg, por exemplo, o psiquiatra pode orientá-la a tomar 15mg durante duas semanas, depois diminuir para 10mg por mais duas semanas, depois 5mg por mais duas semanas e, finalmente, parar.

Desmame na troca de medicação

Às vezes, uma medicação não faz o efeito esperado e o médico psiquiatra pode prescrever outra para substituí-la. No entanto, fazer a troca abruptamente (parando de tomar um e começando o outro logo em seguida) também pode causar síndrome de abstinência e os efeitos colaterais podem ser intensificados.

O ideal é que o médico oriente o paciente a como fazer a troca, geralmente diminuindo gradualmente a dose do remédio que será retirado, e introduzindo gradualmente a nova medicação.

Vale ressaltar que, mesmo fazendo o desmame corretamente, alguns efeitos colaterais são esperados. No entanto, estes serão muito mais atenuados do que se a troca fosse feita de maneira abrupta.

Quais os perigos de parar de tomar o remédio abruptamente?

Parar de tomar remédios psiquiátricos de forma abrupta pode trazer uma série de efeitos colaterais que não são apenas desagradáveis mas, em alguns casos, podem ser perigosos. Alguns destes efeitos são:

  • Efeito rebote, no qual os sintomas que deveriam estar sendo tratados pela medicação acabam sendo exacerbados;
  • Alterações no sono e no apetite;
  • Irritabilidade;
  • Explosões de choro;
  • Sonhos vívidos;
  • Tonturas;
  • Náuseas;
  • Tremores;
  • Dificuldades de coordenação motora;
  • Alterações na sensibilidade da pele;
  • Dor de cabeça;
  • Sudorese (suor excessivo);
  • Alterações na frequência cardíaca e na pressão arterial.

Caso a pessoa interrompa o uso de medicamentos psiquiátricos e apresente alterações nos sinais vitais (oxigenação, pressão arterial etc.), recomenda-se buscar atenção médica.

Como saber quando parar de tomar os remédios?

Reconhecer quando os medicamentos não são mais necessários pode ser um desafio, mas com a ajuda do acompanhamento psiquiátrico, o processo se torna bem mais fácil.

Diferentes medicações podem ter momentos diferentes para serem retiradas. Além disso, vale lembrar que há casos em que a pessoa deve continuar em tratamento indefinidamente, como no caso do transtorno afetivo bipolar, que é crônico e o tratamento é feito mesmo quando a pessoa está bem, com o objetivo de prevenir recaídas.

Quando se trata de antidepressivos, em geral, espera-se que o paciente esteja sentindo os benefícios do tratamento há pelo menos 6 meses antes de discutir a possibilidade de retirada da medicação.

Caso a pessoa inicie o processo de desmame e passe a apresentar sintomas muito expressivos novamente, o psiquiatra deve ser consultado para ver como será feita a manutenção do tratamento.

Os remédios psiquiátricos podem salvar vidas, mas seu uso precisa ser feito de forma responsável, seguindo adequadamente as orientações do psiquiatra.

Se você faz uso de medicamentos psiquiátricos e deseja parar, converse com seu médico.

Referências

https://portal.afya.com.br/psiquiatria/sindrome-de-descontinuacao-como-fazer-o-desmame-correto-dos-isrs
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/05/08/efeitos-colaterais-diferencas-entre-os-remedios-e-desmame-tudo-o-que-voce-realmente-precisa-saber-sobre-antidepressivos.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqv7ly8nx2qo
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/sindrome-de-abstinencia-por-antidepressivos-o-que-e-e-como-evitar/

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