Não é de hoje que ouvimos falar em autoestima, não é mesmo? Cada vez mais pessoas sofrem com problemas como baixa autoestima, ainda mais com o advento das redes sociais, que favorece a comparações e sentimentos de inferioridade. Por mais que digam que precisamos trabalhar a nossa autoestima, a verdade é que esta não é a chave para o problema.
De acordo com a Terapia Racional Emotiva Comportamental, a autoestima é uma espécie de autoavalição, e mesmo quando ela é positiva, pode ser prejudicial para a saúde mental. Estudos mostram que pessoas com autoestima extremamente alta sofrem com intolerância a críticas e tendem a ser mais violentas.
Pode-se pensar, então, que o equilíbrio é o caminho. No entanto, como dito anteriormente, a autoestima é uma autoavaliação, o que por si só já é prejudicial. Isso porque não existem parâmetros objetivos para se avaliar uma pessoa, ou seja, não é possível avaliar as pessoas em termos de “boas” ou “ruins”, pois não há uma regra que estabelece o que é, de fato, bom ou ruim, superior ou inferior.
Por isso, a Terapia Racional Emotiva Comportamental traz um outro conceito para auxiliar nesses casos: ao invés de melhorar a autoestima, elas promovem a autoaceitação incondicional. Isso significa aceitar a si mesmo independente de comportamentos e qualidades.
Uma pesquisa feita por Chamberlain e Haaga, publicada no Journal of Rational-Emotive & Cognitive-Behavior Therapy, em 2011, mostra que pessoas que praticam a autoaceitação incondicional têm menos sintomas depressivos e de ansiedade. Além disso, essas mesmas pessoas mostraram-se mais felizes com a vida que levam, tendo um escore maior em testes que medem a felicidade e o bem-estar.
Ao contrário da autoestima, a autoaceitação não se baseia em conquistas e qualidades. Ela é incondicional e, por isso mesmo, é uma ótima aliada à estabilidade emocional, mesmo nos momentos ruins.
Vale lembrar, no entanto, que autoaceitação não é o mesmo que autoresignação. Enquanto o primeiro significa aceitar-se incondicionalmente, o segundo implica em uma acomodação com o modo de ser. A aceitação de si mesmo, no entanto, não deve ser um motivo para acomodar-se. Para podermos trabalhar nas nossas falhas, primeiro é preciso aceitá-las, e é isso que a autoaceitação busca, sem julgamentos.
Fica, então, a dúvida: como posso me autoaceitar? Não é um processo fácil, mas vamos te dar umas dicas para começar.
Deixar o autojulgamento de lado
O primeiro passo para a autoaceitação é deixar de julgar a si mesmo. Todos os seres humanos são falhos e cometem erros. Todos têm comportamentos que não são motivo de orgulho. Contudo, o erro é pensar que isso faz de nós pessoas ruins.
Reconhecer suas falhas como simples falhas, e não um julgamento de valor, é fundamental no processo de autoaceitação. Emitimos comportamentos inadequados diariamente. No entanto, é preciso separar essas ações dos valores que atribuímos a nós mesmos.
Você não é uma pessoa ruim porque ofendeu alguém em uma briga, ou porque procrastinou até perder o prazo de um trabalho. É importante ter em mente que falhas pontuais são situações, e não uma definição de caráter.
Portanto, pegue leve consigo mesmo. Se você falhou em alguma coisa, tente consertar, ou peça desculpas, mas não pense que é uma pessoa ruim ou imprestável.
Terapia
Photo by Lesly Juarez
Parar de julgar a si mesmo pode ser bem difícil, pois existem pensamentos automáticos que insistem em invadir nossas mentes nesses momentos ruins. Felizmente, existem diversas terapias que podem ajudar a lidar com esses pensamentos e melhorar a autoaceitação.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma das abordagens mais usadas para ajudar com problemas como esses pensamentos automáticos. Ela ajuda a lidar com crenças ruins que temos cristalizadas dentro de nós, como acreditar que somos pessoas horríveis ao ofender alguém durante uma discussão. Muitas vezes, o termo “Terapias Cognitivas” é usado como um guarda-chuva que compreende (além da TCC clássica de Aaron Beck), entre outras, as seguintes terapias:
A Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC) acredita que as emoções não são, necessariamente, resultantes dos eventos em si, mas sim dos pensamentos do indivíduo sobre tais eventos. Sendo assim, se um indivíduo pensa que pessoas que contam mentiras são más, ele irá se sentir uma pessoa ruim quando contar uma mentira — mesmo que seja inofensiva.
Através da TREC, o paciente aprende a mudar seus pensamentos em relação aos eventos, mudando, assim, a forma como se sente diante dessas situações. No caso da mentira, a pessoa passa a compreender que, apesar de a mentira não ser uma atitude socialmente aceitável, uma pessoa não necessariamente é má por fazer isso. Parece simples na teoria, mas, na prática, essa mudança é complicada e pode necessitar acompanhamento.
De acordo com Albert Ellis, algumas das crenças irracionais mais comuns, e que interferem na autoaceitação do indivíduo, são:
- A necessidade de ser amado: uma pessoa só tem valor se for amada, independentemente de qualquer coisa;
- É preciso ser competente em todos os aspectos da vida: nessa crença, as pessoas não toleram as suas limitações, pois precisam ser bem-sucedidas em todos os aspectos da vida, como carreira, amor, finanças, entre outros;
- Sensação de ser uma catástrofe quando as coisas não saem do jeito que se deseja: algumas pessoas não conseguem aceitar a realidade e compreender que nem tudo está sob controle, que algumas coisas precisam ser melhor trabalhadas para que haja sucesso, e acabam ficando aflitas diante de incertezas.
Vale lembrar que essas crenças não costumam ser verbalizadas, pois muitas vezes não são inteiramente conscientes. O indivíduo pode ter uma noção dessas crenças, mas muitas vezes pode não saber expressá-las, por têm uma certa dificuldade para trazê-las para a consciência.
Por último, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é uma terapia que se baseia em dois processos: estar disponível para lidar com a vida a as adversidades da maneira que elas se apresentam (aceitação) e manter ou mudar comportamentos sendo guiado por valores (comprometimento).
Entendendo isso, é claro que a ACT trabalha, também, a autoaceitação. Para isso, são utilizadas técnicas como mindfulness (que também é usado na TREC), que consiste em uma atenção plena para o momento presente, sem julgamentos; a defusão cognitiva, que separa a cognição da experiência, reduzindo os efeitos do pensamento nas emoções; a aceitação, ou seja, gerar uma disponibilidade para encarar as coisas como elas são, entre outras.
Mais importante ainda, a ACT tenta transformar o self conceitualizado em um self como contexto. Isso porque o self, a imagem de si, como um conceito, tende a ser ameaçado diante de diversas situações, o que impede a aceitação. Portanto, é preciso uma defusão dos conceitos de self e desenvolver uma nova identidade: o self como contexto, ou self observador.
Este novo self não é uma coisa, nem uma pessoa, e sim uma espécie de lugar. Ele se baseia no conceito de aqui-e-agora, permitindo que o paciente seja capaz de observar suas experiências de modo consciente. Desta maneira, não há julgamento sobre a pessoa, e sim sobre a situação.
Assim, a pessoa deixa de pensar “eu ofendi fulano, eu sou horrível”, e passa a pensar “eu ofendi fulano, isso foi ruim, vou pedir desculpas”.
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Parece simples, mas não é. Aceitar a si mesmo é uma tarefa que requer muita paciência, mas é possível. Se você sofre com problemas de autoestima e, depois de ler este texto, deseja trabalhar sua autoaceitação, procure um psicólogo !
Referências
Barbosa, L., & Murta, S. (2014). Terapia de aceitação e compromisso: história, fundamentos, modelo e evidências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 16(3), 34-49.
Chamberlain, J., & Haaga, D. (2001). Unconditional Self-Acceptance and Psychological Health. Journal Of Rational-Emotive & Cognitive-Behavior Therapy, 19(3).
Kerbauy, R. R. (1983). Terapia comportamental cognitiva: uma comparação entre perspectivas. Psicologia: Ciência e profissão, 3(2). 9-23.