Infarto e depressão: a tristeza está no coração?

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Doença cardiovascular (DCV) é um termo guarda-chuva que abrange diversas doenças que afetam o coração e os vasos sanguíneos. No Brasil, não é raro vermos pessoas com problemas de coração, incluindo coágulos e problemas estruturais, mas o aparecimento dessas doenças é mais comum durante a terceira idade.

A depressão, por outro lado, pode aparecer em qualquer idade, mas também é comum entre aqueles na terceira idade. Existem diversos fatores que podem contribuir para esse fenômeno, como a solidão, a perda de entes queridos, uma saúde debilitada, entre outras.

Vez ou outra, pacientes que sobrevivem a infartos do miocárdio são diagnosticados com depressão. Será que a depressão se desenvolveu por causa das complicações da doença cardiovascular, ou será que ela já estava lá desde o início e só foi descoberta depois?

Pois bem, existe a possibilidade de doenças cardiovasculares e a depressão terem uma relação causal. Isso porque antes de diversas doenças cardiovasculares se desenvolverem, existe um fenômeno chamado aterosclerose, que consiste no endurecimento e engrossamento das paredes das artérias. O problema é que, devido a isso, o colesterol presente no sangue passa a se acumular nasparedes dos vasos sanguíneos, podendo gerar um bloqueio na passagem do sangue — a denominada “isquemia”. Dependendo da artéria em que isso acontece, pode acabar ocorrendo um infarto do miocárdio, por exemplo.

Onde entra a depressão nisso tudo? Pois bem, existem indícios de que alterações em alguns neurotransmissores, como acontece com a serotonina na depressão, pode acelerar o acúmulo desse colesterol, aumentando a probabilidade do surgimento de uma doença cardiovascular.

Uma outra hipótese é que a depressão pode trazer como consequência alguns fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Não raramente, pessoas com depressão abusam de substâncias como álcool e nicotina, que elevam a pressão arterial — um dos principais fatores de risco para DCV. Além disso, pessoas com depressão tendem a ter um nível de atividade física reduzido, o que também é um fator de risco para muitas doenças crônicas.

Além disso, diversas pesquisas mostram que a mortalidade após um infarto do miocárdio é aumentada em casos de depressão, especialmente nos 6 primeiros meses após o infarto1.

Um artigo publicado no American Journal of Geriatric Psychiatry2 mostra que pacientes com doença cardiovascular que sofrem algum transtorno depressivo têm mais chances de ir ao óbito nos próximos 2 anos do que aqueles que sofrem apenas de doença cardiovascular.

Neste estudo, foram considerados os seguintes transtornos depressivos: depressão maior, depressão menor, depressão recorrente e distimia. Os pacientes pesquisados tinham, ao menos, alguma das seguintes condições: infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, angina, fibrilação atrial, ter passado por angioplastia ou cirurgia de ponte de safena.

A conclusão foi de que, em um intervalo de 2 anos, pacientes com doença cardiovascular e depressão tinham mais chances de ir ao óbito do que pacientes não diagnosticados com depressão. Apesar disso, o estudo não deixa claro qual a relação entre as duas condições e o porquê da mortalidade ser um pouco maior em casos de pessoas que sofrem com as duas.

Vale lembrar que o diagnóstico de depressão em idosos é mais complicado, principalmente quando há alguma doença crônica. Isso porque diversos sintomas da depressão — tristeza, falta de interesse pelas coisas etc. — acabam sendo atribuídos às condições médicas. Além disso, a presença de déficits cognitivos na população da terceira idade dificulta a procura de tratamento por parte dos indivíduos idosos.

A falta do diagnóstico de depressão em pessoas com DCV pode trazer algumas consequências prejudiciais, como uma dificuldade maior para lidar com os desafios impostos pela doença e resultar em uma certa resistência ao tratamento e reabilitação.

Um outro estudo, desta vez publicado na revista científica Aging & Mental Health3, levou em conta não apenas a presença de depressão, mas também o bem-estar mental do indivíduo, uma vez que a saúde mental não significa a ausência de transtornos, mas sim a presença de emoções positivas e um bom funcionamento nas diversas esferas da vida.

Sendo assim, o estudo classificou as pessoas em “florescendo”, “definhando” e “saúde mental moderada”. Pessoas florescendo são aquelas com altos níveis de bem-estar emocional, psicológico e social, com um bom funcionamento nas diversas esferas da vida. Já as pessoas definhando estão em um estado desprovido de bem-estar emocional, psicológico e social, mas não necessariamente têm depressão. Essas pessoas não estão nem mentalmente saudáveis nem doentes. Por fim, as pessoas com saúde mental moderada são aquelas que não estão definhando, mas também não estão florescendo.

Através da aplicação de diversos testes para medir o bem-estar emocional, psicológico e social, a pesquisa chegou à conclusão de que a prevalência de doença cardiovascular é maior (18.9%) entre adultos que sofrem com depressão e foram categorizados como “definhando”. Em adultos “florescendo”, a taxa de doença cardiovascular é significativamente menor (8.2%). Mesmo adultos que não sofrem de depressão, mas que foram classificados como “definhando”, têm mais chances de desenvolver doença cardiovascular do que aqueles classificados como “florescendo”.

Tratamento

O tratamento da depressão quando associada à doença cardiovascular pode trazer alguns benefícios para a própria DCV. Há estudos que mostram que a psicoterapia ajuda a prevenir a recorrência de problemas cardiovasculares (como um segundo infarto, por exemplo), além de aumentar a taxa de sobrevida em até 5 anos. Além disso, por conta das alterações em neurotransmissores estarem relacionadas ao desenvolvimento de DCV, o tratamento farmacológico com inibidores seletivos da recaptação de serotonina pode ser vantajoso para pacientes com DCV e depressão.

Se você conhece alguém que sobreviveu a um infarto e está apresentando sintomas de depressão, compartilhe a ideia de procurar ajuda especializada em saúde mental. Além de possivelmente aumentar a expectativa de vida, o tratamento pode ajudar o paciente a lidar melhor com os obstáculos trazidos pela doença cardiovascular, melhorando consideravelmente sua qualidade de vida.

Referências

1 Musselman, D. L.; Evans, D. L.; Nemeroff, C. B. (1998). The relationship of depression to cardiovascular disease: epidemiology, biology, and treatment. Archives of General Psychiatry, 55(7): 580-92.

2 Gallo, J. J. et al (2005). Depression, cardiovascular disease, diabetes, and two-year mortality among older, primary-care patients. American Journal of Geriatric Psychiatry, 13(9): 748-55.

3 Keyes, C. L. M. (2004). The nexus of cardiovascular disease and depression revisited: the complete mental health perspective and the moderating role of age and gender. Aging & Mental Health, 8:3, 266-274, DOI: 10.1080/13607860410001669804

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