É fato que pessoas que sofrem de ideação suicida precisam de tratamento. Quando uma pessoa tenta tirar a própria vida, o comum é que ela seja atendida em um hospital psiquiátrico, onde permanece internada por alguns dias até que tenha alta para voltar para casa. Só que não para por aí: o tratamento deve continuar mesmo após o hospital dar alta. Caso contrário, pode ser só uma questão de tempo até que o paciente tenha outra crise suicida.
Uma crise suicida é quando o indivíduo está passando por um momento de ideação suicida frequente. A crise pode incluir uma tentativa de suicídio, mas isso não é necessário para se caracterizar como uma crise suicida.
Esses pacientes precisam de um acompanhamento mais longo para prevenir recaídas. Um dos tratamentos mais utilizados é a psicoterapia, em especial a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que é conhecida por trazer bons resultados rapidamente.
Qual o objetivo da TCC em casos de pacientes suicidas?
A TCC trabalha com a dinâmica entre cognição, emoção e comportamento, pois entende que estes itens funcionam em conjunto e estão constantemente influenciando um ao outro.
Quando os eventos do dia-a-dia acontecem, a maneira na qual interpretamos tais eventos determina como nós vamos nos sentir em relação a ele e quais as ações que vamos tomar em seguida. Tudo isso ocorre de acordo com essa dinâmica entre cognição, emoção e comportamento. É por isso que, para pessoas diferentes, um mesmo evento pode ser traumatizante ou apenas desconfortável.
Os terapeutas cognitivo-comportamentais são capazes de identificar padrões de pensamento e comportamento que são prejudiciais para uma pessoa e, a partir disso, consegue intervir para promover melhoras na saúde mental do indivíduo.
Isso é especialmente eficaz nos casos de ideação suicida porque auxilia o paciente a lidar com esses pensamentos disfuncionais que prejudicam o indivíduo emocionalmente e que, eventualmente, fazem com que a pessoa considere o suicídio como uma saída.
Na TCC com pacientes suicidas, o objetivo é ajudá-lo a desenvolver estratégias para lidar com os pensamentos, sentimentos e comportamentos que o levam a uma crise suicida.
Como a TCC ajuda pacientes em crises suicidas?
O foco da terapia cognitiva-comportamental para pacientes suicidas é sempre a prevenção do suicídio. O terapeuta conta com conhecimentos e habilidades para auxiliar o paciente nessa jornada, ensinando-o a lidar com essas crises mesmo quando estiver sozinho.
Em um primeiro momento, o terapeuta deve fazer uma avaliação para verificar o grau de risco de suicídio em que o paciente se encontra. Além disso, o terapeuta busca identificar, junto com o paciente, quais são os pensamentos disfuncionais que fazem com que ele se encontre nessa situação. Não se trata de um trabalho fácil, pois na maior parte das vezes o paciente não tem uma noção muito clara de quais são esses pensamentos, e é aí que um terapeuta com experiência e estudo pode auxiliar.
Os principais objetivos dessa primeira parte do tratamento são:
- Ajudar o paciente a desenvolver estratégias adaptativas (ou seja, não prejudiciais) para lidar com as frustrações;
- Desenvolver habilidades para que o paciente possa identificar razões para viver;
- Melhorar as habilidades já existentes de resolução de problemas;
- Ajudar o paciente a entrar em contato maior com a rede social de apoio (familiares e amigos);
- Auxiliar o paciente a se comprometer com as outras intervenções médicas, como o tratamento farmacológico.
As primeiras sessões costumam ser bem estruturadas, o que possibilita o avanço rápido do processo terapêutico. No entanto, após cerca de 10 sessões, é preciso que haja uma maior flexibilização na sessão, para que o terapeuta possa abordar, cuidadosamente, assuntos que podem ser dolorosos ou embaraçosos para o paciente — como o uso de álcool ou substâncias, por exemplo. Isso é necessário para que se possa confrontar os pensamentos, emoções e comportamentos ruins que contribuem para a ideação suicida.
Nesse momento, o terpeuta ainda está preocupado em avaliar o risco de suicídio. Se não houver diferenças muito significativas entre a primeira sessão e a sessão atual, quer dizer que o método utilizado não está sendo muito eficaz e, assim, paciente e terapeuta devem trabalhar em conjunto para identificar métodos que façam mais efeito.
É comum que o terapeuta passe algumas tarefas para o paciente praticar em casa. Embora isso possa lembrar à escola e parecer chato, as tarefas dadas pelo terapeuta são extremamente benéficas, pois levam para fora da terapia aquilo que o paciente aprende durante a sessão.
Todas essas discussões e tarefas são focadas nas questões relacionadas à crise suicida mais recente. O foco da terapia muda para outras áreas de importância — como sintomas de um transtorno psiquiátrico, por exemplo — apenas quando o terapeuta e o paciente acreditam que ele é capaz de gerenciar crises futuras através das habilidades aprendidas em terapia.
Plano de segurança
Um dos pilares da terapia cognitiva-comportamental para pacientes suicidar é o plano de segurança. Esse plano consiste em uma lista de estratégias de coping (coisas que o paciente pode tentar fazer sozinho para lidar melhor com a situação) e pessoas que o paciente deve contatar durante uma crise suicida.
As estratégias de coping podem ser bem variadas, pois o mais importante é que elas tirem a atenção do paciente da ideação suicida. De início, pode ser difícil para alguns pacientes perceber quais são as atividades que podem tirá-lo deste estado, mas o terapeuta será capaz de ajudá-lo a encontrá-las.
Quando se trata dos contatos, o paciente pode sentir que está sozinho e não ter com quem contar nesses momentos, ainda que isso não seja verdade. Por isso, é importante que o terapeuta ajude o paciente a entrar em contato com a rede social de apoio (familiares e amigos) para construir o plano de segurança.
Uma dificuldade que pode ser encontrada é que o paciente não consegue utilizar as estratégias de coping durante uma crise. Assim que possível, então, as sessões são utilizadas para desenvolver essas estratégias de coping antes de uma nova crise, de modo que elas estejam disponíveis para serem usadas quando o paciente estiver tendo dificuldades.
É quase como se o paciente fosse um profissional de segurança e estivesse passando por um treino para conseguir agir adequadamente na hora do verdadeiro perigo. A diferença, no caso, é que quem precisa ser salvo é o próprio paciente, o que pode tornar as coisas muito mais complicadas do que parecem por conta da dinâmica entre cognição, emoção e comportamento.
No plano de segurança também constam os sinais de alerta, que indicam quando o plano precisa ser usado. Esses sinais são uma lista de comportamentos e pensamentos que o paciente tem durante uma crise suicida. Dependendo do caso, o paciente pode ter dificuldades em identificar esses sinais, mas o trabalho terapêutico deve ajudá-lo nisso também.
Um exemplo de um plano de segurança é o seguinte:
- Sinais de alerta
- Querer dormir e não acordar mais
- Pensar “a vida não vale a pena”
- Pensar “não aguento mais isso”
- Estratégias de coping
- Escutar música
- Passear no parque
- Brincar com o cachorro
- Fazer exercícios
- Contatar outras pessoas
- Telefonar um amigo para me distrair
- Telefonar um familiar caso a distração não funcionar
- Telefonar para outras pessoas
- Contatar profissionais de saúde
- Terapeuta
- Psiquiatra
- Gerenciador de caso
- Emergência psiquiátrica
- Linha Emergencial de Prevenção ao Suicídio
O paciente também pode carregar consigo uma versão simplificada do plano que possa caber no bolso ou na carteira, como um cartão. Esse cartão é importante tanto para o paciente, que pode olhá-lo e saber o que fazer em momentos de crise, quanto para as pessoas que estão por perto nesses momentos e não sabem o que fazer para ajudar.
Estratégias de intervenção
Como já foi mencionado, o terapeuta irá auxiliar o paciente em uma crise suicida ensinando-o estratégias de intervenção.
Uma das estratégias principais para pacientes em crise suicida é aumentar as atividades prazerosas. O paciente com ideação pode estar passando por um momento em que não sente prazer em nada na vida, e isso pode complicar um pouco. Contudo, o terapeuta é treinado e sabe ajudar o paciente a encontrar atividades que possam dar prazer.
A partir daí, é preciso aumentar a quantidade de tempo que se usa em tais atividades. É normal que as pessoas nem percebam que simplesmente deixaram de fazer aquilo que dava prazer por conta da correria do dia a dia. Na medida do possível, é de extrema importância que o paciente em crise suicida passe mais tempo realizando atividades que gosta. Isso tem consequências até em um nível neurofisiológico, que pode ajudar muito na recuperação da crise.
A melhora de recursos sociais também é importante. Isso significa ajudar o paciente a identificar as pessoas que estão ao seu lado, sem aquela visão distorcida de que ninguém liga para ele. Esse trabalho é importante porque o paciente volta a sentir que pode contar com seus amigos e familiares em momentos de crise.
As estratégias de coping afetivo são aquelas que possibilitam o autoalívio sem precisar recorrer a ações como a autoagressão. Pode não parecer, mas exercícios físicos auxiliam muito nesse momento. Técnicas de distração também são bem vindas, desde que no momento certo.
Por fim, o terapeuta deve aplicar estratégias cognitivas, para ajudar o paciente com suas cognições distorcidas e prejudiciais. Ele pode ajudar o paciente a encontrar motivos para viver, além de ajudá-lo com eventuais problemas de autoestima. Uma das tarefas que o terapeuta pode passar são os cartões de coping, que consistem em listas do porquê os pensamentos distorcidos não estão corretos.
O terapeuta também irá ajudar o paciente a aumentar suas habilidades de resolução de problemas, ensinando-o a enxergar soluções onde antes ele não via nenhuma.
Final do tratamento
Aproximando-se do final do tratamento, o terapeuta deve ajudar o paciente a revisar e consolidar as estratégias e habilidades aprendidas durante a terapia. Esse final acontece quando:
- O paciente não mais demonstra vontade de cometer suicídio;
- Ele percebe que a terapia abordou todas ou quase todas as questões relacionadas à crise suicida;
- A severidade dos sintomas é diminuída;
- O paciente demonstra ter adquirido habilidades para lidar com eventuais crises futuras.
É pouco provável que o paciente saia de terapia curado de seu transtorno psiquiátrico (quando este é o motivo por trás da ideação suicida), pois o transtorno depende de muito mais fatores do que apenas a cognição, emoção e comportamento. No entanto, o paciente sai com novas habilidades para lidar com os desafios que o transtorno pode trazer.
Isso não quer dizer, também, que o paciente está livre de terapia para o resto da vida. Quando sentir necessidade, ele pode voltar, mesmo que as questões a serem trabalhadas sejam outras. No caso, não se tratará de uma TCC focada na prevenção do suicídio, mas nos outros problemas que devem ser solucionados na vida do paciente.
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O tratamento de uma crise suicida não é fácil, mas é eficaz. Se você conhece alguém que está passando por um momento assim, não se esqueça de oferecer ajuda para procurar profissionais da saúde mental que podem ajudar a passar por esse momento difícil.
Referências
Wenzel, A.; Beck, A. T. & Brown, G. K. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed.