Algum dia você já pensou que come demais e não consegue controlar a quantidade de comida que ingere? Pois saiba que isso pode estar associado a um transtorno alimentar chamado transtorno de compulsão alimentar periódico (TCAP), que é caracterizado pela ingestão de uma grande quantidade de comida em pouco tempo, independente se há fome ou não.
Antes de tudo, calma! Exagerar um pouco na comilança é normal, especialmente em ocasiões especiais com refeições extraordinárias. O problema começa quando esse comportamento se repete com muita frequência, em situações comuns do dia-a-dia, e o indivíduo chega até mesmo a passar mal por ingerir tanta coisa, mas ainda enfrenta dificuldades em parar.
O transtorno de compulsão alimentar se dá em episódios que duram cerca de 2 horas, ou seja, o indivíduo pode vivenciar momentos em que não sofre com o problema, mas ele pode reaparecer a qualquer momento — e é durante essas 2 horas que ocorre o exagero.
Pessoas que passam o dia inteiro “beliscando” não necessariamente sofrem com compulsão alimentar, pois nem sempre obedecem esse período de 2 horas de ingestão exagerada de alimentos.
Para que seja diagnosticado o transtorno, esses episódios devem ocorrer, em média, 1 vez por semana durante 3 meses.
Sintomas do transtorno de compulsão alimentar
Durante esses episódios, os sintomas mais comuns são:
- Comer mais rapidamente do que o normal;
- Comer mesmo que esteja se sentindo desconfortavelmente cheio;
- Comer grandes quantidades de alimento mesmo na ausência da sensação física de fome;
- Sentimento de falta de controle da quantidade ingerida;
- Alimentar-se em horários incomuns, como durante a noite ou repetir o almoço durante a tarde, por exemplo;
- Sentir vergonha da quantidade de comida sendo ingerida e, por isso, alimentar-se sozinho ou deixar de participar de eventos sociais nos quais a comida é uma das atrações principais;
- Sentir culpa, desgosto por si mesmo e tristeza após comer;
- Sofrimento psicológico evidente relacionado aos “hábitos” alimentares.
Causas e fatores de risco
Assim como diversos transtornos mentais, como é o caso do transtorno de compulsão alimentar, as causas são um tanto quanto difusas, mas existem diversos fatores de risco associados ao desenvolvimento da condição. São eles:
- Alterações na química cerebral associada ao prazer de comer, percepção da fome e da saciedade;
- Problemas de autoestima;
- Perfeccionismo;
- Impulsividade;
- Presença de outros transtornos mentais como depressão e transtorno de ansiedade;
- Tentativas frustradas de fazer dieta;
- Eventos estressores e baixa tolerância ao mal estar.
Vale lembrar que apenas um fator de risco não é o suficiente para desenvolver um problema. Em geral, o transtorno se desenvolve mediante a interação de diversos fatores de risco.
Diagnóstico
O diagnóstico do TCAP é feito, preferencialmente, por um psiquiatra. No entanto, outros profissionais da saúde como nutricionistas, endocrinologistas e clínicos gerais também podem levantar a hipótese do transtorno. Independente disso, por ser um transtorno mental, recomenda-se sempre procurar um profissional da saúde quando se há suspeita deste diagnóstico.
Existem alguns critérios importantes para o diagnóstico do transtorno de compulsão alimentar. São eles:
- Presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar, com no mínimo 1 vez por semana durante 3 meses;
- Sofrimento marcante por conta da compulsão alimentar;
- Ausência de comportamentos compensatórios inapropriados como privar-se de comida ou regurgitar (expurgação).
O transtorno pode, ainda, ser classificado em:
- Leve: De 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana;
- Moderado: 4 a 7 episódios por semana;
- Grave: 8 a 13 episódios por semana;
- Extremo: 14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana.
Diagnóstico diferencial
Algumas vezes, o TCAP pode ser confundido com outros transtornos, como a bulimia nervosa. No entanto, existem diferenças marcantes entre estes dois transtornos. A bulimia nervosa é caracterizada pela expurgação (eliminação) após a alimentação, que pode ser feita por meio de vômitos forçados, laxantes e diuréticos. Isso não ocorre no transtorno de compulsão alimentar.
Tratamento da compulsão alimentar
O tratamento para compulsão alimentar costuma ser feito através de medicamentos e psicoterapia. Um psiquiatra poderá receitar um antidepressivo para auxiliar no controle de neurotransmissores que alteram a percepção da fome, ajudando a evitar episódios de compulsão.
Já a psicoterapia pode auxiliar o paciente a lidar com a compulsão alimentar de diversas formas, trabalhando tanto no comportamento de alimentar-se quanto nos pensamentos que estão por trás dessa compulsão. Uma abordagem amplamente recomendada para lidar com isso é a terapia cognitivo-comportamental, que auxilia o paciente em questões como baixa autoestima, problemas de autoaceitação em relação ao próprio corpo, perfeccionismo, entre outros.
Mindful eating
Uma técnica que pode auxiliar na compulsão em momentos de alimentação é o mindful eating. Trata-se da prática de mindfulness durante a alimentação, tendo atenção plena ao momento.
Essa técnica ajuda a perceber o corpo e a apreciar a alimentação sem julgamentos, o que ajuda a perceber quando o organismo está saciado e aproveitar o alimento em sua totalidade, ajudando a controlar a necessidade de repetir ou comer mais.
Vale lembrar que esta é apenas uma técnica para auxiliar na compulsão, não podendo substituir o tratamento com profissionais da saúde mental.
Mitos em relação à compulsão alimentar
A compulsão alimentar ocorre só com doces, pães e fast food
Há quem acredite que a compulsão alimentar está relacionada a alimentos menos saudáveis e cheios de carboidratos, como doces, pães e fast food. Isso pode até parecer fazer sentido, uma vez que os carboidratos são metabolizados rapidamente e não saciam por muito tempo.
Entretanto, não é bem o caso. Não basta apenas se alimentar saudavelmente para superar a compulsão alimentar. Infelizmente, ela ocorre mesmo quando o indivíduo está ingerindo quantidades proporcionais de carboidratos, proteínas, vitaminas e minerais.
Comer o dia inteiro é compulsão alimentar
Outra coisa que pode ser confundida é quando o indivíduo costuma fazer diversos lanches durante o dia, mas em pequenas quantidades. Apesar de parecer, não se trata de um episódio de compulsão alimentar — que envolve a ingestão de uma grande quantidade de alimentos em cerca de 2 horas. Isso não quer dizer, no entanto, que o indivíduo não tenha dificuldades na alimentação, e a busca por auxílio nesses casos é recomendada.
Obesidade e compulsão alimentar
Existe, também, uma grande confusão, especialmente no conhecimento popular, entre obesidade e compulsão alimentar. Para muitos, essas duas condições andam de mãos dadas. É importante ressaltar, portanto, que, na realidade, apenas algumas pessoas que sofrem com obesidade sofrem também com a compulsão alimentar. Além disso, existem também muitas pessoas com o índice de massa corporal (IMC) saudável que sofrem com TCAP.
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Se você costuma comer em exagero, não se sinta culpado. Pode ser algo que realmente não está sob seu controle, mas que tem tratamento. Lembre-se sempre de procurar um profissional da saúde de sua confiança!
Referências
Morgan, C. M.; Vecchiatti, I. R. & Negrão, A. B. (2002). Etiologia dos transtornos alimentares: aspectos biológicos, psicológicos e sócio-culturais. Revista Brasileira Psiquiatria 24(3). São Paulo.
Stefano, S. C.; Borges, M. B. F. & Claudino, A. M. Transtorno da compulsão alimentar periódica. Departamento de Psiquiatria UNIFESP. Disponível em http://www2.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu1_07.htm. Acesso em 07/12/2018.