Palpitações, respiração pesada, sensação de perigo e medo são sintomas vivenciados com frequência por pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade. E apesar de um certo nível de ansiedade ser saudável, muitas pessoas acabam vivenciando níveis elevados de ansiedade sem que haja algum motivo. Isso porque, no transtorno de ansiedade, a percepção de perigo é alterada.
É normal que nosso estado emocional altere a maneira em que enxergamos o mundo. O problema, no caso da ansiedade, está no fato de que ela é capaz de mudar o foco de nossa atenção durante o dia. Desta forma, a ansiedade torna a atenção enviesada, alterando nossa consciência em relação aos nossos arredores e, consequentemente, a maneira em que interpretamos nossa realidade.
Os efeitos dessa alteração na atenção são relativamente bem conhecidos: pessoas que sofrem com transtorno de ansiedade tendem a ter sua visão de mundo e crenças moldadas de maneiras específicas por essa alteração no foco da atenção.
Entendendo a atenção
Antes de prosseguir, vamos explicar brevemente como a atenção funciona e pode ser enviesada.
William James, um psicólogo americano do século XIX, propôs uma metáfora que ajuda a explicar o funcionamento da atenção. Para ele, a atenção visual seria como um holofote que projeta sua luz em determinadas áreas, que são o conteúdo da atenção em um determinado momento.
Você pode compreender esta metáfora facilmente ao ler este texto. Perceba que, ao concentrar sua visão na palavra que está lendo, as outras palavras e linhas do texto se tornam uma espécie de borrão indecifrável. Isso significa que seu “holofote atencional” está focado naquilo que você está lendo neste exato momento.
O motivo da existência deste holofote atencional está no fato de que, caso o cérebro tentasse processar todos os estímulos à nossa volta, ele sofreria com uma sobrecarga de informações. Afinal, tal qual um computador, o cérebro humano tem recursos limitados. O holofote nos ajuda a focar naquilo que é importante no momento, enquanto ignora o que é visto como irrelevante.
No entanto, apesar de parecer assim, nós não temos controle voluntário total sobre esse holofote, ou seja, por mais que a gente queria focar nossa atenção em alguma coisa específica, existem algumas situações nas quais isso não é possível. Um exemplo são situações ameaçadoras.
O cérebro humano foi desenvolvido para auxiliar na sobrevivência. Sendo assim, ele tem uma tendência a procurar ameaças para que possamos escapar o mais rápido possível. Por este motivo, mesmo que você queira focar em sua leitura, se você ver algum movimento muito brusco ao seu lado, por exemplo, sua atenção será totalmente desviada para este novo estímulo, uma vez que ele pode representar uma ameaça.
Por conta da evolução humana, na qual o ser humano dependia muito de sua visão para sobreviver (ao caçar uma refeição ou defender sua tribo de algum animal selvagem, por exemplo), a nossa atenção visual atualmente é facilmente “distraída” por estímulos como objetos em forma de cobras, aranhas e outros animais peçonhentos, objetos em forma de armas, faces furiosas e posturas ameaçadoras, entre outros.
Tudo isso nos permite dizer que a nossa atenção é enviesada para a nossa sobrevivência, focando em estímulos ameaçadores sempre que possível.
A atenção no transtorno de ansiedade
Se em pessoas saudáveis a atenção já é pré-focada em procurar ameaças, no indivíduo com transtorno de ansiedade esse fenômeno é ainda mais intenso. Essas pessoas apresentam uma espécie de hipersensibilidade no holofote atencional, de forma que sua atenção é constantemente puxada para estímulos que simplesmente parecem ameaçadores, mas que muitas vezes não são.
A consciência de uma pessoa com ansiedade é constantemente alimentada de interpretações negativas a respeito de estímulos neutros ou até de estímulos ameaçadores, mas com pouco potencial para provocar prejuízo. Desta forma, o mundo se torna um lugar nada amigável e bastante assustador para tais pessoas.
Para exemplificar isso, imagine uma pessoa voltando para casa de ônibus após o trabalho. Por conta da ansiedade, essa pessoa teria uma tendência maior em focar nas pessoas com expressões faciais negativas, como descontentamento ou raiva, e deixar de lado as pessoas com expressões faciais positivas ou neutras.
Chegando perto de casa, há poucas pessoas no ônibus, incluindo um homem de alta estatura usando um capuz que esconde alguns traços de sua face. Esse homem coloca a mão no bolso para puxar alguma coisa lá de dentro, e a pessoa com ansiedade logo interpreta aquilo como uma ameaça, visto que este homem poderia puxar uma arma, uma faca, ou qualquer outro objeto que pode ser usado para machucar alguém.
Poucos segundos depois, a pessoa percebe que o homem puxa seu celular do bolso, ou seja, não se tratava de nada prejudicial de fato, mas seu cérebro interpretou dessa forma por conta de dois motivos: o primeiro é que seu cérebro está hipersensibilizado para procurar ameaças, o segundo é que existe um componente social que indica que a situação em que a pessoa se encontra pode ser perigosa (poucas pessoas, a presença de um homem mais alto, propriedades ambíguas que não podem ser facilmente identificadas como a presença de um capuz e um objeto desconhecido dentro de um bolso).
É possível controlar essa situação?
Embora o controle total da nossa atenção seja impossível – até mesmo por questões de sobrevivência –, existem algumas maneiras de melhorar a situação para pessoas que têm suas vidas severamente afetadas por transtornos de ansiedade.
Há alguns tipos de treinamentos de atenção usados para melhorar esse viés hipersensível em pessoas com ansiedade, como o Attention Bias Modification Training (ABMT), traduzido como “treino de modificação de viés atencional”, também conhecido como Cognitive Bias Modification (CBM), ou “modificação de viés cognitivo”.
As tarefas deste treinamento podem variar, mas seu funcionamento costuma ser o mesmo. Um exemplo de uma sessão de treinamento, aparecem faces felizes e raivosas em uma tela a cada poucos segundos, repetitivamente por centenas de vezes.
O objetivo é fazer com que a pessoa preste mais atenção nos estímulos positivos, respondendo a estes estímulos apertando em um botão. Desta forma espera-se que, em algumas semanas, o cérebro seja treinado a prestar mais atenção em estímulos positivos do que negativos ou, ao menos, aumentar a percepção de estímulos positivos onde anteriormente só eram reconhecidos estímulos negativos.
Para pessoas que não têm acesso a um profissional da saúde mental, pode-se encontrar aplicativos para smartphones e tablets que trazem alguns exercício deste treinamento a fim de ajudar essas pessoas. No entanto, contatar um profissional da saúde mental é sempre aconselhável.
Quando o treinamento não funciona
Enquanto esses treinamentos podem fazer efeito, há alguns especialistas que acreditam que eles não são melhores do que a boa e velha terapia cognitivo comportamental, por exemplo, que tem bastante respaldo científico no tratamento de diversos transtornos mentais, como depressão, abuso de drogas e, claro, transtornos de ansiedade.
Transtornos de ansiedade são uma realidade extremamente comum nos dias de hoje e muitas pessoas têm suas vidas impactadas e prejudicadas pelo problema. Felizmente, as pesquisas continuam a todo vapor e novas maneiras de lidar com a ansiedade estão sendo descobertas.
Se você ou alguém que você conhece vivencia sintomas de ansiedade com frequência, não se esqueça de entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra de sua confiança.
Fonte
https://www.psychologytoday.com/intl/blog/mind-in-the-machine/201903/how-anxiety-warps-your-perception