A personalidade não é fixa: as falhas dos testes de personalidade

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Nos últimos anos, popularizou-se pela internet testes de personalidade que prometem ter um fundo científico, baseados em trabalhos de grandes teóricos da psicologia e, portanto, parecem ter alguma credibilidade. No entanto, tais testes apresentam grandes falhas, tanto por questões teóricas que se mostram discutíveis, bem como a falta de comprovações científicas de sua validade.

Na prática, isso quer dizer que os resultados dos testes não necessariamente são congruentes com a personalidade da pessoa e, se levados a sério, tais resultados podem até mesmo ser prejudiciais para o autoconhecimento e desenvolvimento de um indivíduo.

Um exemplo é a Tipologia de Myers-Briggs, também conhecido como o teste das 16 personalidades, que pode ser facilmente achado na internet e, no final, resulta em uma sigla que indica o “tipo de personalidade” que a pessoa aparenta ter baseada em suas respostas. O teste utiliza como base a teoria de Carl Gustav Jung, o que parece dar alguma credibilidade, porém foi desenvolvido por duas pessoas fora de um contexto científico e, atualmente, pesquisas feitas utilizando o teste mostram que ele pode não ser tão confiável assim.

Os perigos dos rótulos de personalidade

Grande parte dos testes de personalidade disponíveis na internet se baseiam na ideia de que a personalidade seria como uma essência imutável que não sofre alterações ao longo da vida. Entretanto, pesquisadores da área apontam para o fato de que a personalidade é sim mutável, e grande parte das pessoas gostariam de mudar traços de personalidade indesejáveis.

A utilização de rótulos de “tipos de personalidade” pode trazer prejuízos até mesmo nas relações interpessoais, uma vez que as pessoas tendem a utilizar tais rótulos para justificar suas ações, por piores que elas sejam. Tais rótulos abrem um espaço para que uma pessoa justifique comportamentos indesejáveis na relação e não precise se comprometer com a mudança, por mais que isso afete negativamente seus relacionamentos.

Em suma, classificar personalidades em tipos imutáveis pode levar a “aceitação” e cristalização de traços de personalidade que são indesejáveis para o indivíduo ou para suas relações, de forma a atrapalhar o desenvolvimento pessoal.

Uma teoria da personalidade mais confiável

Pesquisadores perceberam que a personalidade é influenciada por diversos fatores, como contexto, cultura, comportamento, entre outros. Justamente por isso, a personalidade não pode ser classificada em tipos, como testes como MBTI fazem. Isso não quer dizer, entretanto, que a personalidade não pode ser medida em testes.

Ao invés de classificar personalidades em tipos, os pesquisadores da personalidade encontraram fatores que podem ser mensurados para compreender a personalidade das pessoas. Dentre estes fatores, os mais amplamente aceitos na comunidade científica são os chamados Big Five (Cinco Grandes, em tradução livre):

Abertura para a experiência

A abertura para a experiência é caracterizada pela abertura para tentar e aprender coisas novas, por uma imaginação fértil, o gosto por novos desafios, bem como uma simpatia por conceitos abstratos. Pessoas com altos níveis deste traço gostam de coisas novas, enquanto pessoas com níveis baixos preferem manter-se nas tradições, tendo dificuldades de adaptação a mudanças e novidades.

Conscienciosidade

Este traço se refere à capacidade de emitir comportamentos orientados a um objetivo, bem como um bom controle dos impulsos. É um traço relacionado à capacidade de organização, disciplina, entre outros.

Pessoas com altos níveis de conscienciosidade tendem a ser organizadas, conseguem planejar e se preparar para as situações, terminam tarefas importantes o quanto antes, gostam de manter uma agenda específica.

Por outro lado, pessoas com níveis baixos deste traço lidam com problemas como falta de disciplina, costumam esquecer ou perder coisas importantes, são desorganizadas e têm uma forte tendência à procrastinação.

Extroversão

Este traço talvez seja um dos mais conhecidos popularmente. Trata-se da sociabilidade, facilidade em manter conversas, assertividade em situações sociais, bem como um alto nível de expressão emocional.

Pessoas com altos níveis de extroversão se sentem energizadas ao passar tempo com outras pessoas, enquanto pessoas com níveis baixos são chamadas de introvertidas, costumam preferir a solidão e geralmente precisam de um tempo em isolamento para “repor as energias” depois de situações sociais.

Amabilidade

A amabilidade é caracterizada por altruísmo, gentileza, afetos positivos e comportamentos pró-sociais. Pessoas com altos níveis de amabilidade costumam ser mais cooperativas, empáticas, demonstram preocupação com os outros e tendem a ajudar pessoas em necessidade.

Por outro lado, pessoas com níveis baixos de amabilidade tendem a não ligar para os outros, demonstrando desinteresse e até mesmo exibindo comportamentos de manipulação.

Neuroticismo

O neuroticismo é, talvez, o traço de personalidade menos desejado. Isso porque ele está relacionado à instabilidade emocional, tristeza e mau humor. Pessoas com altos níveis de neuroticismo costumam apresentar sintomas ansiosos, preocupação exagerada, estresse em demasia, dificuldade em se recuperar de eventos estressantes, entre outros.

Por outro lado, pessoas com baixos níveis deste traço tendem a lidar com o estresse de forma saudável, não se preocupam demasiadamente com as coisas, sentem-se relaxadas e são emocionalmente estáveis.

Estes não são os únicos traços estudados, mas são os mais difundidos nas pesquisas. Vale lembrar que a intensidade de tais traços pode variar ao longo da vida, dependendo das circunstâncias na qual o indivíduo se encontra.

Diferentes fases da vida produzem diferentes escores nesses fatores, bem como os papéis sociais desempenhados podem tornar certos traços mais ou menos relevantes. Até mesmo o ambiente de trabalho pode influenciar nestes traços. Em resumo, um indivíduo pode mostrar escores diferentes dos traços em determinadas áreas da vida, o que só reforça a complexidade do fenômeno da personalidade.

Existem testes de personalidade confiáveis?

Existem vários testes psicométricos que podem mensurar a personalidade de uma pessoa, no entanto, no Brasil eles só podem ser aplicados por psicólogos. Ou seja, não é possível encontrar tais testes na internet. A vantagem, no entanto, é que tais instrumentos avaliativos são cientificamente testados com frequência, a fim de verificar sua validade.

Alcançar mudanças na personalidade é possível

Grande parte das pessoas possui uma ou outra coisa que gostaria de mudar em sua personalidade. Felizmente, como dito anteriormente, a personalidade é mutável e tais mudanças podem ser alcançadas — ninguém está condenado a ter níveis altos de traços indesejados pelo resto da vida.

No entanto, essa mudança pode não ser tão fácil de alcançar sozinho. O auxílio de um psicoterapeuta é muito valioso nesse momento, pois tais profissionais são instruídos a compreender as nuances da mente humana e têm um grande leque de técnicas e maneiras de ajudar o cliente a chegar nas mudanças desejadas.

Cada pessoa é única e isso é graças à personalidade, que não deve ser reduzida a tipos imutáveis. Se você acreditar ter algum traço de personalidade que não lhe agrada, não se esqueça de entrar em contato com um profissional da saúde mental de confiança!

Referências

https://www.businessinsider.com/most-personality-tests-junk-science-make-you-cling-to-label-2020-7

https://www.verywellmind.com/the-big-five-personality-dimensions-2795422

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