A depressão é um transtorno de humor que, em casos mais graves, pode impactar profundamente a funcionalidade do indivíduo. Pessoas que sofrem de depressão frequentemente vão diminuindo gradualmente a quantidade de atividades que realizam no dia a dia, chegando em um momento no qual podem ter dificuldades até mesmo para se levantar da cama. Felizmente, existe uma forma de tratar isso: é a chamada ativação comportamental, uma técnica da análise do comportamento que busca resgatar lentamente a capacidade de fazer as coisas no dia a dia.
O que gera a inércia na depressão?
Para entender como funciona a ativação comportamental, é importante compreender quais são os fatores que geram a inércia na depressão. Para os analistas do comportamento, todos os comportamentos que temos geram consequências. Tais consequências são separadas em duas categorias: os reforços e as punições.
Os reforços são consequências que tendem a aumentar a emissão de um determinado comportamento. É o clássico dar um biscoito para o cachorro para que ele aprenda um truque: ele entende que, se repetir o truque, ganhará um biscoito. Sendo assim, o biscoito é o reforço. Nos seres humanos, a mesma lógica se aplica, como por exemplo uma boa refeição após tirar boas notas na faculdade, um aumento no salário por conta de um bom desempenho, elogios ou até mesmo a pura e simples sensação de prazer por realizar uma atividade.
Já a punição são consequências que tendem a diminuir a emissão de um comportamento. Usando novamente um cachorro como exemplo, se ele emite um comportamento indesejado, como mastigar sapatos, o dono do cachorro pode gritar com o cachorro ou até mesmo tirar os sapatos de perto. Nos humanos, é comum brigas, a retirada de algum estímulo que dá prazer (como no caso de tirar o videogame da criança que brigou na escola), entre outros.
Quando se fala em depressão, os analistas do comportamento falam sobre uma falta de reforços e um comportamento de esquiva. O comportamento de esquiva é aquele que busca evitar um estímulo aversivo, ou seja, busca evitar o contato com situações desagradáveis para a pessoa. É o caso da pessoa que, em depressão, não sai de casa para não ter que lidar com o mundo externo que, por algum motivo, é visto como um estímulo aversivo naquele momento.
Para ilustrar melhor, vamos usar um exemplo de desemprego. Tiago (nome fictício) é um jovem de 24 anos que está em busca de um emprego depois de ter sido demitido há alguns meses. Porém, sempre que envia currículos, não obtém respostas ou, quando é chamado para uma entrevista, logo é descartado pelos recrutadores. Ser rejeitado com tanta frequência se torna um estímulo aversivo, que Tiago deseja evitar. Aos poucos, ele deixa de enviar currículos para evitar situações assim e permanece desempregado, sofrendo consequências emocionais como tristeza, raiva, entre outros. Quando vê, Tiago deixou de sair com os amigos, porque eles sempre perguntavam como estava a busca pelo emprego e isso o fazia se sentir desconfortável, passou a ignorar a família para evitar comentários sobre seu status de desempregado, entre outros.
Distanciando-se de estímulos aversivos, Tiago acaba por se distanciar também de reforçadores importantes para a sua vida, como a presença dos amigos ou os momentos em família, gerando consequências emocionais como o humor deprimido. Eis que Tiago se tornou uma pessoa completamente inerte, com dificuldades até mesmo para sair da cama e cuidar de si mesmo.
Claro que o exemplo de Tiago é bastante simplificado — em geral, a depressão não surge pela falta de reforços apenas em uma área, mas sim por uma combinação de fatores ambientais e até mesmo biológicos.
Alguns exemplos de situações que geram essa inércia
- Reforços antigos não estão mais disponíveis: Quando há uma mudança no ambiente/na vida da pessoa que faz com que ela perca reforços antigos, como é o caso de perder um ente querido;
- Falta de comportamentos que produzem reforços: Quando a pessoa não sabe quais comportamentos emitir para receber reforços, como quando a pessoa é muito tímida e não sabe como agir para fazer amizades;
- Perda da efetividade do reforço: Quando o estímulo usado como reforço já não tem mais efeito, como por exemplo quando uma pessoa têm acesso a uma comida com frequência, aquela comida já não será mais reforçadora.
Como funciona a ativação comportamental?
O objetivo da ativação comportamental é recuperar os reforços dos comportamentos do indivíduo, seja através de modificações no comportamento ou no ambiente. Isso porque, de acordo com a análise do comportamento, as alterações comportamentais trazem também alterações no humor, ajudando o indivíduo a sair do humor deprimido existente nos quadros depressivos.
Contudo, para realizar essa ativação comportamental não basta instruir o indivíduo a “fazer coisas”. É importante entender, na vida de cada um, quais são as atividades que trazem prazer, quais as que são aversivas, e trabalhar para construir um repertório comportamental que aumente as possibilidades de receber reforços e gratificações, bem como eliminar comportamentos de esquiva. Este repertório é completamente personalizado, pois depende inteiramente da história de vida do indivíduo, do ambiente em que vive, das suas relações interpessoais, entre outros. Por isso, não existe uma “receita de bolo” para a ativação comportamental.
O terapeuta deve se informar sobre a história de vida, a queixa e demais informações necessárias a respeito do paciente para que ele possa fazer uma análise dos comportamentos a fim de compreender o que mantém sua depressão e quais os possíveis comportamentos que o indivíduo pode adicionar ao seu repertório a fim de obter reforços e melhorar da depressão.
Em seguida, o terapeuta deve, junto com o paciente, estabelecer algumas atividades a serem realizadas durante a semana. Trata-se de uma espécie de agenda na qual estão listadas as atividades que devem trazer reforços para o indivíduo. Na hora de fazer essa agenda, o paciente também pode ajudar escolhendo atividades compatíveis com os seus próprios valores e desejos, o que traz mais gratificação após a realização da atividade.
As atividades a serem realizadas devem ser bem específicas. Além disso, também é interessante que sejam atividades nas quais é possível medir o progresso do paciente, assim ele pode ver o quão longe ele chegou desde o começo da terapia. É provável, também, que o terapeuta sugira começar devagar, portanto as primeiras atividades programadas tendem a ser mais simples e fáceis de se realizar.
A medida em que a pessoa progride, as atividades propostas aumentam em complexidade, até que ela consiga levar uma vida funcional, retomando atividades como trabalhar, estudar, manter amizades, entre outras. Isso é especialmente importante porque começar com tarefas complexas pode trazer mais frustração caso o indivíduo não consiga realizá-las, prejudicando o trabalho da ativação comportamental.
Ativação comportamental em tempos de limitações
Atualmente, com a pandemia do covid-19, muitas pessoas estão vivendo um momento de medo, ansiedade e até mesmo depressão. Medidas restritivas como quarentenas e isolamento social podem ter um grande impacto na saúde mental de um indivíduo, especialmente em um momento tão delicado no qual as coisas são bastante incertas. As pessoas podem facilmente cair na inércia diante deste cenário.
Neste exato momento, a maior parte das pessoas não tem condições de buscar por ajuda especializada para combater esses sentimentos. Portanto, aprender um pouco sobre como funciona a ativação comportamental pode ajudar um pouco a lidar com o emocional. Sem um profissional especializado, pode ser difícil fazer uma lista de atividades prazerosas que podem funcionar de reforço, ainda mais quando as alternativas são tão limitadas. Contudo, é de extrema importância que as pessoas continuem tendo uma rotina de forma a evitar um quadro depressivo.
Assim sendo, tente fazer uma lista de atividades prazerosas que podem ser feitas dentro dos limites nos quais você se encontra no momento. Estas atividades podem ser das mais diversas — não se sinta pressionado a aprender uma nova habilidade só porque as pessoas nas mídias sociais estão falando que vale a pena; cada indivíduo é único e as coisas que dão prazer variam de pessoa para pessoa.
Busque também fazer uma lista com atividades bem variadas. Como dito anteriormente, reforços podem perder sua efetividade se eles estão constantemente presentes. Desta forma, passar vários dias assistindo filmes pode deixar de ser prazeroso depois de algum tempo, e você precisará de uma nova ideia do que fazer com esse tempo “livre”.
A ativação comportamental é uma técnica que pode servir como terapia breve ou pode complementar uma terapia mais longa. De qualquer forma, trata-se de uma maneira muito eficaz de lidar com a depressão.
Se você sente que está passando por dificuldades, não se esqueça de entrar em contato com algum profissional da saúde mental!
Referências
Abreu, P. R. & Abreu, J. H. S. S. (2017). Ativação comportamental: Apresentando um protocolo integrador no tratamento da depressão. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(3): 238-259.
https://www.verywellmind.com/increasing-the-effectiveness-of-behavioral-activation-2797597