Cientistas descobrem como o cérebro luta contra memórias traumáticas

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Todos nós passamos por traumas, ainda que grande parte do nós consiga levar uma vida tranquilamente mesmo com todas essas memórias ruins. Outras pessoas, no entanto, acabam desenvolvendo transtornos nos quais o trauma se torna uma condição incapacitante, uma vez que a pessoa vive ansiosa e com medo de que aquilo volte a acontecer. É o caso do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), das fobias e transtornos ansiosos.

Muito já se sabe sobre maneiras de lidar com esses transtornos. Existem medicamentos eficazes e terapias que podem ajudar bastante o paciente a recuperar sua qualidade de vida após um trauma. No entanto, mesmo com tudo isso, é comum que haja recaídas e o trauma volte a assombrar a vida do indivíduo. Alguns cientistas da Universidade do Texas, em Austin, parecem ter encontrado o motivo.

Ao fazer estudos em ratos, os cientistas perceberam que existe uma série de neurônios responsáveis por reprimir as memórias traumáticas, fazendo com que o indivíduo não mais tenha medo. No entanto, estes neurônios nem sempre estão ativos e, por isso, o medo pode voltar quando se menos espera.

Vamos entender melhor sobre esse processo:

Extinção

Para entender de onde surgem essa característica repressiva em alguns neurônios, é preciso entender o processo de extinção. No início do século XX, um fisiologista russo chamado Pavlov descobriu o fenômeno do reflexo condicionado, que consiste em uma resposta a um estímulo que, originalmente, não deveria provocar tal resposta.

Para exemplificar, imagine que você toma café numa cafeteria todos os dias, e nessa cafeteria sempre está tocando a banda The Beatles. Após algum tempo tomando café neste lugar, sempre que você ouvir The Beatles, começará a salivar. Isso acontece porque seu cérebro associa a música dos Beatles com o café, iniciando a produção de saliva.

Isso é o reflexo condicionado. Em situações traumáticas, ele está muito presente. Como nessas situações o impacto emocional é muito forte, não é necessário repetir a situação diversas vezes até que haja o condicionamento. Se você é assaltado por uma pessoa em uma moto, por exemplo, é provável que fique nervoso sempre que ver uma moto vindo em sua direção, mesmo que isso só tenha acontecido uma vez na sua vida.

Agora vem a parte importante: esse condicionamento não é para sempre. Caso você seja exposto ao mesmo estímulo diversas vezes sem que haja a consequência que produz a resposta condicionada, aos poucos o cérebro vai esquecendo essa associação.

No caso do café, por exemplo, se você parar de ir no café e ouvir Beatles com frequência em outros contextos, sem a presença de um café, é provável que, em pouco tempo, você não salive mais ao ouvir Beatles.

Já no caso do assalto, se você é exposto a motocicletas com frequência sem que seja assaltado, é provável que, aos poucos, você pare de temer tanto quando vê uma pessoa de moto vindo em sua direção.

Esse processo é chamado de extinção, e é justamente ele que ajuda na terapia em muitos casos de traumas.

Exposição gradual

Quando a pessoa possui algum trauma, geralmente existe uma resposta condicionada. Sendo assim, uma maneira de melhorar os sintomas de transtornos relacionados a esses traumas é a exposição gradual, que consiste em expor o indivíduo ao estímulo aversivo (que provoca o desconforto) aos poucos, em contextos seguros, de modo que ele pode ir se habituando através da extinção.

Para exemplificar, vamos pensar em uma pessoa que tem medo de elevadores. Ela sempre precisa usar as escadas, o que atrapalha muito sua vida, especialmente em prédios muito altos. Sendo assim, algo precisa ser feito.

De início, o terapeuta pode fazer sessões dentro do consultório fazendo um roleplay, ou seja, ele irá ajudar o paciente a “fazer de conta” que está em um elevador. O paciente descreve seus sentimentos e, na ausência de consequências negativas, aos poucos vai se habituando à ideia do elevador. Sendo assim, a resposta aversiva em relação a ideia de elevador é extinta.

Depois, o terapeuta leva o paciente para um prédio onde há um elevador. Como é algo gradual, de início, o paciente não irá entrar no elevador. Ele irá, no máximo, olhar para o elevador e tentar manter-se calmo (geralmente em mindfulness) junto do terapeuta.

Para uma pessoa com um trauma em relação a elevadores, apenas estar perto de um pode ser um gatilho para reações fisiológicas desagradáveis, podendo chegar até mesmo a um ataque de pânico.

A medida em que o paciente é exposto ao elevador, mesmo sem entrar, e as consequências não são negativas, ele vai perdendo essa resposta aversiva. Em seguida, é hora de entrar no elevador. Nessa etapa, basta apenas entrar no elevador, não necessariamente utilizá-lo para se locomover. Isso porque, como dito anteriormente, trata-se de uma exposição gradual, que deve ser feita aos poucos.

Caso essa exposição não seja feita de maneira gradual, a resposta de medo pode ser tão grande que tende a piorar o trauma.

O que foi descoberto

O que os pesquisadores descobriram, ao analisar ratos que passaram por situações traumáticas que promovem medo, é que esse mecanismo de extinção resulta em neurônios existentes no hipocampo que agem de maneira a reprimir o medo. A medida em que a pessoa vai encarando seu trauma, esses neurônios se tornam mais ativos, diminuindo cada vez mais o medo.

Isso não quer dizer, no entanto, que a pessoa estará livre do trauma. Pelo contrário, o que os pesquisadores descobriram é que a memória do trauma ainda está lá, ela só é reprimida por esses neurônios. Tanto as memórias responsáveis pelo trauma quanto as responsáveis pela sua extinção estão presentes no cérebro. Quando estes neurônios de extinção estão inativos, o medo provocado pelo trauma retorna.

Isso explica porquê, em alguns casos, a terapia que envolve a exposição gradual ao estímulo traumático deixa de ser tão eficaz. Acontece que, nesses momentos, por algum motivo, os neurônios de extinção não estão agindo, fazendo com que o medo venha à tona.

As consequências deste estudo

Tendo em mente que as memórias traumáticas não deixam de existir mesmo quando há uma melhora visível no paciente, essa nova visão a respeito dos traumas pode auxiliar no tratamento dos transtornos relacionados.

As terapias podem ser otimizadas, sendo possível mudanças no timing e na frequência da exposição ao estímulo aversivo, a fim de aproveitar o máximo esses neurônios repressores e evitar problemas quando estes não estão ativos.

Novos medicamentos podem ser explorados a fim de descobrir uma maneira de afetar esses neurônios mais diretamente, evitando assim que eles fiquem inativos e o trauma volte a assombrar o paciente.

Para transtornos incapacitantes como transtornos de ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, essas informações são extremamente valiosas, uma vez que podem ajudar a comunidade científica a desenvolver novas maneiras de tratar os problemas e trazer ao paciente sua qualidade de vida novamente.

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Se você passou por alguma situação traumática e sente que isso está atrapalhando a sua vida, não se esqueça de entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra de confiança!

Fonte

https://neurosciencenews.com/ptsd-hippocampus-fear-10966/

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