O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição neuropsiquiátrica que aparece logo na infância e suas principais manifestações são desatenção, impulsividade e hiperatividade.
Estudos de imagem mostram que o TDAH tem influência nos circuitos cerebrais responsáveis pela função executiva, sistema de recompensa, processamento de informações temporais, entre outros. Esta influência é o que causa os sintomas de desatenção, dificuldade de gestão de tempo, impulsividade, hiperatividade, distraibilidade, entre outros.
O TDAH é um transtorno para a vida inteira, o que significa que estes sintomas irão acompanhar as pessoas ao longo de suas vidas. Cerca de ⅓ (um terço) das pessoas diagnosticadas na infância apresenta uma redução da intensidade dos sintomas na vida adulta — ou seja, os sintomas deixam de ser tão prejudiciais e limitantes, mas não significa que deixam de existir.
Frequentemente, o TDAH ocorre junto com outros transtornos, como transtornos de humor (transtorno depressivo, transtorno afetivo bipolar), transtornos de ansiedade, transtornos de conduta, de aprendizagem e até mesmo transtornos de abuso de substância.
Entre as consequências negativas que o TDAH não tratado pode causar estão o fracasso escolar, dificuldades em relações interpessoais, dificuldade em estabelecer uma carreira e/ou manter um emprego, maior propensão a acidentes, divórcios, ideação suicida e morte prematura.
TDAH e genética
Atualmente, há um consenso na comunidade científica de que o TDAH possui um forte componente genético, ou seja, o transtorno tende a surgir devido a alterações nos genes, que podem ser herdadas dos pais ou que podem surgir espontaneamente.
Para entender melhor, primeiro é preciso compreender o que é genótipo e o que é fenótipo. O genótipo é o conjunto de genes que formam um organismo, ou seja, é a constituição genética do indivíduo. O fenótipo, por sua vez, é a expressão deste genótipo em conjunto com as influências do ambiente.
Quando se fala de TDAH, o que se sabe é que ele não é causado por um gene específico, mas sim por um conjunto de genes com pequenas alterações que, juntas, causam os sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade. Portanto, o TDAH é o fenótipo de um genótipo com diversas mutações em vários genes.
Tendo em vista que o TDAH surge de uma combinação de vários genes, cada um contribuindo um pouco para as manifestações do transtorno, é possível compreender o porquê pessoas diferentes podem apresentar funcionamentos tão diferentes entre si, mesmo tendo o mesmo diagnóstico.
Quais mutações estão relacionadas ao TDAH?
Por ser um transtorno de uma complexidade genética muito grande, não se sabe com certeza quais são os genes que apresentam as mutações que produzem o fenótipo do déficit de atenção e hiperatividade.
No entanto, estudos indicam que genes relacionados aos receptores de certos neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, podem ser os principais afetados por mutações que geram os sintomas do TDAH.
TDAH e o ambiente
Existem diversos transtornos que surgem em família não apenas por questões de genótipo, mas por conta de um ambiente que propicia o desenvolvimento destes transtornos. No entanto, no TDAH, este não parece ser o caso.
Estudos com crianças adotadas mostram que o genótipo é mais importante do que o ambiente no aparecimento do TDAH. Crianças que são filhos biológicos de pais com TDAH têm uma tendência muito maior de apresentar o transtorno, enquanto crianças adotadas por pais com TDAH têm as mesmas chances de desenvolver o problema que crianças nascidas de pais sem TDAH.
Em suma, o ambiente não parece ser uma variável muito influente, embora sua influência não possa ser descartada completamente.
É pertinente lembrar que a definição de fenótipo é a expressão do genótipo em conjunto com o ambiente, ou seja, a expressão do TDAH pode ter influência do ambiente, mas ela não surge em pessoas que não possuem em seu genótipo as mutações necessárias para produzir este fenótipo.
TDAH como um espectro?
Alguns transtornos são vistos como um espectro, como é o caso do transtorno do espectro autista (TEA). Antigamente, este transtorno era dividido em uma série de subtipos que compartilhavam características entre si, todos sob o termo “autismo”.
Contudo, ao longo do tempo, percebeu-se que estas descrições eram um tanto quanto limitadoras, tendo em vista que o transtorno pode se manifestar de inúmeras maneiras e nenhuma pessoa com TEA é igual a outra.
O mesmo ocorre com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Sendo um transtorno multigênico, ou seja, não podendo ser atribuído a um gene específico, pode-se pensar que, na realidade, o transtorno é a manifestação fenotípica de uma série de genes que sofreram mutações que produzem os sintomas do transtorno.
Em suma, uma pessoa com TDAH possui genes que produzem os sintomas da desatenção, da impulsividade e da hiperatividade. Algumas pessoas, no entanto, podem apresentar mais hiperatividade e impulsividade, enquanto outras podem apresentar mais desatenção.
Existem pessoas que apresentam desatenção, mas não chegam a ter nenhum tipo de hiperatividade e impulsividade. Estas pessoas, no entanto, não seriam diagnosticadas, mas poderiam entrar no espectro como uma manifestação subclínica, ou seja, seriam pessoas que possuem as mutações genéticas relacionadas ao TDAH, mas não chegam a apresentar um quadro de sintomas completo para o diagnóstico.
Na perspectiva de um espectro, de um lado haveriam pessoas com sintomas mínimos, que não seriam diagnosticadas e provavelmente não precisariam de qualquer tipo de tratamento, e do outro extremo haveriam pessoas cujas vidas são imensamente afetadas pelos sintomas do TDAH.
Entre os dois extremos, haveria um espaço para comportar todas as possibilidades de manifestação do transtorno, levando em conta que, assim como no TEA, cada indivíduo com TDAH é único e apresenta suas próprias características.
Embora pensar no TDAH como um espectro seja uma possibilidade, ainda não há um consenso sobre isso. Também não existe previsão para mudanças em manuais diagnósticos e estatísticos que tendem a esta possibilidade.
Comorbidades genéticas
Não raramente, pessoas que sofrem de TDAH também tem algumas comorbidades, ou seja, outros transtornos e problemas de saúde que surgem associados ao TDAH. É o caso de transtornos de humor, transtornos ansiosos, transtorno de abuso de substâncias, entre outros.
Há estudos que mostram que, possivelmente, tanto o TDAH quanto as comorbidades surgem das mesmas alterações genéticas. As alterações que causam impulsividade, por exemplo, pode também ajudar uma pessoa a desenvolver dificuldades com autorregulação em diversos aspectos, tornando a pessoa mais suscetível a desenvolver comorbidades como abuso de drogas, obesidade, entre outros.
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade sempre foi visto como um problema infantil e de fácil diagnóstico, mas evidências mais recentes sugerem que este não é bem o caso.
Trata-se de um transtorno com uma complexidade genética enorme, que pode trazer consigo uma série de comorbidades que também precisam ser tratadas, e é importante conversar e relatar quaisquer sintomas diferenciados ao seu médico.
Se você suspeita de ter TDAH ou qualquer outro transtorno, ou simplesmente sente que precisa de algum tipo de ajuda psicológica, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!
Referências
Acosta, M. T., Arcos-Burgos, M., & Muenke, M. (2004). Attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD): Complex phenotype, simple genotype? Genetics in Medicine, 6(1), 1–15. doi:10.1097/01.gim.0000110413.07490.0b
Faraone, S.V., Larsson, H. (2019). Genetics of attention deficit hyperactivity disorder. Mol Psychiatry 24, 562–575. https://doi.org/10.1038/s41380-018-0070-0