Conflitos parentais podem gerar danos duradouros nas crianças

Quando os pais vivem discutindo e agem de forma agressiva, a criança pode ter dificuldade em compreender as nuances emocionais das situações, mesmo na vida adulta. Entenda!
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Os avanços nos estudos da psicologia revelaram que as pessoas costumam ser bastante moldadas pelo ambiente em que vivem sua infância e, por isso, promover um ambiente seguro é importante nessa fase.

Sabe-se, hoje em dia, que conviver com pais abusivos (tanto fisicamente quanto psicologicamente) pode causar impactos sérios na saúde mental da criança, gerando problemas como traumas, baixa autoestima, dificuldades de confiança e de regulação emocional, entre outros.

No entanto, pesquisas mais recentes mostram que mesmo que a criança não sofra abusos diretamente, ela ainda pode sofrer o impacto de um ambiente em que há hostilidade. É nesse contexto que entra a questão dos conflitos parentais.

O que são conflitos parentais?

Os conflitos parentais podem ser descritos como desentendimentos, brigas ou tensões constantes entre os pais ou cuidadores de uma criança. Eles podem ocorrer tanto de forma verbal, por meio de discussões, gritos e insultos, quanto de forma física. Há casos, também, em que os conflitos se manifestam como um clima de hostilidade e indiferença.

É importante ressaltar que vivenciar conflitos na vida íntima é completamente normal e não necessariamente indica que o relacionamento está prejudicado. No entanto, o que vai determinar se estes conflitos são prejudiciais é justamente a maneira com que as pessoas envolvidas lidam.

Conflitos que são resolvidos na base de um diálogo aberto tendem a não causar impactos tão prejudiciais. Porém, quando as pessoas envolvidas acabam se comportando de forma mais agressiva, o problema tende a não se resolver e os impactos emocionais são grandes para todos ao redor, mesmo aqueles que não estão diretamente envolvidos no conflito, como é o caso de um filho.

Alguns sinais de que os conflitos não estão sendo bem resolvidos são:

  • Discussões frequentes sobre os mesmos assuntos;
  • Postura excessivamente defensiva durante conversas importantes;
  • Agressividade verbal, como o aumento do tom de voz, gritos e xingamentos;
  • Agressividade física.

Impacto dos conflitos parentais na criança

Um estudo publicado em 2018 no periódico científico Journal of Social and Personal Relationships buscou entender se a exposição da criança aos conflitos parentais, mesmo que ela não sofresse abuso, teriam algum impacto na sua saúde mental e emocional.

Neste estudo, foram coletados dados de 99 crianças entre 9 e 11 anos de idade, que foram divididas entre dois grupos de acordo com testagens psicológicas que mediam a quantidade de conflitos parentais vivenciados e o quanto elas sentiam que os conflitos eram uma ameaça para o casamento dos pais.

Depois, essas crianças foram expostas a uma série de fotografias de casais em interações felizes, raivosas ou neutras, e foram pedidas para responder em que categoria as fotografias se encaixavam.

Crianças que vieram de lares com pouco conflito conseguiram dizer com maior precisão a categoria das fotos. Já as crianças que vieram de lares com muito conflito conseguiram categorizar de forma precisa as fotografias que mostravam interações raivosas ou felizes, mas tiveram dificuldades com as fotografias com interações neutras, frequentemente as categorizando como raivosas ou felizes ao invés de neutras.

Isso sugere que as crianças de lares com mais conflitos tendem a hipervigilância, como se estivessem suspeitando da possibilidade de um conflito mesmo que não houvesse qualquer evidência desse conflito.

Nessa pesquisa, também notou-se que a questão é ainda mais complicada para crianças com maiores níveis de timidez. Em outras palavras, crianças mais tímidas tendem a ter ainda mais dificuldade nesse reconhecimento das emoções, tendendo à hipervigilância.

A timidez das crianças foi identificada por meio de um questionário aplicado às mães. Essas crianças tiveram mais dificuldade para reconhecer interações neutras mesmo que não viessem de lares com tanto conflito.

Outra hipótese é que, além da hipervigilância, as crianças que vêm de lares com muito conflitos podem não dar muita importância para interações neutras, tornando-as mais difíceis de identificar.

Isso porque, nestes lares, emoções intensas são frequentes e não é raro que a criança entenda essas emoções como dicas de comportamento, ou seja, quando os pais estão bravos, vale a pena ir para o quarto, ou quando eles estão felizes, é um bom momento para uma aproximação.

Como momentos neutros não dão nenhuma informação desse tipo, essas crianças podem acabar tentando inferir emoções em uma situação neutra para ter alguma noção de como agir naquele momento.

Um outro estudo, publicado no periódico científico Illness, Crisis & Loss em 2017 avaliou os impactos de conflitos parentais destrutivos (ou seja, conflitos mais intensos, sem movimentos de reparação) no desenvolvimento das crianças. Este estudo foi feito com pessoas já adultas, relatando sobre sua infância e os efeitos dessas experiências em sua saúde mental.

O que os pesquisadores descobriram é que existem 4 temas principais que ocorrem no desenvolvimento dessas pessoas: sentimentos de perda, impactos na estrutura familiar, traumas associados aos conflitos e impactos no desenvolvimento pessoal e profissional.

Segundo o estudo, a curto prazo, os conflitos parentais destrutivos causam impactos na autoestima e geram uma sensação de falta de segurança em casa. Já a longo prazo, os impactos estão mais relacionados a tendências de entrar na defensiva, mesmo sem necessidade, bem como dificuldades na manutenção de relacionamentos interpessoais e dificuldades na relação pai-filho (quando essas pessoas acabam por ter filhos).

Como isso pode impactar o desenvolvimento e o futuro da criança?

Um ambiente de bastante estresse e com alta hipervigilância podem afetar significativamente o desenvolvimento de uma criança. Muitas pessoas acabam desenvolvendo quadros de ansiedade, depressão e dificuldades de regulação emocional ao crescerem em ambientes com muitos conflitos.

Contudo, mesmo que a pessoa não desenvolva um quadro clínico de fato, ela ainda pode apresentar níveis maiores de ansiedade quando comparada com pessoas que cresceram em ambientes mais pacíficos.

Vale ressaltar que essas dificuldades também podem causar prejuízos nas relações interpessoais. Isso porque, em casa, a criança aprende a responder bem a momentos de grande intensidade emocional, mas acaba desenvolvendo uma lacuna na percepção de situações neutras, o que pode causar problemas nas relações com outras pessoas como amigos, professores, entre outros. Na idade adulta, essa pessoa também pode apresentar dificuldades nos relacionamentos românticos.

Ao estar sempre buscando sinais de interações conflituosas quando o que está ocorrendo é uma interação neutra, a pessoa acaba, de forma não intencional, gerando conflitos em suas relações.

É fato que não podemos eliminar os conflitos completamente, pois eles fazem parte das relações. Mesmo as relações mais saudáveis ainda possuem momentos de conflito que precisam ser solucionados. No entanto, é importante conseguir resolver esses conflitos da melhor forma possível e tentar demonstrar à criança que está tudo bem, mesmo que às vezes as pessoas tenham dificuldades em suas relações.

O papel do divórcio no desenvolvimento da criança

Apesar de divórcios terem um certo impacto no desenvolvimento de um apego saudável em crianças, há pesquisas que mostram que a maior parte das crianças filhas de pais separados não sofrem consequências a longo prazo por conta da separação, mas sim pelos conflitos parentais que ocorreram antes, durante e após o divórcio.

Em outras palavras, crianças filhas de casais separados que tiveram um divórcio pacífico tendem a não desenvolver problemas relacionados à separação, enquanto filhos de pais separados com muitos conflitos desenvolvem uma série de sequelas emocionais.

Os conflitos parentais são uma realidade mesmo nos lares mais pacíficos e saudáveis. O problema é quando esses conflitos são muito intensos, frequentes e/ou ameaçam a segurança da relação, o que pode causar impactos duradouros numa criança.

Se você percebe que os conflitos com seu parceiro estão trazendo problemas para a família como um todo, não hesite em procurar ajuda de um profissional da saúde mental!

Referências

Schermerhorn, A. C. (2018). Associations of child emotion recognition with interparental conflict and shy child temperament traits. Journal of Social and Personal Relationships, 026540751876260. doi:10.1177/0265407518762606

Fozard, E., & Gubi, P. (2017). An Examination of the Developmental Impact of Continuing Destructive Parental Conflict on Young Adult Children. Illness, Crisis & Loss, 105413731770958. doi:10.1177/1054137317709581

https://www.eif.org.uk/files/pdf/measuring-parental-conflict-report.pdf
https://www.eurekalert.org/news-releases/789609

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