Cortisol: será mesmo o vilão da saúde mental?

Nos últimos anos, o cortisol tem sido visto como um verdadeiro vilão da saúde mental. Isso porque se trata de um hormônio muito relacionado à resposta de estresse no organismo, rendendo até mesmo o apelido de hormônio do estresse, sendo um grande contribuidor para o surgimento de quadros de saúde mental prejudicada.

Por conta disso, a mídia tende a focar em estratégias de redução do cortisol, como se isso fosse resolver os problemas. Contudo, este hormônio possui diversas outras funções e é de grande importância para uma vida saudável.

Neste texto, você irá entender melhor como o cortisol funciona, suas dimensões, como ele afeta a saúde mental e como você pode ajudar a manter os níveis de cortisol adequados em seu organismo.

Funções do cortisol no organismo

O cortisol é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais, que se situam logo acima dos rins. Trata-se de um hormônio esteroide que tem um grande papel no metabolismo. Dentre as funções do cortisol estão:

• Manutenção dos níveis de glicose no sangue, podendo agir como substituto da insulina quando necessário;
• Ação anti-inflamatória, ajudando no controle da dor e na recuperação de lesões (medicamentos corticosteróides são anti-inflamatórios sintéticos derivados do cortisol ou que imitam sua atuação no organismo);
• Formação de memórias, em especial memórias emocionais;
• Influência no humor, podendo ter efeitos antidepressivos em pessoas com esse hormônio em equilíbrio;
• Resposta ao estresse físico e psicológico, causando alterações sistêmicas que ajudam o organismo a lidar com a situação estressante, como a resposta de luta ou fuga.

Dimensões de atuação do cortisol

Em geral, a mídia vende a ideia de que “cortisol demais” seria um problema. Já vimos que, na realidade, o cortisol tem funções bastante importantes para além de sinalizar estresse, então não faz sentido encarar a quantidade de cortisol somente como algo que inevitavelmente causa problemas.

A questão é que este hormônio tem três dimensões de atuação: sincronia, duração e magnitude.

Sincronização

A sincronização do cortisol se refere ao padrão circadiano deste hormônio. Padrão circadiano significa o padrão em que o hormônio é liberado na corrente sanguínea ao longo de 24 horas. A sincronização correta do cortisol é extremamente importante para que seja possível colher os benefícios desse hormônio.

Em pessoas saudáveis, os níveis de cortisol aumentam ao acordar, com o intuito de deixar a pessoa mais alerta. Essa elevação se mantém estável durante algumas horas para promover energia nos primeiros momentos do dia. Depois, os níveis de cortisol decaem ao longo do dia.

Esse ciclo, no entanto, pode ser influenciado pela qualidade do sono. Portanto, pessoas que sofrem de insônia ou de algum transtorno que prejudica a qualidade do sono podem acabar tendo alterações nesse ciclo saudável do cortisol.

Duração da atividade

A duração se refere ao tempo em que o hormônio está em atividade. Em geral, o cortisol tende a ser mais abundante de manhã, tendo seu pico de atividade nas primeiras horas do dia, para então começar a diminuir gradativamente ao longo do dia. Sendo assim, durante o restante do dia, nas partes da tarde e da noite, estima-se que as elevações de cortisol devem ser breves e não devem ocorrer com frequência.

Em outras palavras, é de se esperar que, ao longo do dia, o cortisol suba um pouco a partir da realização de exercícios, ao lidar com algumas situações relativamente estressantes, entre outros. Contudo, não é algo que deve ocorrer com muita frequência.

Magnitude

Agora sim podemos falar da quantidade de cortisol no sangue, que é o fator mais levado em consideração pela mídia quando tenta vilanizar o hormônio. É verdade que o cortisol precisa estar em um nível equilibrado para que tudo funcione adequadamente, portanto, é uma questão de que não se pode ter cortisol demais, mas também não se pode ter níveis insuficientes de cortisol.

Como o cortisol atua na saúde mental?

Quando se trata de saúde mental, o cortisol tende a ser visto como um dos principais vilões modernos, considerando que altos níveis de estresse estão relacionados a maiores chances de desenvolver uma série de transtornos mentais. Além disso, os próprios transtornos mentais também são uma grande fonte de estresse, contribuindo para que os níveis de cortisol estejam elevados.

No entanto, a relação entre o cortisol em si e a saúde mental não é tão intuitiva assim. Em pessoas com depressão, os níveis de cortisol tendem a ser mais altos, sim, mas também há grandes alterações na sincronização e duração de atividade do hormônio, não sendo possível culpar somente o nível do hormônio na corrente sanguínea.

Há também pesquisas que mostram que, em especial, pessoas que sofrem do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) tem diversas alterações no cortisol como um todo, tendo um nível menor de cortisol na corrente sanguínea e distorções significativas em sua duração e sincronização. Para estas pessoas, “diminuir o cortisol” pode até mesmo piorar seus sintomas.

Na tabela abaixo, você encontra os efeitos do cortisol quando seu ciclo como um todo está em equilíbrio ou desequilíbrio:

Os níveis de cortisol podem ser usados para diagnosticar transtornos mentais?

Infelizmente, nenhum exame laboratorial pode diagnosticar transtornos mentais, e isso inclui exames de nível de cortisol no sangue.

Embora uma série de condições psiquiátricas estejam relacionadas a níveis altos de estresse, como a síndrome do burnout, depressão, ansiedade, entre outros, avaliar somente os níveis de cortisol não é o suficiente para fechar um diagnóstico.

Isso porque são diversos os fatores que podem influenciar nos níveis de cortisol, e esses exames também não levam em consideração as outras dimensões do hormônio como sincronização e duração da atividade.

Além disso, mesmo em pessoas que sofrem de tais transtornos, não necessariamente o nível de cortisol estará acima do esperado.

Efeitos do estresse crônico na saúde mental

Embora este seja um texto sobre cortisol e não sobre estresse, a relação entre os dois denota a necessidade de esclarecer quais os possíveis efeitos do estresse crônico na saúde mental. Dentre eles estão:

• Sintomas ansiosos;
• Sintomas depressivos;
• Problemas digestivos;
• Dores de cabeça;
• Problemas cardíacos;
• Dificuldades para dormir;
• Ganho de peso;
• Problemas na memória e na concentração.

Vale ressaltar que vários desses sintomas também contribuem para aumentar o estresse, formando assim uma relação de retroalimentação.

Como regular o cortisol de forma adequada

Agora que você entende que não basta tentar diminuir o nível de cortisol, aqui vão algumas dicas do que fazer para manter este hormônio equilibrado e colher seus benefícios:

Manter uma rotina de sono saudável

Manter horários regulares de sono ajuda imensamente na questão da sincronização do cortisol. Como o hormônio segue um padrão circadiano, é como se o hormônio tivesse um horário certo para sua liberação todos os dias.

Se você dorme em horários desencontrados, o ciclo de liberação do hormônio se dessincroniza, liberando o hormônio em horários inadequados, promovendo a acumulação do hormônio em determinados horários e escassez em outros, podendo afetar seu sono e suas horas de vigília. Portanto, manter uma boa rotina de sono é imprescindível para sincronizar o ciclo do cortisol adequadamente.

Estratégias cognitivas

Algumas técnicas cognitivas usadas para manter o cortisol em equilíbrio são técnicas para lidar com o estresse e as emoções. Mindfulness e redução de pensamentos ruminativos sobre eventos negativos podem ajudar bastante nestes casos.

Leia mais: Mindfulness: o exercício da atenção plena e sua eficácia

Estratégias comportamentais

Dentre as estratégias comportamentais para manutenção de níveis adequados de cortisol estão:

• Meditação;
• Regulação do tempo de exercício;
• Regulação da intensidade dos exercícios físicos;
• Diminuição de fontes de estresse crônicas;
• Exercícios de relaxamento;
• Atividades de autocuidado.

Nutrição adequada

A alimentação tem um impacto direto na saúde mental e na forma que lidamos com as coisas no dia-a-dia. Manter uma dieta balanceada pode ajudar muito a manter os níveis de cortisol em equilíbrio. Alimentos ultraprocessados ou que possuem propriedades inflamatórias devem ser evitados.

Se você percebe que sua alimentação não está adequada, não hesite em procurar ajuda de um nutrólogo ou nutricionista. Esse profissional da saúde saberá indicar os alimentos adequados para a sua rotina e as necessidades do seu organismo.

Realização de exercícios regularmente

Os exercícios físicos podem, inicialmente, elevar os níveis de cortisol. No entanto, essa elevação tende a ser benéfica, especialmente se os exercícios são realizados de forma regular. A prática de exercícios físicos ajuda muito a lidar com o estresse e sintomas de transtornos mentais.

Diminuição do uso de substâncias

O uso de substâncias, em especial o álcool, pode aumentar significativamente o nível de cortisol no sangue. Isso porque o álcool possui propriedades inflamatórias, que causam uma maior liberação desse hormônio na corrente sanguínea.

No entanto, diversas substâncias também podem ter esses mesmos efeitos, então é interessante diminuir o uso de qualquer substância para manter o nível de cortisol dentro do equilíbrio.

O estresse é uma resposta natural do organismo a momentos de pressão e, em demasia, pode sim afetar a saúde mental. No entanto, culpar o cortisol, também conhecido como hormônio do estresse, seria injusto.

Se você sente que está precisando de ajuda, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!

Referências

https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-healthy-journey/202302/3-dimensions-of-cortisol-management
https://www.psycom.net/cortisol