A deficiência intelectual pode afetar muito a vida de um indivíduo, mas acaba não sendo a única questão que atrapalha sua qualidade de vida. Não é raro que essas pessoas acabem desenvolvendo também algum transtorno mental, como transtornos de humor ou ansiosos.
Neste texto, falaremos um pouco sobre o conceito de deficiência intelectual e transtorno mental, de que forma se diferem e quais são os desafios enfrentados por pessoas com deficiência intelectual na hora do diagnóstico e tratamento de transtornos mentais.
O que é deficiência intelectual?
O termo deficiência intelectual se refere a quando o desenvolvimento intelectual de uma pessoa se dá de forma mais lenta, causando um quadro no qual a inteligência e as habilidades gerais ficam abaixo da média para a sua idade.
Pessoas que apresentam uma deficiência intelectual geralmente demonstram uma capacidade de raciocínio, compreensão, aprendizagem, resolução de problemas e julgamento prejudicadas, o que pode afetar significativamente seu cotidiano, suas habilidades práticas e sociais.
Os primeiros sinais dessa condição aparecem já na infância e parte dessas pessoas poderão precisar de suporte durante toda a vida, apresentando dificuldades para viver de forma independente.
Em geral, a deficiência intelectual pode ser detectada a partir de testes neuropsicológicos, que avaliam questões como inteligência, função executiva, processamento de estímulos, entre outros.
Causas da deficiência intelectual
Não existem causas específicas para a deficiência intelectual, mas acredita-se que ela ocorre por conta de diferenças no desenvolvimento do cérebro.
Alguns fatores de risco que aumentam as chances de uma pessoa desenvolver a condição são:
- Lesões cerebrais por conta de doenças e infecções (como meningite) antes dos 18 anos;
- Parto prematuro;
- Problemas na hora do parto como falta de oxigênio (hipóxia) ou lesões cerebrais;
- Mutações genéticas;
- Uso de substâncias teratogênicas pela mãe durante a gravidez;
- Condições médicas da mãe durante a gravidez (como toxoplasmose, rubéola e hipotireoidismo, por exemplo);
- Exposição a materiais tóxicos como chumbo e mercúrio;
- Epilepsia (que pode causar lesões cerebrais);
- Tumores no cérebro (mesmo benignos).
Estima-se que 1% da população mundial tenha deficiência intelectual e, dessas pessoas, cerca de 85% apresentam uma deficiência intelectual leve.
Sintomas de deficiência intelectual
A deficiência intelectual pode se manifestar de formas bastante diversas, sendo que algumas pessoas podem apresentar dificuldades em uma área, enquanto outras pessoas apresentam dificuldades em outras áreas.
Os sintomas da deficiência intelectual podem ser classificados em dois tipos: sintomas relacionados à inteligência e sintomas relacionados à adaptação.
Sintomas relacionados à inteligência
O termo “inteligência” se refere à habilidade que o ser humano tem de interagir e entender o mundo ao seu redor, sendo algo que vai além do conhecimento acadêmico, testes de QI ou capacidade de fazer cálculos matemáticos. Dentre os sintomas relacionados à inteligência mais comuns na deficiência intelectual estão:
- Atrasos na aprendizagem, podendo se manifestar tanto na aprendizagem escolar quanto na aprendizagem de experiências normais do dia-a-dia;
- Velocidade de leitura baixa;
- Dificuldades com raciocínio lógico;
- Dificuldades em pensar de forma crítica;
- Dificuldades de planejamento e solução de problemas;
- Dificuldade em prestar atenção/manter o foco.
Sintomas relacionados à adaptação
Os comportamentos adaptativos são habilidades aprendidas usadas para que a pessoa consiga viver independentemente. Grande parte desses sintomas aparecem já na infância. Alguns sintomas relacionados à adaptação comuns na deficiência intelectual são:
- Atraso para aprender o controle dos esfíncteres e aprender a usar o banheiro;
- Atraso para aprender atividades de autocuidado, como colocar roupas, escovar os dentes, tomar banho, entre outras;
- Falta de apreensão diante de novas pessoas (a criança age como se conhecesse, sem apresentar um instinto de autopreservação diante de estranhos);
- Precisar da ajuda de um adulto para atividades do dia-a-dia (tomar banho, usar o banheiro etc.) após a idade em que é esperado que aprenda a fazer isso sozinha;
- Dificuldade para aprender tarefas domésticas ou outras atividades comuns do dia-a-dia;
- Dificuldade em entender conceitos importantes para o dia-a-dia como dinheiro e gerenciamento de tempo;
- Dificuldades para entender limites sociais;
- Compreensão limitada de interações sociais, incluindo no que tange interações com amigos e interações românticas.
O que é um transtorno mental?
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (APA), os transtornos mentais são condições que afetam as emoções, os pensamentos ou o comportamento (ou uma combinação desses três fatores).
Os transtornos mentais podem alterar o humor de uma pessoa, fazendo-a ter episódios de humor como episódios depressivos ou maníacos. Também podem ser caracterizados por uma ansiedade patológica, que aparece com muita frequência e intensidade e afeta a maneira que a pessoa interpreta o mundo (ou seja, afeta seus pensamentos).
Em geral, os transtornos mentais afetam tanto o humor quanto os pensamentos e o comportamento, pois todos estão interligados. Pessoas deprimidas tendem a ter mais pensamentos pessimistas, enquanto pessoas ansiosas tendem a interpretar as coisas como ameaças com mais frequência, e ambos os transtornos refletem também no comportamento da pessoa, que pode deixar de fazer certas coisas por conta dessa maneira de ver e interpretar o mundo.
Por conta disso, pessoas com transtornos mentais podem ter dificuldades em manter uma vida funcional, fazendo atividades produtivas (estudos, trabalho etc.), mantendo relações saudáveis e conseguindo se adaptar diante de adversidades.
Contudo, mesmo em casos que o transtorno possa causar dificuldades cognitivas, como alterações na memória e capacidade de atenção, pessoas com transtornos mentais geralmente têm sua inteligência preservada.

Qual a diferença entre transtornos mentais e deficiência intelectual?
Quando uma pessoa apresenta deficiência intelectual, ela é acometida por uma condição que atrasa o seu desenvolvimento intelectual. A condição é para a vida toda e medicamentos não são muito eficazes no tratamento, sendo mais importante o uso de adaptações, terapias para aprender habilidades importantes para o dia-a-dia, educação especial, entre outros.
Enquanto a deficiência intelectual atinge a capacidade cognitiva da pessoa, os transtornos mentais geralmente trazem prejuízos em outras áreas, como humor, regulação emocional, impulsividade, compulsões, traços de personalidade, entre outros.
Quando se fala de um transtorno mental, estamos lidando com um transtorno que pode ser combatido por meio de medicamentos e psicoterapia, e também pode apresentar melhoras significativas com o tratamento (como entrar em remissão, por exemplo), ainda que não haja cura.
Os transtornos mentais podem ser temporários, estarem ligados a alguma questão que a pessoa está passando, ou podem ser crônicos e durar a vida inteira, mas, com o tratamento, a pessoa consegue levar uma vida funcional sem precisar de maiores adaptações.
Uma pessoa pode ter transtorno mental e deficiência intelectual ao mesmo tempo?
Sim, é possível ter um transtorno mental e uma deficiência intelectual ao mesmo tempo. Na realidade, comorbidades desse tipo são bastante comuns. Não é raro que pessoas com uma deficiência intelectual acabem desenvolvendo transtornos de humor e de ansiedade, por exemplo, como consequência de viver com as limitações da sua condição.
Pesquisas mostram que pessoas com deficiência intelectual têm mais chances de desenvolver um quadro de depressão quando comparado a indivíduos que não apresentam essa deficiência.
Além da depressão e da ansiedade, transtornos por uso de substância (como vícios) também são frequentes nessa população, em especial nos casos mais brandos de deficiência intelectual, nos quais a pessoa consegue ter bastante autonomia.
Os transtornos psicóticos também são frequentes em pessoas com deficiência intelectual, no entanto, é necessário ter cautela durante o diagnóstico para não confundir manifestações da própria deficiência com sintomas psicóticos. Não é raro que pessoas com deficiência intelectual falem consigo mesmas ou tenham amigos imaginários para lidar com o estresse do dia-a-dia, e isso não deve ser confundido com a presença de delírios e alucinações.
Desafios no diagnóstico de transtornos mentais em pessoas com deficiência intelectual
O diagnóstico de transtornos mentais pode ser dificultado quando a pessoa apresenta também uma deficiência intelectual.
Os transtornos mentais geralmente aparecem em um determinado momento da vida, sendo possível que terceiros notem as alterações no humor e no comportamento do indivíduo, ficando evidente que os sintomas são de um transtorno mental propriamente dito e não da deficiência intelectual.
Dependendo da severidade da deficiência, a pessoa pode não conseguir relatar diretamente seus sintomas a um médico psiquiatra. No entanto, familiares e pessoas próximas podem fazer isso por ela. Em alguns casos, no entanto, a pessoa pode nem perceber que está lidando com sintomas psiquiátricos.
Pode ser necessário o auxílio de outras pessoas próximas, como familiares e amigos, para relatar os sintomas, o momento de seu aparecimento, de que forma o comportamento da pessoa mudou em comparação a antes, entre outros.
Em geral, o diagnóstico de transtornos mentais em pessoas com deficiência intelectual é feito baseado em comparações entre seu comportamento anterior e o comportamento atual, pois vários sintomas podem ser confundidos com consequências da própria deficiência.
Profissionais da saúde mental também devem tomar cuidado com a linguagem utilizada ao entrevistar estes pacientes, tendo em vista que a linguagem é uma área frequentemente afetada pela deficiência intelectual.
O tratamento de transtornos mentais em pessoas com deficiência intelectual
Em pessoas com deficiência intelectual, o tratamento também pode ser dificultado, em especial no que tange o autorrelato da resposta terapêutica aos medicamentos. A pessoa pode ter dificuldades em perceber diferenças ou relatar efeitos colaterais.
Além disso, os efeitos da psicoterapia também podem ser limitados caso o psicoterapeuta não tenha capacitação para trabalhar com pacientes com deficiência intelectual.
No entanto, isso não significa que o tratamento não é eficaz. Em conjunto com uma equipe multidisciplinar, amigos e familiares, os profissionais da saúde mental podem ajudar imensamente a pessoa com deficiência intelectual a combater sintomas psiquiátricos que podem estar prejudicando ainda mais sua qualidade de vida.

Se você conhece alguém com deficiência intelectual e suspeita que seu comportamento pode ter sofrido mudanças devido a um transtorno mental, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!
Referências
https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/25015-intellectual-disability-id
https://en.wikipedia.org/wiki/Intellectual_disability
https://www.camh.ca/en/professionals/treating-conditions-and-disorders/intellectual-and-developmental-disabilities/idd—diagnosis/idd—diagnosing-psychiatric-disorders-in-people-with-idd
https://ecommons.cornell.edu/server/api/core/bitstreams/ba2f2c6e-bdd3-4479-b4a1-247eb58cea93/content
https://www.psychiatry.org/patients-families/intellectual-disability/what-is-intellectual-disability
https://www.psychiatry.org/patients-families/what-is-mental-illness