A cocaína é uma das drogas ilícitas mais conhecidas, especialmente pelos seus prejuízos e pelo potencial de dependência. Ela é frequentemente aspirada, na forma de pó, ou fumada, na forma de crack.
A substância é extraída de plantas do gênero Erythroxylon, que inicialmente tinha suas folhas mascadas pelo efeito anestésico. Contudo, a partir do momento em que foi possível extrair a COC, o princípio ativo dessas plantas, ela passou a ser usada como droga de abuso.
Atualmente, a substância passa por uma variedade de processos químicos até ser comercializada ilegalmente na forma de sal (pó) ou base (crack). Durante esses processos, frequentemente há a adição de substâncias que podem potencializar o efeito da droga e torná-la ainda mais prejudicial à saúde.
A dependência de cocaína é um transtorno potencialmente desastroso para o indivíduo, que chega a ter prejuízos em todas as áreas da vida, especialmente quando o tratamento do vício é inacessível. Não raramente, a pessoa que sofre de dependência da cocaína perde seu emprego, tem problemas nas relações interpessoais, problemas financeiros, entre outros.
Como a cocaína funciona e gera o vício?
A cocaína age em áreas do cérebro responsáveis pela sensação de prazer, resultando em alterações de pensamento, comportamento e prioridades. Um dos efeitos da substância é o aumento da disponibilidade de dopamina, um dos principais neurotransmissores relacionados ao prazer, no cérebro.
Contudo, o uso repetitivo acaba por desregular o funcionamento dessas áreas de prazer do cérebro, fazendo com que o indivíduo sinta um prazer imenso ao usar a droga, porém tenha dificuldades em sentir prazer ao realizar outras atividades. Por conta disso, a substância acaba gerando uma compulsão pelo uso da droga, abrindo espaço para o desenvolvimento de tolerância à droga e dependência química.
A euforia provocada pelo uso da cocaína é um reforço para que o comportamento de usar a droga se repita mais vezes, enquanto a abstinência provoca sintomas desagradáveis que podem ser evitados ao usar a droga novamente. Esse mecanismo de reforço e evitação do mal estar ajuda a manter o vício.
Intoxicação e abstinência
Ao falar sobre os sintomas de intoxicação da cocaína, pode-se falar também dos sintomas de abstinência, uma vez que um é o exato oposto do outro. Entenda:
Intoxicação | Abstinência |
Euforia | Depressão |
Redução do sono | Hipersonia (sono excessivo) |
Diminuição do apetite/anorexia | Apetite aumentado |
Agitação psicomotora | Retardo psicomotor |
Energia aumentada | Letargia |
Excitação sexual | Diminuição da libido/disfunção sexual |
Estado de alerta/vigilância | Concentração fraca |
Pensamentos acelerados | Pensamentos lentos |
Sensação de grandiosidade | Baixa autoestima |
Taquicardia/hipertensão | Batimento cardíaco lento (bradicardia) |
Cocaína e álcool: o cocaetileno
Ao misturar o consumo de cocaína com o consumo de álcool, o organismo produz um novo composto chamado “cocaetileno”, que é mais potente e ainda mais prejudicial do que a cocaína ou o álcool isoladamente.
Os efeitos do cocaetileno são parecidos com os efeitos da cocaína, como o aumento da disponibilidade de dopamina no cérebro, aumento do batimento cardíaco, hipertensão, entre outros. Contudo, o problema é que o cocaetileno ainda reage com o álcool e a cocaína, trazendo mais efeitos adversos.
Em relação ao álcool, o cocaetileno aumenta seus efeitos depressivos no sistema nervoso central, ou seja, a pessoa fica intoxicada pelo álcool mais rapidamente, podendo correr risco de vida. Já em relação à cocaína, o cocaetileno inibe sua metabolização, fazendo com que a substância fique mais tempo no organismo, prolongando a ação e aumentando os níveis de cocaína no corpo, facilitando uma overdose.
Fatores de risco
A dependência de cocaína é uma doença e, como toda doença, existem alguns fatores de risco envolvidos. São eles:
- Genética: Estima-se que 70% da vulnerabilidade à dependência de cocaína é genética;
- Acesso à droga: Quanto mais fácil o acesso à droga, maiores as chances de desenvolver uma dependência;
- Fatores socioeconômicos: A dependência pode ocorrer em qualquer classe, mas a falta de acesso à saúde das classes mais baixas pode contribuir para que o problema não seja tratado. Além disso, as classes mais baixas geralmente têm mais contato com a versão base da droga (crack), que tem um potencial de dependência ainda maior do que a versão em sal (pó).
Sintomas da dependência
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição (DSM-5), os sintomas da dependência química são:
- Sentir necessidade de usar a droga com frequência, às vezes até mais que uma vez por dia;
- Ter uma necessidade impulsiva de usar a droga, tendo dificuldade para pensar em qualquer outra coisa;
- Precisar cada vez mais de uma quantidade maior da droga para sentir seus efeitos (tolerância);
- Consumir a droga em maior quantidade e por mais tempo do que pretendia;
- Fazer estoque da droga;
- Gastar dinheiro com a substância, mesmo que não possa gastar;
- Deixar de comparecer ao trabalho, escola, faculdade ou situações sociais nas quais não há a droga;
- Continuar usando a droga, mesmo que ela esteja trazendo prejuízos físicos e sociais;
- Fazer coisas que normalmente não faria apenas para consumir a droga, com roubar;
- Realizar atividades de risco enquanto sofre influência da droga, como dirigir após beber álcool;
- Gastar bastante tempo para conseguir, usar ou se recuperar do uso da droga;
- Falhar nas tentativas de parar de usar a substância;
- Ter sintomas de abstinência ao tentar parar de usar a droga.
Consequências do uso de cocaína
Alterações cerebrais
Como dito anteriormente, o uso da cocaína afeta o mecanismo de prazer do cérebro, trazendo alterações no comportamento e nas prioridades do indivíduo. Essas alterações cerebrais fazem com que certas atividades necessárias para a sobrevivência humana sofram prejuízos significativos. A pessoa pode deixar de sentir prazer em diversas atividades antes prazerosas, como o ato de comer ou ter relações sexuais.
O uso prolongado de cocaína também está associado a desregulações no córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pelo planejamento, tomada de decisões, entre outros. Isso significa que a pessoa pode ter dificuldades em julgar as situações, tomando decisões inadequadas e potencialmente prejudiciais, como comportamentos agressivos ou continuar usando a droga mesmo quando seu uso causa prejuízos sérios.
Problemas cardiovasculares
A cocaína age aumentando os batimentos cardíacos e a pressão arterial, o que pode trazer problemas cardiovasculares graves ao longo do tempo.
Vida profissional
Devido a todas essas alterações de comportamento e prioridade, o indivíduo que usa cocaína com frequência tem seu desempenho no trabalho reduzido e pode acabar perdendo o emprego, ou até mesmo pode pedir demissão por conta própria sem se importar com as consequências por conta do juízo alterado pela droga.
Prejuízos sociais
Por conta das mudanças comportamentais, o indivíduo pode acabar se afastando dos amigos e até mesmo da família. A dependência faz com que a pessoa cancele compromissos com os amigos e familiares para fazer o uso da droga. Além disso, em alguns casos, há um aumento da agressividade, o que também prejudica as relações interpessoais.
Problemas financeiros
Além de ter dificuldades para manter um emprego, a pessoa que está sofrendo com uma dependência química também acaba por gastar mais dinheiro do que pretendia comprando a droga. Por vezes, o indivíduo chega a gastar dinheiro que não tem ou até mesmo roubar objetos para trocá-los pela droga.
Doenças
Como dito anteriormente, a pessoa que faz o uso frequente da cocaína pode ter alterações nas prioridades e, com isso, pode deixar de cuidar da saúde.
Alimentação e higiene são frequentemente deixados de lado, não apenas por não serem prioridades, mas também pela falta de acesso em alguns casos, fazendo com que a pessoa esteja mais suscetível a contração de doenças contagiosas.
Suicídio entre usuários de cocaína
De uma forma geral, muitos estudos mostram que o abuso de substâncias e o risco de suicídio estão correlacionados. No caso da cocaína, existem dois momentos em que esse risco é elevado: durante a abstinência e o uso juntamente com o álcool.
Durante a abstinência, ocorre o chamado “crash”, que é uma espécie de um efeito rebote. Enquanto a pessoa estava sob efeito da droga, ela sentia euforia, mas durante o crash, ela entra em um quadro depressivo que pode levar a pensamentos suicidas.
Já no que tange o uso de cocaína e álcool, pesquisas mostram que o risco de suicídio em pessoas que usam as duas substâncias em conjunto é 2,4 maior do que pessoas que usam apenas uma das substâncias ou outras drogas.
Tratamento da dependência de cocaína
Apesar de não ter cura, a dependência da cocaína pode ser tratada. Isso significa que a pessoa consegue ficar sem usar a droga, mas precisa se manter em abstinência pelo resto da vida, caso contrário os sintomas da dependência voltam.
O tratamento geralmente é feito combinando o uso de medicamentos com psicoterapia, especialmente a psicoterapia cognitivo-comportamental. Não existe um medicamento específico para a dependência da cocaína, mas alguns medicamentos psiquiátricos, como antidepressivos e ansiolíticos, ajudam a controlar o vício.
A terapia cognitivo-comportamental pode ajudar a pessoa a lidar com gatilhos e com a “fissura” (vontade incontrolável de usar a substância) ao invés de recorrer à droga. O paciente também pode aprender técnicas para amenizar o estresse, que também costuma ser um gatilho.
Recaídas
Infelizmente, quando se trata de um vício, recaídas são parte do processo de tratamento. Contudo, existem alguns fatores que aumentam as chances de uma recaída, como por exemplo a disponibilidade da droga, gatilhos como festas ou o uso de álcool e o estresse.
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A dependência de cocaína, tanto na forma de pó como na forma de crack, é considerada um problema de saúde pública, pois se trata de uma substância altamente viciante. Se você se identificou ou conhece alguém que apresenta sinais de dependência, não hesite em conversar com um psicólogo ou psiquiatra de confiança.
Referências
Sobel, B.-F. X., & Riley, A. L. (1999). The interaction of cocaethylene and cocaine and of cocaethylene and alcohol on schedule-controlled responding in rats. Psychopharmacology, 145(2), 153–161. doi:10.1007/s002130051044
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/173270/343684.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://www.medscape.com/answers/813959-120783/what-is-the-prevalence-of-suicide-among-cocaine-users