Eletroconvulsoterapia (ECT): origens, abusos e eficácia

Embora polêmica, a eletroconvulsoterapia tem se mostrado eficaz e segura. Entenda sua história aqui!
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Popularmente conhecida como “eletrochoque”, a eletroconvulsoterapia é uma técnica de neuromodulação que utiliza a eletricidade para promover o equilíbrio dos neurotransmissores, melhorando os sintomas de diversos transtornos mentais.

Trata-se de uma técnica que foi banida da medicina por alguns anos, por conta do seu histórico e do surgimento de alternativas para o tratamento dos pacientes. Contudo, no início dos anos 2000, a técnica foi regulamentada e, hoje em dia, é usada de forma eficaz e segura.

Neste artigo, você irá entender um pouco melhor sobre a origem da técnica, sua história e como ela é usada atualmente.

Origens da eletroconvulsoterapia

Apesar da eletroconvulsoterapia ser cercada de controvérsias, sua origem é bastante interessante. No início do século XX, o tratamento de transtornos psiquiátricos era feito somente com psicoterapia e a institucionalização dos pacientes, que ficavam “dopados” com medicações de efeito sedativo e em observação hospitalar.

Por isso, o desenvolvimento de novas maneiras de tratar os pacientes era uma questão um tanto urgente, tendo em vista que grande parte dos pacientes passavam meses, anos ou até mesmo o resto de suas vidas internados nessas instituições, que hoje em dia são conhecidas como “manicômios”.

Nessas instituições, ficavam pacientes com os mais diversos tipos de transtornos mentais, e até mesmo pacientes sem transtornos diagnosticados mas que apresentavam um padrão de comportamento fora da norma e, portanto, eram considerados “loucos”.

Dentre estes pacientes, haviam aqueles que sofriam simultaneamente de esquizofrenia e epilepsia, o que permitiu que a comunidade médica observasse um fato muito interessante: após uma crise convulsiva causada pela epilepsia, os sintomas da esquizofrenia apresentavam uma melhora significativa.

Convulsão como tratamento

A partir daí, passou-se a pensar no conceito de convulsão como tratamento para determinadas condições psiquiátricas. Porém, para que as convulsões pudessem ser usadas como tratamento, elas teriam que ser induzidas de alguma forma.

Com isso em mente, em 1917, o neuropsiquiatra austríaco Julius Wagner-Jauregg começou a fazer experimentos usando o parasita da malária para causar febre alta e induzir convulsões nos pacientes. Esta espécie de terapia experimental ficou conhecida como malarioterapia.

Outras substâncias usadas para induzir convulsões

Já em 1934, Ladislas von Meduna, um médico húngaro, resolveu tentar induzir as convulsões de outra forma: aplicando óleo de cânfora no paciente. Apesar do método apresentar eficácia, a aplicação do óleo de cânfora provocava efeitos colaterais indesejados como irritação na pele, dores, alergias, entre outros, fazendo com que o tratamento não fosse muito vantajoso a depender da situação.

Uma outra substância que foi usada para induzir convulsões nos pacientes foi a insulina, um hormônio naturalmente produzido pelo pâncreas e que ajuda a regular o nível de açúcar no sangue (glicemia). Quando o nível de açúcar no sangue está baixo, é comum o aparecimento de quadros convulsivos. Assim, usando insulina em pacientes com a glicemia regulada, seria possível alcançar um estado de hipoglicemia (baixo teor de açúcar no sangue) que induziria convulsões.

Contudo, essa alternativa também não era a mais adequada, levando em conta que a glicemia regulada é de enorme importância para o funcionamento dos nossos órgãos vitais, o que faria com que crises repetidas de hipoglicemia colocassem a vida do paciente em risco, tornando o tratamento inviável.

Sabendo do potencial terapêutico das convulsões, mas ainda precisando encontrar um meio mais seguro de induzi-las, o médico italiano Ugo Cerletti resolveu tentar a aplicação de uma corrente elétrica para este fim em 1938. De início, não foi uma técnica absolutamente segura: por conta da convulsão, os pacientes se debatiam e frequentemente apresentavam fraturas nos ossos. Também era efeito colateral comum o vômito e o engasgo em secreções.

Crédito: Originalmente postado no Flickr por Reeve041476, sob licença Creative Commons Attribution 2.0

Eletrochoque: quando a eletroconvulsoterapia se tornou uma prática abusiva de tortura

Apesar da eficácia, a técnica logo passou a ser usada de forma punitiva dentro dos manicômios. Pacientes eram submetidos de maneira compulsória ao tratamento, que muitas vezes era feito em equipamentos mal regulados, usando correntes elétricas excessivas.

Nas décadas de 40 e 50, a técnica ficou conhecida como eletrochoque, pois deixou de ser usada como ferramenta terapêutica e se tornou uma espécie de tortura para pacientes que não se comportavam de acordo com o desejado.

Há relatos até mesmo de pacientes levando choque na frente das outras pessoas justamente com esse intuito de avisar os outros pacientes que, se não se comportassem, eles seriam os próximos.

Esse uso punitivo da técnica se tornou tão difundido que se espalhou globalmente, havendo relatos de seu uso em diversos países, incluindo o Brasil.

Foi só na década de 70 que a Associação Americana de Psiquiatria publicou um artigo numa tentativa de regulamentar a prática, visando diminuir seu mau uso.

Como está a eletroconvulsoterapia hoje em dia?

Por conta do uso abusivo da técnica no passado, ela foi banida por muitos anos. Devido aos progressos da psicofarmacologia com a sintetização de medicamentos como antidepressivos, antipsicóticos e estabilizadores de humor, o uso de convulsões para tratar sintomas psiquiátricos foi caindo no esquecimento.

Contudo, as medicações não são eficazes em 100% dos casos e, com isso, voltou-se a debater a possibilidade de usar convulsões induzidas para o tratamento de pessoas que não respondem satisfatoriamente ao tratamento farmacológico.

No Brasil, o uso da eletroconvulsoterapia foi regulamentado novamente em 2002, com algumas exigências. Dentre elas estão:

  • Só pode ser aplicada em ambiente hospitalar;
  • Só pode ser aplicada sob anestesia;
  • É obrigatória a avaliação de condições cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e odontológicas do paciente antes de realizar o procedimento;
  • É necessário obter consentimento por escrito do paciente ou de seus familiares em caso de impossibilidade de consentimento direto.

Além da anestesia, que deixa o paciente desacordado durante o procedimento, também são administrados relaxantes musculares para evitar os espasmos que levam às fraturas. Desta forma, durante o tratamento, o paciente permanece imóvel e não sofre riscos maiores. É necessário também que o paciente faça jejum na noite anterior à aplicação da técnica, para evitar vômitos e engasgos.

Em outras palavras, atualmente, a técnica da eletroconvulsoterapia é segura e não se assemelha de forma alguma com a prática da tortura por choque. Portanto, hoje em dia, trata-se de uma alternativa para pessoas que não respondem adequadamente ao tratamento farmacológico.

Ela também ajuda em casos de crises que colocam a vida do paciente em risco, pois seu efeito é imediato. Enquanto a medicação geralmente leva em torno de duas semanas para começar a fazer o efeito desejado, o efeito da eletroconvulsoterapia já é sentido na primeira sessão. Por conta disso, a ECT pode ser usada em conjunto com os tratamentos convencionais.

Atualmente, a ECT pode usar usada para o tratamento do transtorno depressivo maior, transtorno afetivo bipolar, sintomas positivos e catatonia na esquizofrenia, alguns casos de delírio ou episódios psicóticos não especificados, síndrome neuroléptica maligna, entre outros. A técnica não é indicada para o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), mas pode ser usada caso o paciente apresente algum dos transtornos citados anteriormente como comorbidade.

Alternativas à ECT

Além de ter se tornado uma técnica segura, ao longo dos anos, foram desenvolvidas outras técnicas de neuromodulação que podem ser usadas no lugar da eletroconvulsoterapia. Dentre elas estão:

  • Estimulação Magnética Transcraniana (EMTr);
  • Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC ou tDCS);
  • Infusão de quetamina;
  • Magnetoconvulsoterapia.

Atualmente, a eletroconvulsoterapia é uma técnica segura usada em casos nos quais o paciente não responde aos tratamentos convencionais, e os resultados mostram que é bastante eficaz.

Vale ressaltar que não se trata de um tratamento de primeira linha e, portanto, não será indicado a todas as pessoas. Porém, se você está fazendo tratamento há muito tempo sem resultados satisfatórios, é interessante conversar com um profissional da saúde mental sobre a possibilidade de buscar novas alternativas.

Referências

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/eletrochoque/
https://pebmed.com.br/eletroconvulsoterapia-ect-da-historia-aos-procedimentos-envolvidos/
https://drauziovarella.uol.com.br/entrevistas-2/eletroconvulsoterapia-entrevista/

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