Eletroconvulsoterapia: o que é, como funciona, quais os riscos?

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O uso de convulsões para induzir o cérebro a uma alteração do funcionamento não é novo, mas se tornou extremamente mal visto por conta das práticas desenfreadas entre as décadas de 40 e 60.

Neste artigo, vamos falar sobre a eletroconvulsoterapia (ECT), antigamente chamada de eletrochoque, uma técnica frequentemente vista como cruel mas que, se realizada nas condições adequadas, pode ser bastante eficaz.

O que é a eletroconvulsoterapia?

A eletroconvulsoterapia é uma técnica de neuromodulação que consiste em causar convulsões controladas para ajudar a restabelecer o fluxo de neurotransmissores.

O tratamento é feito por meio de sessões nas quais são colocados eletrodos na cabeça do paciente de acordo com as necessidades de seu tratamento. Estes eletrodos são ligados a um aparelho que emite impulsos elétricos e provoca uma convulsão controlada no paciente, que deve estar sedado para a realização do procedimento.

Durante as sessões, há monitoramento cardíaco, cerebral, do oxigênio e da pressão arterial, portanto, é uma técnica que só pode ser aplicada em ambiente hospitalar.

Trata-se de um tipo de técnica não-invasiva, mas que ainda é um pouco mais agressiva do que o uso de medicamentos, o que a torna uma última alternativa a vários tratamentos falhados anteriormente.

A técnica surgiu no final da década de 30, após médicos e pesquisadores perceberem que convulsões induzidas auxiliavam no alívio de sintomas que antes não tinham qualquer tipo de controle, como por exemplo estados de catatonia, nos quais o paciente não fala, não se expressa e nem mesmo se move, e nas alucinações de pacientes psicóticos.

Antes de usar o choque elétrico para induzir essas convulsões, médicos tentaram outras técnicas, como infectar a pessoa com malária para que a febre da infecção causasse convulsões, ou até mesmo aplicar óleo de cânfora no paciente — duas técnicas cheias de efeitos colaterais e bastante cruéis, diga-se de passagem.

Apesar da má fama, a eletroconvulsoterapia está voltando a ser uma alternativa no tratamento de uma série de transtornos mentais e, desde que seja feita de maneira adequada, não traz riscos significativos ao paciente.

Como funciona a ECT?

O cérebro funciona por meio da comunicação entre os neurônios. Estes neurônios se comunicam por meio de substâncias chamadas neurotransmissores, que são liberadas da ponta de um neurônio e fazem um trajeto até o próximo neurônio.

Contudo, nem sempre esses trajetos estão fluindo corretamente, e os neurotransmissores podem acabar tendo problemas em passar as mensagens que precisam passar adiante. Nesses casos, é necessário “limpar” estas vias, o que é feito por meio das convulsões induzidas.

É como se fosse reiniciar um computador quando ele está travando muito. Durante essa reinicialização, os neurotransmissores saem das fendas sinápticas (espaços entre um neurônio e outro) para depois se reorganizarem em seus respectivos fluxos.

Outra analogia que pode ser usada é de uma rua engarrafada. Com a convulsão, todos os carros saem das ruas e voltam para suas garagens. Após a convulsão, é como se os carros fossem saindo de suas garagens de forma organizada, um a um, e assim ninguém atrapalha o trânsito.

Tudo isso é provocado por choques administrados em poucos segundos, que estimulam o cérebro a fazer essa limpeza das vias neuronais para depois equilibrar tudo novamente.

Atualmente, para induzir as convulsões, são utilizados impulsos elétricos breves cuja corrente elétrica varia rapidamente, imitando os sinais existentes dentro do próprio cérebro. Desta forma, evita-se efeitos colaterais e permite que a duração da descarga elétrica seja significativamente reduzida, totalizando oito segundos.

Apesar da baixa duração dos choques, as sessões de eletroconvulsoterapia podem durar até mais de 30 minutos, tendo em vista todo o processo de sedar o paciente e mantê-lo em observação por um tempo após o procedimento.

Eletroconvulsoterapia versus eletrochoque

Nas décadas de 40 e 50, antes do surgimento dos primeiros medicamentos psiquiátricos, o chamado eletrochoque foi muito usado para controlar a população dos manicômios existentes na época. Embora, inicialmente, as intenções fossem boas, a técnica rapidamente se tornou um instrumento de tortura.

Nesta época, era comum usar o eletrochoque para controlar pacientes indisciplinados e, naquele tempo, não se usava nenhum tipo de medida de redução de danos para evitar que o paciente tivesse problemas após a sessão. Com isso, era comum que as convulsões causassem fraturas nos ossos por conta de contrações musculares. Também eram comuns efeitos colaterais como vômito e até mesmo morrer sufocado por conta da aspiração de secreções.

Como instrumento de tortura, uma técnica comum era aplicar o eletrochoque no paciente na frente de todos os outros pacientes do hospital, como uma espécie de aviso, mostrando que o próximo a não se comportar seria “castigado” também.

Contudo, apesar de ter virado um instrumento de tortura, o equipamento em si não perdeu seu efeito terapêutico. O problema nunca foi o uso de choques elétricos, mas sim o jeito que estes choques eram dados e quais as intenções dos profissionais que os aplicavam.

Com o surgimento dos medicamentos psiquiátricos na metade da década de 50, o eletrochoque foi cada vez mais deixado de lado. Entretanto, atualmente, sabe-se que os tratamentos medicamentosos não são efetivos para todas as pessoas, e algumas se beneficiam sim dos efeitos das convulsões induzidas.

Por isso, nos dias de hoje, a técnica ganhou o nome de eletroconvulsoterapia, ou ECT, para desvincular do instrumento de tortura, e é feita sob condições muito bem controladas para evitar qualquer tipo de problema ao paciente.

As sessões de ECT são feitas com o paciente sedado, sob efeito de relaxantes musculares e em jejum. Desta forma, pode-se garantir a segurança do paciente, que não vai sentir nenhuma dor por conta da anestesia, também não vai se debater e sofrer fraturas por conta dos relaxantes musculares, e o jejum também evita vômitos e a aspiração de secreções.

Legislação atual

Por muitos anos, a eletroconvulsoterapia foi banida por conta do seu mau uso no passado. Contudo, em 2002, o Conselho Federal de Medicina resolveu regulamentar a prática diante dos seguintes termos:

  1. Só deve ser aplicada em ambiente hospitalar;
  2. É necessário obter consentimento do paciente e/ou dos familiares (em caso de paciente debilitado);
  3. É obrigatória a avaliação das condições cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e odontológicas do paciente;
  4. Aplicação de anestesia obrigatória para a realização da eletroconvulsoterapia.

Apesar disso, ainda há muita discussão sobre a técnica. Muitas pessoas, principalmente desinformadas, assumem que ainda se trata de uma técnica de tortura apenas, sem efeito terapêutico, e são contra o financiamento da ECT em hospitais públicos.

Por conta disso, o acesso à ECT é frequentemente elitizado, e o debate público acerca da disponibilização para populações menos abastadas é permeado de preocupações relacionadas ao mau uso passado, dificultando os trâmites para a disponibilização da técnica para um número maior de pessoas.

Quem pode se tratar com a eletroconvulsoterapia?

A ECT é uma técnica aprovada para o tratamento de diversos transtornos mentais, como por exemplo a depressão refratária, a depressão bipolar (que faz parte do transtorno afetivo bipolar), a esquizofrenia, pacientes com alto risco de suicídio (pois o efeito da ECT é mais imediato do que dos medicamentos), entre outros.

Este tratamento também é frequentemente indicado para mulheres grávidas que possuem diagnóstico de algum dos transtornos mentais citados anteriormente. Isso porque o uso de medicações pode trazer riscos para o bebê, algo que a eletroconvulsoterapia não traz quando administrada corretamente.

Cuidados com a eletroconvulsoterapia

O procedimento deve ocorrer sempre com o paciente sedado, sob efeito de relaxantes musculares e em jejum. Além disso, existem algumas coisas que não podem ser usadas durante o tratamento pois podem interferir com os eletrodos, como por exemplo:

  • Unhas pintadas;
  • Próteses dentárias;
  • Sprays, acessórios e produtos finalizadores no cabelo;
  • Lentes de contato;
  • Jóias;
  • Relógios;
  • Objetos que podem causar queimaduras no paciente;
  • Entre outros.

Quais os efeitos colaterais da eletroconvulsoterapia?

Quando aplicada corretamente, a eletroconvulsoterapia pode provocar alguns efeitos colaterais bastante suportáveis, como uma perda de memória temporária, confusão temporária, náusea, dores de cabeça e no maxilar.

Outros efeitos colaterais podem surgir dependendo do estado do organismo do paciente, por isso a obrigatoriedade da avaliação das condições cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e odontológicas do paciente.

Durante a sessão de eletroconvulsoterapia, pode haver um aumento da frequência cardíaca e da pressão sanguínea. Por isso, se a pessoa tem predisposição a problemas cardíacos, tudo isso deve ser avaliado e discutido com o médico antes de iniciar o tratamento.

Embora tenha uma imagem terrível devido ao passado e a mídia sensacionalista, a eletroconvulsoterapia é uma técnica que pode salvar vidas. Se você tem dúvidas ou acredita estar precisando de ajuda especializada, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!

Referências

https://www.psychiatry.org/patients-families/ect
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/eletrochoque/
https://www.mayoclinic.org/tests-procedures/electroconvulsive-therapy/about/pac-20393894

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