Muitos acreditam que pessoas que sofrem com Transtorno de Espectro Autista (TEA) não são capazes de sentir empatia. Contudo, essa é uma afirmação bastante generalista e que ajuda a perpetuar preconceitos acerca do espectro autista.
Já a psicopatia é um quadro no qual a falta de empatia é uma característica marcante, embora muitas vezes o indivíduo não aparenta não ter empatia.
Então, se duas condições tão distintas são popularmente descritas como condições nas quais os indivíduos não sentem empatia, por que elas são tão diferentes? Para entender isso, é preciso primeiro entender o que é a empatia e como ela funciona.
O que é empatia?
Na linguagem popular, a palavra “empatia” é descrita como a capacidade de se colocar no lugar do outro. No entanto, essa definição é incompleta e não engloba todas as formas de empatia existentes.
Pesquisadores da área da psicologia, psiquiatra e neurologia discutem a existência de dois tipos de empatia: a empatia cognitiva e a empatia afetiva.
A empatia cognitiva pode ser descrita como a capacidade de perceber os sentimentos e emoções de outra pessoa. Ou seja, é a capacidade de olhar para o rosto de uma pessoa e perceber que essa pessoa está alegre, ou triste, ou com raiva. Trata-se da simples percepção da emoção do outro.
Já a empatia afetiva se assemelha mais à definição popular, pois é a capacidade de sentir algo em relação ao que o outro está sentindo. Ou seja, é a capacidade de se sentir mal quando o outro está passando por maus bocados e alegrar-se com as suas conquistas, por exemplo. Neste sentido, é a capacidade de compreender o sentimento do outro e sentir coisas parecidas — o famoso “colocar-se no lugar do outro”.
Há discussões a respeito destes tipos de empatia, se uma influencia na outra e vice-versa. Logicamente, para poder sentir o que o outro está sentindo, é preciso primeiro conseguir perceber o sentimento do outro. Neste sentido, a empatia afetiva seria completamente dependente da empatia cognitiva.
Contudo, o que estudos mais aprofundados mostram é que isso não é necessariamente verdade em todos os casos. Algumas pessoas podem apresentar níveis baixos de empatia cognitiva e níveis de empatia afetiva elevados, bem como outras podem ter altos níveis de empatia cognitiva, mas não ter uma empatia afetiva muito alta.
Como isso se aplica ao autismo e à psicopatia?
Pensando nessa distinção entre os tipos de empatia, é possível compreender um pouco melhor a questão da empatia nestes dois transtornos tão diferentes.
No autismo, é comum que o indivíduo tenha dificuldade em perceber as emoções em outras pessoas. Não raramente, a pessoa dentro do espectro não consegue perceber diferenças no tom de voz ou nas expressões faciais das outras pessoas — características que geralmente dão dicas do estado emocional de um indivíduo.
Portanto, frequentemente, uma pessoa com autismo pode não perceber quando uma pessoa está triste e agir como se estivesse tudo bem. Isso não significa que a pessoa com autismo é fria e não consegue “se colocar no lugar do outro”, significa apenas que a maneira que ela interpreta os estímulos no ambiente é diferente, e isso pode trazer prejuízos às relações interpessoais.
Cada indivíduo apresenta o autismo de uma forma diferente, então o que pode ser verdade para um, não necessariamente é para o outro. Sendo assim, algumas pessoas dentro do espectro conseguem sentir empatia afetiva ao serem explicadas sobre o estado emocional da outra pessoa, ainda que não consigam perceber esse estado ao olhar diretamente para ela. Já outras pessoas no espectro podem ter dificuldades para compreender os sentimentos de outras pessoas, mesmo quando há explicações e exemplos.
Na psicopatia, no entanto, a história é bem diferente.
Frequentemente, psicopatas conseguem perceber as emoções das outras pessoas, e inclusive usam dessas informações para ganho próprio. Ou seja, psicopatas possuem empatia cognitiva, e quando dizem que “psicopatas não têm empatia”, na realidade o que querem dizer é que eles não têm a capacidade de sentir o que o outro sente, ou seja, não possuem empatia afetiva.
Desta forma, psicopatas conseguem agir para ganho próprio em uma grande variedade de situações, aproveitando-se das pessoas e das suas emoções sem nenhum remorso.
Já uma pessoa com autismo pode se sentir mal ao perceber que acabou fazendo mal para outra pessoa, embora às vezes não seja capaz de perceber que está fazendo mal por conta da falta de empatia cognitiva que alguns indivíduos no espectro podem apresentar. Ou seja, muitas pessoas com autismo são capazes de sentir remorso, o que seria impossível caso não tivessem empatia afetiva.
De onde surgiu o mito que autistas não têm empatia?
Existe uma explicação para o surgimento da ideia de que pessoas com autismo não têm empatia. Lá pela década de 80, um psicólogo chamado Simon Baron-Cohen e seus colegas desenvolveram um teste para compreender o que eles chamam de Teoria da Mente.
A Teoria da Mente é a compreensão de que outras pessoas possuem estados mentais e informações diferentes das que nós mesmos possuímos, ou seja, compreender que os pensamentos, conhecimentos e sensações que outra pessoa têm são diferentes dos nossos.
O teste desenvolvido por Baron-Cohen e colegas é chamado de teste de Sally e Anne, e é feito com duas bonecas, uma cesta, uma caixa e uma bolinha. Na frente de uma criança, o teste se inicia com a boneca Sally colocando a bolinha dentro da cesta e, em seguida, saindo de cena.
Após a saída de Sally, Anne pega a bolinha da cesta e a coloca dentro da caixa. Depois disso, Sally volta à cena. Então, o aplicador do teste pergunta à criança: onde Sally irá procurar pela bolinha primeiro?
Uma criança que tem a teoria da mente desenvolvida irá dizer que Sally irá procurar a bolinha na cesta, pois foi onde deixou a bolinha antes de sair de cena, e não tem o conhecimento de que Anne colocou a bolinha na caixa.
Já uma criança que não possui a teoria da mente desenvolvida irá dizer que Sally vai procurar a bolinha na caixa, como se Sally já soubesse onde a bolinha está. Essa criança ainda não é capaz de compreender que as informações que Sally tem sobre o ambiente não são as mesmas informações que ela mesma tem, afinal de contas, ela viu a bolinha ser colocada na caixa, mas não consegue processar que Sally não viu isso acontecendo e, portanto, não tem esse conhecimento.
Até os 3 anos de idade, é normal que a maior parte das crianças falhem ao responder este teste, pois a teoria da mente é uma habilidade que é desenvolvida com o tempo. Porém, depois dessa idade, a maior parte das crianças a desenvolve bem e consegue responder corretamente ao teste.
No entanto, quando aplicado a crianças com autismo, os pesquisadores verificaram que, mesmo em crianças mais velhas, a teoria da mente ainda não estava bem desenvolvida, e a maioria das crianças no espectro (cerca de 80%) acabaram falhando no teste, não reconhecendo que o conhecimento de Sally sobre o seu ambiente é diferente do seu próprio conhecimento.
O que isso tem a ver com a empatia? Pois bem, tudo!
Se a pessoa é incapaz de compreender que outras pessoas têm estados mentais diferentes do seu próprio, ela não será capaz de reconhecer os sentimentos e emoções que outras pessoas podem acabar expressando. Uma pessoa que não desenvolve a teoria da mente não consegue desenvolver a empatia cognitiva.
No caso de pessoas com autismo, frequentemente a teoria da mente não é totalmente desenvolvida, ou seja, algumas pessoas podem ter um nível maior ou menor de compreensão da teoria da mente, mas grande parte não consegue desenvolvê-la por completo.
Com isso, grande parte das pessoas no espectro podem ter essa dificuldade de reconhecer as emoções em outras pessoas. No entanto, é claro, isso varia muito de pessoa para pessoa, e não se pode generalizar dizendo que todas as pessoas com autismo não têm empatia.
Apesar da empatia parecer um conceito simples, ela pode se manifestar de maneiras muito diversas em pessoas diferentes — especialmente quando há algum transtorno envolvido.
Se você ou alguém que você conhece apresenta dificuldades em demonstrar empatia, isso não necessariamente significa que há um problema, mas em caso de dúvidas, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!
Referências
van Noorden, T.H.J., Haselager, G.J.T., Cillessen, A.H.N. et al. (2015). Empathy and Involvement in Bullying in Children and Adolescents: A Systematic Review. Journal of Youth and Adolescence, 44(3), 637-657. http://doi.org/f62qv4
https://www.theguardian.com/science/head-quarters/2017/jan/23/sally-anne-task-psychological-experiment-post-truth-false-beliefs
https://omundoautista.com.br/autismo-empatia-sally-e-anne-e-a-teoria-do-mundo-intenso/