A terapia de aceitação e compromisso (ACT) é uma das terapias comportamentais de terceira geração que explora a questão do sofrimento como experiência natural da vivência humana. Mais especificamente, a ACT entende a tentativa de evitação do sofrimento como um fator que mantém esse sofrimento por mais tempo.
Essa terapia tem foco nos processos cognitivos que levam as pessoas ao sofrimento psíquico, chegando à conclusão de que o sofrimento muitas vezes é mantido pela rigidez psicológica. Essa rigidez ocorre por conta de processos como a fusão cognitiva, a disrupção dos valores, a inércia ou impulsividade, a evitação (esquiva experiencial), entre outros.
O que é esquiva experiencial?
Um dos principais conceitos da ACT é a esquiva experiencial, que pode ser definida como a indisposição para entrar em contato com eventos internos aversivos e a tentativa deliberada de alterar a forma e a frequência destes eventos e das situações que os provocam.
Em outras palavras, é a tentativa de escapar do contato com seus próprios pensamentos, sentimentos e emoções desagradáveis e/ou indesejáveis.
A esquiva experiencial é um fenômeno comum, que inclusive deu vantagem evolutiva para que o ser humano sobrevivesse em épocas mais hostis. Em determinadas situações, a esquiva experiencial tem como principal função evitar situações realmente perigosas por medo da ansiedade que elas podem causar.
Contudo, grande parte das coisas que fazemos no dia-a-dia e que nos proporcionam pensamentos e sentimentos desagradáveis não são de todo ruins.
Exemplos de esquiva experiencial
A ansiedade ao começar um novo trabalho e fazer novos colegas é natural, mas uma evitação dessa ansiedade pode levar um indivíduo a fugir da possibilidade de arranjar um emprego e construir uma carreira.
Este exemplo pode parecer exagerado, mas acaba sendo verdadeiro na vida de várias pessoas. Um exemplo um pouco mais fácil de ser visto é uma pessoa que deseja ter um hobby, mas deixa de se envolver neste hobby por conta do medo da frustração quando as coisas não dão certo, ou por medo da reação de outras pessoas.
Se uma pessoa tem um desejo de se tornar dançarina, a esquiva experiencial pode fazer com que ela deixe de se inscrever numa escola de dança por causa da ansiedade que dançar na frente de outras pessoas pode causar, e desta forma ela nunca consegue realizar o seu desejo.
A esquiva experiencial não se refere apenas à realização de desejos. Ela pode surgir também como uma tentativa de fugir de sentimentos e pensamentos ruins sobre coisas que já aconteceram. Em grande parte dos momentos, a esquiva experiencial pode ser vista como “manter a cabeça ocupada” para escapar de algum pensamento ou alguma dor.
Como exemplo, pode-se citar uma pessoa que perdeu um amigo ou parente e que tenta se envolver em diversas atividades, mantendo-se ocupada com frequência a fim de escapar da dor. Outro exemplo é uma pessoa que tem fobia de algum tipo de situação e, sempre que se envolve nessa situação, busca se distrair de alguma forma, seja ouvindo música, assistindo televisão, entre outras possibilidades.
Qual o problema da esquiva experiencial?
Como dito anteriormente, a esquiva experiencial já teve alguma vantagem evolutiva e, portanto, não é de todo ruim. Contudo, ela pode impedir que pessoas deixem de fazer coisas que são importantes para elas numa tentativa de evitar os eventos privados indesejados.
Em outras palavras, o repertório comportamental da pessoa vai ficando cada vez mais limitado, tendo em vista que ela está a todo custo tentando se livrar de situações e pensamentos desagradáveis.
Quem nunca deixou de fazer alguma coisa que queria muito por puro medo? Ou deixou de alcançar objetivos por conta da ansiedade que esse processo gera?
Uma pessoa que sofre de ansiedade pode deixar de tentar fazer novas amizades, tendo em vista a evitação dessa ansiedade. Contudo, para a ACT, a ansiedade passa a fazer parte normal do processo, sendo algo que não deve ser evitado mas sim vivenciado como parte do todo.
Repressão de sentimentos e pensamentos piora sua intensidade
Uma das ideias principais da ACT é que a tentativa de esquiva do sofrimento gera consequências ainda mais desagradáveis.
Isso ocorre tanto porque a própria esquiva limita o repertório comportamental quanto pelo fato de que pensamentos e situações reprimidos costumam voltar com mais intensidade.
Em especial, a repressão de emoções tem um papel importante na desregulação emocional. Neste sentido, a pessoa não consegue regular suas emoções, não no sentido de controlá-las, mas no sentido de não permitir que essas emoções tomem as rédeas de sua vida.
Em outras palavras, quanto mais uma pessoa tenta reprimir suas emoções e pensamentos indesejados, com mais força eles retornam, causando ainda mais sofrimento.
Esquiva experiencial nos transtornos mentais
Desde que o termo “esquiva experiencial” foi cunhado, ele já foi associado a uma série de transtornos mentais e comportamentos que podem ser considerados patológicos, como:
- Transtorno de ansiedade generalizada (TAG);
- Transtorno bipolar;
- Automutilação;
- Comportamento sexual de alto risco;
- Transtorno obsessivo-compulsivo;
- Transtorno do pânico;
- Abuso de substâncias;
- Traumas e transtorno de estresse pós-traumático;
- Tricotilomania;
- Suicídio.
Aceitação: a contraparte da esquiva experiencial
O conceito de aceitação pode ser definido como o real envolvimento do indivíduo com seus eventos privados, sem a tentativa de controle ou evitação.
Em outras palavras, quando o indivíduo percebe que está se sentindo mal, ele aceita ao invés de tentar fugir do sentimento. Pensa consigo mesmo “isso não é agradável, mas eu não vou morrer por isso”.
É importante ressaltar que aceitação não significa passividade ou resignação. É simplesmente compreender sua situação como uma das diversas possibilidades dentro da experiência humana e não tentar fugir disso.
Como a ACT pode ajudar?
A ACT pode ajudar uma pessoa a diminuir sua esquiva experiencial e aumentar seu repertório comportamental de várias formas, como por exemplo ajudando a pessoa a:
- Compreender que tentar fugir da dor emocional não funciona;
- Perceber que tentar controlar a dor é o verdadeiro problema;
- Ver a si mesma como separada de seus pensamentos (pensamentos não são fatos);
- Desistir das tentativas de controlar seus pensamentos e sentimentos.
A esquiva experiencial pode parecer boa, mas no fim prolonga o sofrimento desnecessariamente. Se você se identificou com o texto, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!
Referências
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed.
Hayes, S. C., Wilson, K. G., Gifford, E. V., Follette, V. M., & Strosahl, K. (1996). Experiential avoidance and behavioral disorders: A functional dimensional approach to diagnosis and treatment. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64(6), 1152–1168. doi:10.1037/0022-006x.64.6.1152
Santos, S. A., Sousa, A. C. A. & Gomes, U. S. (2020). Esquiva Experiencial e Processo de Aceitação num Caso de Luto Materno. Psicologia em Ênfase, 1(2): 84-95.
https://www.verywellmind.com/experiential-avoidance-2797358