Estimulação cerebral profunda (DBS) para TOC severo: como funciona?

O transtorno obsessivo-compulsivo pode ser de difícil tratamento, mas novas técnicas estão sendo pesquisadas, como a DBS. Entenda melhor aqui!
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O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) chega a ser tão grave que pode ser altamente debilitante, prejudicando aspectos como carreiras, relacionamentos, entre outros. Além disso, existem casos de TOC que são resistentes ao tratamento, ou seja, apesar de a pessoa tratar com os métodos comprovadamente efetivos, os sintomas seguem se manifestando de forma a prejudicar sua vida.

Em geral, o tratamento do TOC é feito com o uso de medicamentos psiquiátricos, como antidepressivos e ansiolíticos, bem como psicoterapia. Felizmente, novas pesquisas mostram que existem alternativas ou, ao menos, maneiras de complementar o tratamento para que faça melhor efeito.

A Deep Brain Stimulation (DBS), que significa “estimulação cerebral profunda”, vem sendo pesquisada como um tratamento alternativo ou complementar para o TOC há anos, e os resultados têm sido promissores.

O que é DBS?

Deep Brain Stimulation é uma técnica de estimulação cerebral que auxilia na regulação das sinapses. Em suma, a DBS é feita a partir de eletrodos implantados cirurgicamente que fazem uma estimulação da região cerebral por meio de pequenos choques elétricos.

Esta técnica já é usada para o tratamento de Mal de Parkinson, por exemplo, e tem várias vantagens em relação a outros tratamentos, em especial as menores chances de causar danos irreversíveis ao cérebro (chances que existem em qualquer cirurgia cerebral).

É importante ressaltar que os eletrodos são implantados em áreas específicas de acordo com o transtorno a ser tratado e, portanto, no caso do TOC, a implementação precisa na região específica relacionada ao transtorno é de extrema importância para que haja resultados.

Além dos eletrodos implantados no cérebro, também é necessário implantar um aparelho parecido com uma marca-passo no peito do paciente, logo abaixo da clavícula (osso perto do ombro popularmente conhecido como “saboneteira”). Este aparelho se chama neuroestimulador ou “gerador de pulso implantável”, e é responsável pela geração dos pulsos elétricos que são enviados aos eletrodos no cérebro.

O neuroestimulador é configurado por um profissional de saúde para ajustar os pulsos elétricos à necessidade do paciente, e pode ser desligado tanto pelos profissionais da saúde quanto pelo próprio paciente caso necessário.

Vale lembrar que a estimulação não deve provocar dor. Isso porque o cérebro não possui os nervos responsáveis pela sensação de dor, então o paciente não chega a sentir nenhuma dor além das possíveis dores decorrentes do processo cirúrgico, que tendem a melhorar com a cicatrização.

Quais são os sintomas do TOC?

O transtorno obsessivo-compulsivo é caracterizado por pensamentos intrusivos que causam angústia ou ansiedade, chamados de obsessões, que só é aliviada após a realização de alguns comportamentos, chamados de compulsões.

É o exemplo da pessoa que, ao sair de casa, precisa se assegurar diversas vezes se as bocas do fogão estão fechadas, ou trancar a porta várias vezes seguidas para se assegurar que trancou mesmo.

Essas pessoas não controlam esses pensamentos e a preocupação que vem com eles, e só conseguem se sentir melhor depois de realizar o ato compulsivo. Com isso, a pessoa pode acabar perdendo horas do seu dia realizando esses rituais, o que pode prejudicar seriamente vários aspectos de sua vida, como a carreira, as relações interpessoais, os estudos e até mesmo a saúde física.

Como a DBS atua no TOC?

O cérebro é um órgão extremamente complexo e, muitas vezes, os transtornos mentais estão relacionados a uma grande variedade de estruturas existentes neste órgão. Com o TOC, não é diferente.

No entanto, pesquisadores demonstraram que existe uma posição específica na qual os eletrodos podem ser implantados para conseguir resultados. Em um estudo publicado no American Journal of Psychiatry, os pesquisadores implantaram, nos participantes da pesquisa, eletrodos nos dois lados do cérebro, em áreas pontuais do percurso entre essas estruturas relacionadas ao TOC.

Após a implantação dos eletrodos, a estimulação foi ajustada durante algumas semanas de acordo com a necessidade de cada participante. Depois, foi utilizado o questionário Y-BOCS (Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale), um questionário usado para medir a frequência e severidade dos sintomas do TOC, bem como alguns outros questionários para medir sintomas de ansiedade e depressão.

Esses questionários foram aplicados antes da implantação dos eletrodos, 2 semanas após o procedimento, e novamente 1 vez por mês ao longo de 6 meses. Além dos eletrodos, os participantes também foram submetidos à terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Vale lembrar que a TCC é uma psicoterapia que pode ajudar bastante em casos de TOC, mas no caso de pacientes resistentes, a terapia pode começar a funcionar apenas quando há outros tratamentos em curso, como no caso de medicações ou até mesmo da DBS.

Em relação à amostra, participaram 70 pacientes com TOC severo e resistente ao tratamento, que já tinham ao menos 5 anos de história com o transtorno, bem como prejuízos no funcionamento por conta dele. Todos os participantes tiveram diversas tentativas de tratamento medicamentoso falhadas. Em média, a idade destes participantes era de 42 anos, e a média de duração do transtorno era de 25 anos. Pacientes com episódios atuais de psicose, uso de substância, problemas neurológicos e problemas na coagulação foram excluídos do estudo. Contudo, pacientes com comorbidades como depressão maior, transtorno bipolar ou transtorno de personalidade borderline não foram excluídos.

Os resultados da pesquisa são promissores: cerca de 52% dos pacientes responderam ao tratamento, evidenciando melhoras dos sintomas desde o início do tratamento com DBS. Já 17% tiveram uma resposta apenas parcial, enquanto 31% não tiveram nenhuma resposta ao tratamento. Em relação ao tempo para o tratamento fazer efeito, as melhoras mais substanciais ocorreram durante as primeiras semanas após a implantação dos eletrodos, e se mostraram estáveis ao longo do tempo.

Além disso, mais da metade dos participantes demonstrou melhoras significativas em sintomas depressivos e ansiosos por conta da DBS. Essas melhoras não tinham conexão com o TOC em si, visto que pessoas que não tiveram melhoras nos sintomas de TOC também apresentaram melhoras nestes sintomas com o tratamento.

Existem efeitos colaterais à DBS?

Infelizmente, como todo tratamento, é possível que alguns efeitos indesejados surjam ao longo do tempo.

Na pesquisa citada anteriormente, cerca de 39% dos pacientes apresentaram sintomas de hipomania por vários dias ou semanas após a implantação dos eletrodos, mas que se resolveram espontaneamente depois de um tempo.

Além disso, 3 indivíduos cometeram uma tentativa de suicídio cerca de 12 meses após a cirurgia para implantação dos eletrodos. Destes 3, 1 paciente realizou esta tentativa exatamente quando houve uma mudança na corrente dos eletrodos, ou seja, é possível que as mudanças para realização dos ajustes do tratamento acabem influenciando os pensamentos do indivíduo, provocando até mesmo ideação suicida.

Qual a conclusão disso tudo?

Apesar destes efeitos colaterais, a estimulação cerebral profunda ainda pode ser uma alternativa para o tratamento de pessoas que apresentam TOC resistente e severo.

É claro que mais testes precisam ser feitos para assegurar que se trata de um procedimento eficaz antes de disponibilizá-lo ao público, tendo em vista que a amostra neste estudo em específico é um tanto quanto pequena.

Apesar de apenas 52% dos participantes terem respondido adequadamente ao tratamento, vale lembrar que estamos tratando de pacientes que não respondem a nenhum outro tipo de tratamento ao longo de vários anos, prejudicando suas vidas em larga escala, e esta pode ser uma alternativa valiosa nestes casos.

Se você acredita ter sintomas de TOC e percebe que eles estão prejudicando sua vida, não se esqueça de contatar um profissional da saúde mental. Apesar de alguns casos serem resistentes ao tratamento, grande parte dos pacientes respondem à medicação e terapia, apresentando melhoras significativas e retomando sua qualidade de vida!

Referências

https://www.psychologytoday.com/us/blog/demystifying-psychiatry/202104/is-deep-brain-stimulation-effective-treatment-severe-ocd

https://www.parkinson.org/sites/default/files/attachments/Deep-Brain-Stimulation-Guide-Parkinsons.pdf

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