O nosso cérebro é cheio de recursos para nos ajudar a sobreviver e conviver em sociedade. Dentre estes recursos, está um de extrema importância para a resolução de problemas: trata-se da função executiva (FE) ou funções executivas. A FE pode ser conceituada como um grupo de capacidades cognitivas que permitem a execução de ações a fim de atingir um objetivo. Essa explicação parece difícil, mas na verdade é bem fácil compreender a FE através de exemplos.
Vamos supor que o as compras do mês estão chegando ao final e é preciso ir ao mercado novamente para repor o estoque de comida e produtos de higiene e limpeza utilizados com frequência para manter a casa em ordem. O que é preciso fazer nesta situação?
Primeiro, é preciso perceber que os mantimentos estão chegando ao final. Depois, é necessário verificar quais mantimentos precisam ser repostos e quais estão em boa quantidade e não precisam ser repostos, planejando o que será comprado para o próximo mês. Em seguida, deve-se ir ao supermercado e comprar os itens necessários que foram planejados anteriormente. No mercado, deve-se manter atento para pegar aquilo que planejou pegar, além de evitar comprar itens desnecessários.
Tudo isso é domínio das funções executivas, que possuem quatro elementos fundamentais de acordo com Lezak, uma neuropsicóloga americana. Tais elementos são:
- Volição: Motivação, intenção e autoconsciência. No exemplo acima, é o saber que está precisando repor o estoque de mantimentos;
- Planejamento: Saber quais passos devem ser seguidos para alcançar os resultados desejados. No exemplo, planejar a ida ao supermercado e quais itens serão comprados;
- Ação intencional: Comportamentos referentes à intenção. Para o exemplo anterior, a ação intencional seria ir ao supermercado e comprar os itens;
- Desempenho cognitivo: Autocorreção, monitoramento e regulação do comportamento. No exemplo, seria não desviar do foco do que deve ser comprado, evitar comprar o que é desnecessário, procurar pelos itens e não desistir caso não encontre o que precisa na primeira prateleira que ver, entre outros.
Pessoas que estudam o cérebro e as funções cognitivas sabem que tudo isso não se trata de uma função apenas, mas sim do resultado de diversas funções cognitivas trabalhando em conjunto em prol de um objetivo. Neste sentido, as funções executivas englobam funções como atenção, memória de trabalho, planejamento, entre outras. Dificuldades e prejuízos em qualquer uma dessas funções atrapalham na obtenção de resultados.
Modelo clínico da função executiva
Para entender melhor como a função executiva pode ser afetada, é preciso entender o modelo clínico da função executiva, que é dividido em 6 habilidades:
- Iniciativa;
- Resposta inibitória;
- Persistência na tarefa;
- Organização;
- Pensamento criativo (flexibilidade);
- Conscientização.
A iniciativa pode ser conceituada de maneira parecida com a volição, sem a qual a pessoa é incapaz de iniciar uma atividade. Já a resposta inibitória corresponde à capacidade de parar uma resposta automática. A persistência na tarefa diz respeito à habilidade de manutenção do comportamento, ou seja, manter a atenção e persistir na tarefa até completá-la. A organização seria o controle e a sequência das informações, auxiliando na organização e recordação de passos a serem tomados para realizar a tarefa, assim como evitar respostas desnecessárias. O pensamento criativo, por sua vez, refere-se à habilidade de gerar soluções para problemas que podem aparecer enquanto se executa a tarefa. Por fim, a conscientização pode ser descrita como a capacidade de monitorar e modificar, quando necessário, o próprio comportamento, a fim de corrigir falhas e utilizar o método mais efetivo de realizar uma tarefa.
Transtornos que afetam a função executiva
Existem diversos transtornos capazes de afetar a função executiva, resultando em um declínio na resolução de problemas e qualidade de vida do indivíduo. A FE pode ser afetada em qualquer etapa da vida, embora seu declínio seja frequentemente associado a uma idade mais avançada.
Em crianças, a FE é afetada com frequência por transtornos como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade ou epilepsia, em especial no lobo frontal. Já em adultos e idosos, as causas mais comuns de prejuízos na FE são traumas cranianos, aneurismas e demências.
Também é possível que os prejuízos na FE sejam causados por uso de substâncias psicoativas ou transtornos psiquiátricos como o transtorno afetivo bipolar, em especial nas fases de mania ou hipomania.
Função executiva e as emoções
Será que as nossas decisões são tomadas apenas se baseando em cálculos mentais? Será que, de alguma forma, as emoções não influenciam a função executiva na hora de tomarmos uma decisão e resolvermos um assunto?
A resposta é sim, as emoções influenciam na FE, sendo importantes para a tomada de decisões. Não é a toa que transtornos de humor podem prejudicar a FE, não é mesmo?
Uma das teorias que relaciona as emoções com a função executiva é a teoria do marcador somático, que diz que registros afetivos ajudam a tomar uma decisão mais rapidamente, ao invés de deixar tudo para processamentos de informação racionais que podem demorar algum tempo. Assim, se o indivíduo já passou por uma situação parecida antes e teve como resultado uma emoção positiva, então isso influenciará suas decisões futuras a respeito do problema. O mesmo acontece quando há uma emoção negativa.
Essas emoções são lembradas e, de certa forma, o corpo demonstra isso antes mesmo que a pessoa seja capaz de pensar por completo sobre a situação. É o caso do medo: não se trata de algo racional, mas as reações fisiológicas que o medo causa impede que tomemos uma decisão potencialmente perigosa.
Integrando a teoria do marcador somático e a função executiva, temos as funções executivas quentes e as funções executivas frias, que diferem pois a primeira tem influência de aspectos emocionais (afetivos, motivacionais e sociais), enquanto a segunda envolve apenas aspectos racionais para auxiliar na tomada de decisão e execução de tarefas.
O que acontece quando a função executiva está prejudicada?
Como visto anteriormente, a função executiva é de extrema importância para que seja possível resolver problemas. Sendo assim, prejuízos nessa função faz com que a pessoa encontre diversas dificuldades no dia a dia, não apenas para sua sobrevivência como também para seu convívio social.
Uma pessoa que não consegue perceber que está precisando comprar mantimentos para sua casa, por exemplo, pode acabar deixando de cuidar de seu lar, de sua alimentação, e até mesmo deixar outras pessoas passando necessidade. Já uma pessoa que tenha dificuldades no comportamento inibitório, por exemplo, pode fazer comentários desagradáveis durante uma conversa, prejudicando sua vida social, ou tomar atitudes impulsivas que podem trazer problemas graves, como engajar-se em situações de risco, usar drogas, entre outros.
Pessoas com dificuldade em manter a persistência na tarefa geralmente têm problemas de atenção, o que pode resultar em baixo desempenho acadêmico e profissional.
São inúmeros os prejuízos causados por uma função executiva deficitária. Felizmente, existem avaliações e tratamentos de reabilitação que podem auxiliar a recuperar essas funções, dependendo de cada caso.
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Embora não muito conhecidas fora da área da saúde mental, as funções executivas são de suma importância para nossa sobrevivência e convívio em sociedade.
Se você acha que está com problemas para executar tarefas por mais simples que elas sejam, talvez você esteja precisando de uma avaliação clínica. Converse com um psicólogo ou psiquiatra de confiança!
Referências
Hamdan, A. & Pereira, A. (2009). Avaliação Neuropsicológica das Funções Executivas: Considerações Metodológicas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22 (3), 386-393.
Uehara, E., Charchat-Fichman, H., & Landeira-Fernandez, J. (2013). Funções executivas: um retrato integrativo dos principais modelos e teorias desse conceito. Neuropsicologia Latinoamericana, 5(3), 25-37. https://dx.doi.org/10.5579/rnl.2013.145