HIV e transtornos mentais: qual a relação e quais as complicações?

A prevalência de sintomas psiquiátricos em soropositivos é de cerca de 50%. Compreenda a relação entre essas condições aqui!
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O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um vírus que enfraquece o sistema imunológico, responsável pela defesa do organismo em relação a vírus, bactérias e outros microrganismos causadores de doenças.

O vírus foi identificado na década de 80, sendo uma condição altamente mortal na época, pois ser infectado pelo vírus significava desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, popularmente conhecida como AIDS, uma condição bastante severa que pode debilitar a pessoa e levá-la ao óbito.

Hoje em dia, com a ajuda de medicamentos antirretrovirais, pessoas infectadas pelo HIV (chamadas de pessoas soropositivas) podem ter vidas funcionais e podem nunca desenvolver a AIDS, chegando até mesmo a não transmitir o vírus para outras pessoas ao fazer o tratamento de forma adequada.

O HIV pode ser transmitido pela troca de fluídos corporais como sangue e fluídos sexuais, sendo, portanto, considerado uma infecção sexualmente transmissível (IST). Por conta disso, existe um grande estigma associado à infecção por este vírus, considerando que sua transmissão está muito associada à promiscuidade no imaginário popular e ainda existe muita desinformação acerca da doença.

No entanto, existem muitas pessoas que acabam se infectando pelo vírus de outras formas, como no caso da transmissão ocupacional, na qual a pessoa é infectada durante o trabalho (comum em profissionais da saúde, em especial os que trabalham em salas de cirurgia e laboratórios de exames, por exemplo), e a transmissão por uso de drogas injetáveis por conta de seringas compartilhadas. Há também a transmissão de mãe para filho durante o parto ou aleitamento.

Embora o HIV seja um vírus que age no sistema imunológico, pesquisas mostram que ele possui uma correlação alta com transtornos mentais. Em outras palavras, muitas pessoas soropositivas acabam sendo diagnosticadas também com transtornos mentais, tanto antes quanto depois da infecção.

Relação do HIV com transtornos mentais

Sintomas neurológicos e psiquiátricos surgem em cerca de 50% das pessoas soropositivas, em qualquer fase da doença. Em cerca de 20% dessas pessoas, a presença desses sintomas podem também ser sinais iniciais do desenvolvimento de AIDS.

Dentre os motivos pelos quais pessoas com HIV apresentam uma grande taxa de transtornos mentais estão:

Comportamentos de risco pré-infecção

Pessoas com transtornos mentais tem mais chances de se sujeitar a situações de risco, como o uso de substâncias e sexo desprotegido, facilitando a contração do vírus.

Vírus neurotrópico

O HIV é um vírus neurotrópico, ou seja, apesar de ser um vírus que afeta primariamente o sistema imunológico, ele também pode ter ação direta no sistema nervoso central (cérebro). Não raramente, essa ação direta acarreta em lesões que podem ajudar a desencadear sintomas neurológicos e psiquiátricos.

Há também estudos que mostram que o vírus prejudica a neurogênese, ou seja, a capacidade do cérebro de gerar novas células. Por conta disso, as células prejudicadas pelo vírus não podem ser substituídas por células novas.

Medicação antirretroviral

O uso da medicação antirretroviral também influencia, visto que há medicações com efeitos colaterais que atingem o cérebro. Dentre os sintomas neurológicos e psiquiátricos causados pelos medicamentos antirretrovirais estão:

  • Mania;
  • Sintomas psicóticos como delírios;
  • Insônia;
  • Irritabilidade;
  • Sintomas depressivos;
  • Ideação suicida.

Infecções no sistema nervoso central por imunodeficiência

Por fim, há também a imunodeficiência, que aumenta as chances da pessoa contrair e desenvolver infecções oportunistas que podem gerar lesões cerebrais, como:

  • Encefalite por citomegalovírus;
  • Encefalite por toxoplasmose;
  • Meningite criptocócica;
  • Leucoencefalopatia progressiva multifocal;
  • Linfoma primário do sistema nervoso central;
  • Meningite tuberculosa.

Problemas no tratamento

A presença de transtornos mentais pode ser bastante prejudicial para o tratamento do HIV. Isso porque, não raramente, pessoas que sofrem de alguma desordem psiquiátrica podem ter dificuldade com a adesão ao tratamento, tanto por questões cognitivas (dificuldade em lembrar etc.) quanto por questões emocionais (falta de motivação, entre outras).

Por conta disso, essas pessoas podem acabar abandonando o tratamento, permitindo a evolução do vírus e consequentemente aumentando as lesões cerebrais. Por fim, isso pode acabar piorando a manifestação do transtorno mental, aumentando a severidade dos sintomas.

Um outro problema que surge nos casos de HIV com comorbidades psiquiátricas é a questão da interação medicamentosa, uma vez que os remédios usados para tratar as duas condições podem interagir entre si e prejudicar a eficácia do tratamento, bem como causar efeitos colaterais indesejados.

Comorbidades comuns ao HIV

Existem transtornos mentais que aparecem com mais frequência em pessoas com HIV. Alguns desses transtornos se desenvolvem como consequência da contração do vírus, mas existem vários que estão presentes desde antes e podem aumentar as chances de exposição ao HIV.

Dentre as comorbidades comuns, estão:

Depressão

Trata-se de uma das comorbidades mais frequentes nos casos de pessoas infectadas com HIV e, em cerca de 50% dos casos, ela não é diagnosticada e nem tratada.

A depressão pode se desenvolver por uma série de fatores, como o impacto emocional do diagnóstico e o estigma social em ser soropositivo.

Mesmo que, hoje em dia, existam tratamentos eficazes e que até diminuem consideravelmente as chances de transmitir o vírus para parceiros, a pessoa que é soropositiva pode sofrer rejeição e desprezo ao revelar sua condição, não só para potenciais parceiros, mas também para amigos e familiares.

Por se tratar de uma infecção sexualmente transmissível, há também o risco de ser visto como promíscuo e descuidado, o que não necessariamente é verdade. Muitas pessoas adquirem o vírus sem ter muitos parceiros, bem como de formas não sexuais, ou até mesmo ao ser vítima de abusos.

Transtorno bipolar

O transtorno bipolar é um transtorno de humor caracterizado pela presença de episódios de depressão e episódios de mania. Esse transtorno costuma surgir a partir da interação entre genes e ambiente.

No caso de pessoas soropositivas, é possível que o transtorno se manifeste após a infecção por conta de infecções oportunistas que provocam lesões cerebrais. No entanto, também é comum que pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar se envolvam em situações de risco, aumentando a exposição ao vírus.

Mania relacionada à AIDS (mania secundária)

A mania relacionada à AIDS é um quadro de humor que surge quando ocorre a evolução da doença. Os sintomas são parecidos com a mania bipolar, contudo, apresentam algumas diferenças como maior duração do episódio (mania crônica), maior dificuldade para tratar e mais agressividade do que sentimentos eufóricos.

Esse quadro também é chamado de mania secundária, tendo em vista que ela seria consequência da infecção pelo HIV, e não sintoma de um transtorno de humor. Essa mania é frequentemente observada em pessoas que não possuem histórico familiar de transtorno bipolar.

Alguns medicamentos antirretrovirais podem ajudar a impedir o desenvolvimento de mania secundária.

Abuso e dependência de substâncias

Quando uma pessoa sofre com transtornos de abuso e dependência de substâncias, há muitas chances de adotar comportamentos de risco que podem aumentar a exposição ao vírus HIV. Isso ocorre por conta de comportamentos como o compartilhamento de seringas, comportamento sexual de risco, entre outros.

Além disso, o problema da interação de substâncias existe aqui também, considerando que as drogas recreativas podem acabar interagindo com as medicações usadas para o tratamento do HIV.

Por fim, o surgimento de transtornos mentais como consequência da infecção pode fazer uma pessoa desenvolver o abuso de substâncias como maneira de tentar lidar com seus sentimentos.

Demência e quadros clínicos cognitivos

As lesões cerebrais podem, com o tempo, desencadear sintomas cognitivos que podem levar à demência. Contudo, nem sempre esses quadros clínicos satisfazem os critérios diagnósticos da demência, por serem de menor intensidade.

Dentre os sintomas desses quadros, estão problemas de memória, raciocínio, alterações na personalidade, problemas na fala, entre outros.

Transtornos de personalidade

Os transtornos de personalidade são transtornos que surgem a partir da adolescência ou no início da vida adulta e estão relacionados ao ambiente em que a pessoa tem o seu desenvolvimento na infância e adolescência.

Esses transtornos são caracterizados por traços de personalidade rígidos e alguns transtornos tem como sintoma de grande importância a impulsividade, o que aumenta a exposição a comportamentos de risco e ao vírus HIV. Além disso, o HIV pode exacerbar os sintomas dos transtornos de personalidade.

O transtorno de personalidade antissocial é bastante prevalente entre as pessoas com HIV. Esse transtorno tem como principal característica a presença de comportamentos que desrespeitam ou violam os direitos das outras pessoas.

Transtornos psicóticos secundários

Os transtornos psicóticos secundários são consequência do efeito neurotrópico do HIV, ou seja, surgem como resposta ao vírus no cérebro. Em geral, pessoas com esses transtornos apresentam delírios de perseguição, delírios somáticos (relacionados ao corpo) e delírios de grandiosidade.

Esquizofrenia

Atualmente, não existem evidências de que a infecção por HIV pode desencadear a esquizofrenia. No entanto, em pessoas que já sofrem desse transtorno, o tratamento pode ser dificultado por conta de interação medicamentosa, resultando em um maior risco de abandono do tratamento.

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

O transtorno de estresse pós-traumático pode aumentar os comportamentos impulsivos, autodestrutivos e de risco, o que também aumenta a chance de exposição ao HIV. Além disso, é possível que a pessoa desenvolva a condição por conta da maneira que o vírus foi contraído, como no caso de abusos sexuais, entre outros.

Tratamento

O tratamento do HIV em si é feito por meio de medicamentos antirretrovirais, ou seja, medicações que atacam diretamente o vírus. Esses medicamentos são distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), considerando que seu preço é bastante elevado e se trata de um problema de saúde pública por conta da alta transmissibilidade do vírus quando este não é tratado.

No que tange o tratamento dos transtornos mentais em conjunto com o HIV, é importante informar ao psiquiatra sobre uso de medicamentos antirretrovirais, para que o profissional possa fazer a seleção adequada dos medicamentos psiquiátricos, evitando assim interações medicamentosas que podem trazer efeitos colaterais indesejados.

Por fim, a psicoterapia é de bastante importância para trabalhar as questões emocionais relacionadas ao diagnóstico, bem como tratar os sintomas dos transtornos mentais em si, ajudando o paciente a recuperar sua qualidade de vida.

Apesar do estigma, hoje em dia viver com o HIV não é mais uma sentença de morte e é possível ter uma boa qualidade de vida ao realizar o tratamento corretamente.

No entanto, é importante buscar ajuda de um profissional da saúde mental ao apresentar sintomas psiquiátricos, o que acaba sendo comum nesses casos. O cuidado com a saúde mental também é de grande importância para prevenir novas infecções, considerando os casos de pessoas que apresentam comportamentos de risco por conta de um transtorno não tratado.

Se você apresenta sintomas psiquiátricos, não hesite em procurar ajuda profissional!

Referências

el-Mallakh, R. S. (1991). Mania in AIDS: clinical significance and theoretical considerations. Int J Psychiatry Med., 21(4):383-91. doi: 10.2190/08UJ-61E8-B2RF-0TCN. PMID: 1774129.

Pinho, C. S. N. (2015). Transtornos mentais em pacientes portadores de HIV: um estudo de prevalência e fatores associados. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará: Fortaleza. http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/16971

https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-neuropsychiatric-aspects-of-hiv-infection-and-aids?source=search_result&search=Overview%20of%20the%20neuropsychiatric%20aspects%20of%20HIV%20infection%20and%20AIDS&selectedTitle=1~150

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