Você já ouviu falar em invalidação emocional? É um problema recorrente e muitas vezes sutil, mas que pode ter consequências para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
A invalidação emocional se dá quando os sentimentos e emoções de uma pessoa são tratados como errados, inadequados para a ocasião. Isso é muito comum em crianças, quando elas sentem medo ou tristeza por razões que, para adultos, não são grande coisa.
Nesses casos, os pais costumam fazer comentários que fazem a criança sentir que suas emoções estão erradas, como “que besteira, não tem porquê chorar!”. Quem nunca ouviu isso, não é mesmo?
O problema é que esse tipo de resposta ao sentimento da criança faz com que ela não aprenda a lidar com suas próprias emoções, uma vez que é obrigada a reprimi-las. Desta forma, desenvolvimento da inteligência emocional da criança é corrompido. A consequência? Uma regulação emocional fraca e ineficiente, fonte de muito sofrimento.
A invalidação pode ser sutil
Talvez a maior dificuldade em combater a validação emocional é o fato de que ela pode ser muito sutil em grande parte das vezes. Pode ser vista, inclusive, como algo natural na criação dos pequenos.
Apesar de os pais sempre estarem tentando confortar a criança quando algo acontece, muitas vezes o tiro pode sair pela culatra. Até porque, na urgência de acabar com os sentimentos negativos dos filhos, eles acabam dizendo coisas como “pare de chorar”, “esse seu medo é besteira”, entre outras frases que fazem a criança sentir como se estivesse fazendo algo errado por sentir aquela emoção.
De uma outra forma, pais podem achar que elogiar seus filhos repara o erro da invalidação, quando na verdade apenas piora. É o caso de quando a criança tem medo do primeiro dia de aula e, ao chegar em casa, os pais falam “parabéns, você conseguiu! Viu como não precisava ter medo?”. Ao dizer para a criança que o medo era desnecessário, automaticamente os pais invalidam esse sentimento, dizendo que ele não era adequado para a ocasião, ao mesmo tempo em que parabenizam o filho por uma conquista.
Desse modo, a criança aprende que reprimir suas emoções é o caminho para o sucesso, uma vez que recebe elogios quando faz isso.
Ligação com transtornos mentais
Estudos recentes têm mostrado cada vez mais que crescer em um ambiente invalidante aumenta a possibilidade de desenvolvimento de transtorno de personalidade borderline (TPB), ou limítrofe, um transtorno caracterizado por sentimentos crônicos de vazio, desregulação emocional e relacionamentos interpessoais conturbados.
As pesquisas mostram que uma coisa que diversos pacientes com TPB têm em comum foi uma infância e adolescência em ambientes altamente invalidantes, onde seus sentimentos sempre foram tomados como desnecessários ou inadequados à situação.
A invalidação emocional pode levar a um comportamento comum no transtorno de personalidade borderline: a automutilação. Isso porque a medida em que a criança vai crescendo e amadurecendo, ela procura maneiras de fazer com que seus pais ou responsáveis respondam aos seus sentimentos de uma maneira positiva, validando-os. Essa procura pode se tornar tão intensa a ponto do indivíduo materializar os sentimentos negativos através da automutilação, em busca de validação — em teoria, não se pode negar o sofrimento de quem se machuca intencionalmente.
Contudo, apenas a invalidação emocional não é o bastante para o desenvolvimento do problema. Todos nós passamos por situações em que nossos sentimentos são invalidados, e não são todos que acabam por desenvolver um transtorno. Outros fatores importantes a serem levados em consideração são a vulnerabilidade emocional da pessoa e o tempo de exposição a essas invalidações. O transtorno é mais frequente em pessoas que tiveram uma exposição crônica a situações em que seus sentimentos foram invalidados.
Vulnerabilidade emocional
A invalidação emocional tende a ser mais prejudicial em indivíduos com alta vulnerabilidade emocional. Essa característica é muito frequente em pacientes com TPB, e potencializa os efeitos nocivos da invalidação.
As características de uma pessoa com alta vulnerabilidade emocional são:
- Ter respostas emocionais facilmente (animar-se ou ficar triste com pouca coisa, por exemplo);
- Expressar suas emoções intensamente, até mesmo de maneira dramática;
- Demorar mais para se acalmar ou voltar ao normal após passar por uma situação que estimula uma resposta emocional.
Entendendo o esforço necessário para conter emoções tão intensas, fica claro como a invalidação é extra prejudicial nesses casos.
Como validar uma resposta emocional
Sabendo que a validação é essencial para uma boa regulação emocional, o próximo passo é aprender a validar uma resposta emocional. Devido a maneira que fomos criados, tendemos a repetir esse padrão de invalidar coisas que nos parecem bobas, mas que para o outro significam muito. De início, pode ser difícil, mas quebrar esse padrão é totalmente possível.
Passo 1: Identificar e entender a emoção
Em um primeiro momento, é importante identificar qual a emoção que a pessoa está sentindo. Às vezes, o próprio indivíduo deixa isso claro, mas tem vezes em que, por algum motivo, ele não deseja manifestar claramente o que está sentindo.
Nesses casos, pergunte à pessoa como ela se sente ou, se ela não souber colocar em palavras, você pode tentar adivinhar e perguntar se é isso mesmo. Ao observar uma pessoa com um semblante apreensivo, você pode deduzir que se trata de preocupação, e perguntar para que a pessoa confirme: “Você parece preocupado, é isso mesmo?”.
Passo 2: Entender a causa da emoção
Talvez a parte mais complicada seja entender a causa de uma emoção. Às vezes, nem a própria pessoa sabe. Ou então você não consegue entender como aquele motivo leva a essa emoção.
Pergunte à pessoa o motivo de ela estar se sentindo assim e ouça atentamente, sem julgar. Pode parecer o motivo mais bobo do mundo para você, mas se a pessoa está alterada por conta disso, é um sinal de que significa algo para ela.
Para uma criança, por exemplo, um atraso de 15 minutos do pai pode ser motivo de preocupação — ela pode acreditar que o pai foi embora para sempre, enquanto na verdade ele estava simplesmente preso em um engarrafamento.
Compreender a causa é a chave para validar o sentimento, especialmente quando se trata de um motivo aparentemente bobo ou insignificante.
Passo 3: Validação
Este é o momento em que você deve demonstrar que entende o sentimento e que ele não está errado. É quando o pai chega para a criança preocupada e diz: “Eu entendo que você está preocupado porque eu demorei, mas eu peguei um engarrafamento e não pude chegar mais cedo. Não era minha intenção preocupar você”.
Não é necessário pedir desculpas pelo seu comportamento — especialmente se não for sua culpa —, mas é importante deixar claro que você compreende o sentimento, ao invés de dizer “não precisava sentir isso”, por mais que 15 minutos de atraso não seja algo tão preocupante para você ou para outras pessoas ao seu redor.
Você também pode aproveitar esse momento para sugerir alguma maneira de melhorar a situação, se isso for possível. Isso porque validar um sentimento não significa acabar com ele. O indivíduo pode continuar se sentindo triste, mesmo que você deixe claro que entende essa tristeza.
Contudo, a validação é importante para que a própria pessoa não busque acabar com esse sentimento através de repressão. Dessa forma, ela irá aprender como regular suas emoções de maneira mais eficiente.
É como um machucado: você não pode forçar ele a se curar, mas você pode reconhecer o dano, limpar a ferida e esperar que ele cicatrize sozinho. Ignorar o machucado é prejudicial pois pode levar a infecções. Além disso, ignorar sua existência é expor o machucado a possibilidade de novos danos, prejudicando ainda mais a regeneração do tecido.
Validação não é resignação
Um outro ponto importante a ser falado quando se trata de validação emocional é que não se trata de um tipo de resignação. Caso o indivíduo esteja usando seus sentimentos para justificar ações prejudiciais, como usar a raiva para machucar você, é importante que você se proteja e saia do recinto.
Compreender a raiva de uma pessoa querida não é o mesmo que se submeter aos maus tratos. No entanto, tentar pará-la pode ser ainda pior, uma vez que a raiva costuma ser um sentimento que se intensifica a cada tentativa de repressão.
Por isso, busque validar os sentimentos das pessoas amadas, mas não se submeta a eles. Lembre-se: a regulação emocional deve ser feita pela própria pessoa, e não é função sua acabar com o sentimento dela.
Pode ser muito complicado validar as emoções dos outros, especialmente quando elas parecem exageradas para a situação. No entanto, é importante ter em mente que reprimir essas emoções não ajuda em nada: na realidade, até prejudica o processo de regulação emocional que a pessoa precisa passar.
Se você tem filhos ou convive com pessoas com alta vulnerabilidade emocional, lembre-se sempre da importância da validação dessas emoções. Caso você tenha problemas com a sua regulação emocional, visitar um profissional da saúde mental pode ser de grande ajuda
Referências
https://www.verywellmind.com/invalidating-environment-contributor-to-bpd-425186
https://www.verywellmind.com/emotionally-invalidating-environment-425303
https://www.verywellmind.com/what-is-emotional-validation-425336