Juliano Moreira: o médico baiano que humanizou o tratamento psiquiátrico

Filho de empregada doméstica, Moreira conseguiu ingressar precocemente na faculdade de medicina, tendo uma carreira de muito sucesso. Entenda!
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Existem diversas personalidades que fizeram com que a psicologia e a psiquiatria chegassem onde estão. O campo da saúde mental hoje só é capaz de oferecer um tratamento humanizado e eficaz por conta dessas pessoas. Dentre elas, destaca-se o baiano Juliano Moreira.

Nascido alguns anos antes da aprovação da Lei Áurea, que acabou com a escravidão, Juliano Moreira é uma das mais importantes figuras históricas no campo da saúde mental no Brasil. Seus feitos não apenas revolucionaram o tratamento dos transtornos mentais, como também combateram teorias racistas que eram tidas com ciência na época.

Quem foi Juliano Moreira?

Nascido em 6 de janeiro 1872, Juliano Moreira era filho de Galdina Joaquina do Amaral, mulher negra que trabalhava como empregada doméstica para o Barão de Itapuã, e do português Manoel do Carmo Moreira Junior, que só veio a reconhecê-lo como filho posteriormente.

O Barão de Itapuã, chamado Luís Adriano Alves de Lima Gordilho, era médico e professor de faculdade, fazendo com que Juliano tivesse contato com a área desde a infância. Em 1886, com apenas 14 anos de idade, Juliano Moreira conseguiu ingressar na Faculdade de Medicina da Bahia.

Durante a faculdade de medicina, Juliano estudou a disciplina de Medicina Legal. Seu professor, Raymundo Nina Rodrigues, defendia a teoria da degenerescência racial, que entendia que traços psicológicos indesejados eram fruto da miscigenação.

Essa teoria tinha como base o racismo científico, importado dos europeus, que via o homem branco europeu como superior aos supostos “povos primitivos”. Com isso, o professor Rodrigues defendia, influenciado pelo criminólogo italiano Cesare Lombroso, que diferentes raças deveriam ter diferentes códigos penais.

Juliano ia contra essas ideias, contestando a cientificidade dessas teorias. No entanto, na época, isso era um posicionamento um tanto quanto raro entre os médicos e a comunidade científica. Moreira também era contra a teoria, muito difundida na época, de que alguns transtornos mentais eram fruto do clima tropical brasileiro.

Para Juliano Moreira, os transtornos mentais e degenerativos estavam mais relacionados ao consumo de álcool, à enfermidades como sífilis e verminoses, bem como às condições sanitárias da época. Hoje em dia, sabe-se que a visão de Moreira corresponde melhor à realidade, diferentemente das teorias racistas defendidas pelos acadêmicos da época.

Moreira formou-se aos 18 anos, com sua tese “Etiologia da syphilis maligna precoce”. O estudo de Moreira é referência no conhecimento sobre a sífilis até hoje. Inicialmente, Juliano estudava principalmente dermatologia, e seu interesse pela saúde mental só se desenvolveu mais tarde.

Com seu crescente fascínio pela saúde mental, Juliano passou a visitar asilos europeus entre 1895 e 1902, passando por países como Alemanha, Inglaterra, França, Itália, entre outros. Essas viagens fizeram o médico conhecer sua esposa, a enfermeira alemã Augusta Peick, com quem se casou na década de 1910.

Ao retornar ao Brasil, Juliano Moreira começou a aplicar uma série de medidas mais humanizadas no tratamento de pessoas com transtornos mentais internadas nos asilos, também conhecidos como manicômios. Na época, essas pessoas eram chamadas de “alienadas”, e os profissionais da saúde mental eram conhecidos como “alienistas” ao invés de psiquiatras.

A vida de Juliano Moreira chegou ao fim em 2 de maio de 1933, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro. A causa de sua morte teria sido tuberculose.

Legado de Juliano Moreira

A carreira de Juliano Moreira deixou um legado imenso no tratamento da saúde mental no Brasil. Dentre seus maiores feitos estão a humanização no tratamento de pessoas com transtornos mentais, bem como contribuições para a estrutura hospitalar.

Das principais contribuições de Juliano Moreira estão:

Humanização do tratamento em hospitais psiquiátricos

Os hospitais psiquiátricos, que na época não recebiam esse nome, eram conhecidos por práticas bastante desumanas no tratamento das pessoas ali internadas. Frequentemente, esses hospitais se assemelhavam a prisões, tanto em sua estrutura física como no tratamento dos pacientes. Juliano discordava que os pacientes deveriam ser tratados desta forma. Portanto, dentre as medidas instauradas pelo psiquiatra, estão:

  • Abolição de coletes, camisas de força e outros aparatos restritivos como algemas;
  • Remoção de grades das janelas dos quartos de internamento;
  • Implementação de música nos corredores dos hospitais;
  • Separação de crianças e adultos, culminando na criação da enfermaria infantil;
  • Extensão a assistência em saúde mental aos familiares dos internados;
  • Criação de laboratórios nos hospitais;
  • Fundação de oficinas de trabalho para pacientes.

Oficinas de trabalho terapêuticas

A instauração de oficinas de trabalho não tinham apenas como objetivo treinar os pacientes para iniciar uma profissão, mas também servia um propósito terapêutico, ajudando os pacientes a manterem-se produtivos mesmo quando estão sendo acometidos pelos sintomas de seus respectivos transtornos.

Dentre as oficinas oferecidas, estavam as oficinas de ferreiro, mecânica, carpintaria, marcenaria, tipografia e encadernação, sapataria, colchoaria, vassouraria, pintura e bombeiro. Haviam também oficinas artísticas. Além de ajudar na recuperação, essas oficinas também ajudavam a trazer uma renda para os pacientes.

Naquela época, o campo da terapia ocupacional ainda não existia. Portanto, essas oficinas implementadas por Juliano Moreira são frequentemente creditadas como o início da terapia ocupacional.

Lei geral de Assistência a Alienados

Na época de Juliano Moreira, os pacientes psiquiátricos eram presos em hospícios com o respaldo de lei, sem que fosse necessariamente ofertado um plano de acolhimento e tratamento. O psiquiatra pode então ajudar essa população ao instituir a lei geral de Assistência a Alienados (decreto n. 206-A, de 15 de fevereiro de 1890), que consistia em garantir o socorro a indivíduos alienados (ou seja, pessoas com transtornos mentais) que estivessem precisando de ajuda, independente de nacionalidade.

Precursor da psicanálise no Brasil

Por ler diretamente do alemão, Juliano Moreira conseguiu ter contato com os trabalhos de Freud na mesma época em que eles eram lançados, sem precisar passar por outras traduções até chegar no português brasileiro. Com isso, o psiquiatra foi um dos primeiros acadêmicos e profissionais brasileiros a ter contato com a psicanálise. No entanto, apesar de ajudar a difundir as teorias de Freud, também costumava ser crítico ao seu trabalho, não aplicando a psicanálise diretamente em seu trabalho como profissional da saúde mental.

Outras conquistas da vida profissional de Juliano Moreira

Além dos feitos para a saúde mental no Brasil, Juliano Moreira teve diversas conquistas ao longo de sua carreira.

Em 1926, tornou-se presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Como membro da Academia que falava alemão, fez o discurso de boas vindas ao físico Albert Einstein em sua visita ao Brasil em 1925. Estima-se que Einstein tenha gostado muito da apresentação de Juliano, pois aceitou um convite de almoçar em sua casa alguns dias depois. Moreira também foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina legal.

Entre 1893 e 1903, Juliano Moreira também trabalhou no Asylo São João de Deos, que era associado à Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Posteriormente, o hospital mudou de nome para Hospício São João de Deus, em 1922, e Hospital São João de Deus, em 1925. Após seu falecimento, em 1936, o hospital ganhou o nome Hospital Juliano Moreira, sendo referência em tratamento psiquiátrico na Bahia até hoje.

Em 2001, foi criado o Prêmio Juliano Moreira pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Este prêmio é oferecido ao graduando de medicina que mais tenha atividades de extensão expressivas ao longo do curso, e a premiação ocorre semestralmente.

Por fim, no Hospital Juliano Moreira, foi criado um memorial com seu nome a fim de preservar sua memória e seus feitos.

A psiquiatria e o campo da saúde mental não seria o mesmo sem a existência de profissionais como Juliano Moreira, que instituiu diversas pautas que posteriormente seriam um pontapé inicial para a Luta Antimanicomial, trazendo um tratamento mais humanizado e significado a pessoas que sofrem de transtornos mentais.

Se você sofre de algum transtorno mental ou suspeita que está lidando com sintomas psiquiátricos, não hesite em buscar ajuda de um profissional da saúde mental!

Referências

https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-01-06/juliano-moreira-o-psiquiatra-negro-que-revolucionou-o-tratamento-das-doencas-mentais-no-brasil.html
https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/52024
https://www.scielo.br/j/rbp/a/wzF5QyZ7pVvVVF5VqRHwSHf/
https://www.bbc.com/portuguese/geral-55557894
https://mapa.arquivonacional.gov.br/index.php/dicionario-primeira-republica/724-assistencia-medica-e-legal-de-alienados

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