Maconha não serve para tratamento de vício em cocaína, aponta estudo

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

Muitas pessoas veem a maconha como uma droga mais leve, capaz de reduzir danos e auxiliar no tratamento do vício em outras drogas. Contudo, um estudo brasileiro publicado recentemente mostra que isso não é bem verdade e que o uso de maconha pode, de fato, piorar o vício.

O estudo acompanhou 123 pessoas, das quais 63 eram dependentes de cocaína e usuários de maconha, 24 dependentes de cocaína apenas e 36 voluntários saudáveis sem histórico de uso de droga. Como resultado, os autores afirmam que o uso de maconha não ajuda na recuperação do vício.

Pessoas que lidam com um vício frequentemente sofrem com a chamada “fissura”, que é uma vontade incontrolável de usar a droga. No caso de usuários de cocaína, muitos acabam fumando maconha para tentar controlar essa fissura, o que antes era visto como relativamente positivo até mesmo pela ciência, levando em conta que os danos causados pela cocaína frequentemente são mais devastadores que aqueles causados pelo uso da maconha.

De acordo com os autores, o uso de maconha e cocaína em conjunto é um tanto frequente porque as duas drogas possuem efeitos complementares. A cocaína é uma substância estimulante, enquanto a maconha está associada a sensação de relaxamento e diminuição da ansiedade.

Entretanto, o que os autores do estudo verificaram é que, mesmo usando essa “técnica” para lidar com as fissuras, as pessoas que sofrem de dependência de cocaína ainda têm uma maior chance de recaída a longo prazo. Além disso, a maconha também altera algumas capacidades cognitivas, como a atenção e a memória, trazendo ainda mais prejuízos aos usuários de ambas substâncias.

Como foi feito o estudo?

Os participantes do estudo dependentes de cocaína fizeram um tratamento durante um mês de internamento voluntária no Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da USP. Após o tratamento, esses participantes foram acompanhados pela equipe de pesquisadores em três momentos após o tratamento: depois de 1 mês, 3 meses e 6 meses.

Vale lembrar que a maior parte dos participantes eram homens entre 25 e 35 anos de idade, com cerca de 10 anos de escolaridade. O grupo controle, formado por pessoas não usuárias de drogas, foi composto por desde funcionários do próprio hospital até moradores da vizinhança, sendo um grupo bastante heterogêneo.

Resultados

Os resultados dos acompanhamentos foram os seguintes:

  • Usuários de cocaína e maconha: Após a alta, 77% mantiveram abstinência por 1 mês, 35% após 3 meses e apenas 19% após 6 meses;
  • Usuários de cocaína apenas: Após a alta, 70% mantiveram abstinência por 1 mês, 44% após 3 meses e 24% após 6 meses.

Embora o grupo que fizesse uso de cocaína e maconha tivesse mantido maior abstinência durante o primeiro mês quando comparados aos usuários de cocaína apenas, com o tempo o quadro se inverteu: aqueles que faziam uso apenas da cocaína conseguiram se manter em abstinência por mais tempo do que os que faziam o uso das duas drogas.

Grupo controle

O grupo controle serviu para ajudar a comparar os prejuízos neurocognitivos nos usuários das drogas. As habilidades neurocognitivas foram medidas por meio de testes cognitivos e exames de neuroimagem. Foram utilizados também testes de urina para assegurar que os participantes não fizeram o uso de nenhuma outra droga durante o acompanhamento.

Os dois grupos usuários de cocaína tiveram prejuízos em áreas como a memória, velocidade de processamento e tomada de decisão. Para piorar o quadro, o grupo que utilizava maconha em conjunto com a cocaína tiveram resultados ainda piores, em especial nas chamadas funções executivas — capacidades cognitivas que permitem execução de ações a fim de atingir um objetivo, ou seja, a capacidade de planejamento, ação e desempenho. Os participantes deste grupo mostraram também uma maior dificuldade em frear impulsos.

Limitações

Como qualquer estudo, este também sofreu algumas limitações. Dentre elas, é possível citar a falta de controle sobre outros fatores que impactam as funções cognitivas, como a qualidade do sono, a falta de um grupo formado por usuários de maconha apenas e a impossibilidade de analisar a maconha utilizada pelos participantes (para investigar os níveis das substâncias contidas na maconha e seus efeitos nos usuários).

E o canabidiol?

O estudo fala especificamente do fumo da maconha, não abrangendo o uso de outra substância originária da cannabis que é muito estudada atualmente, o canabidiol. Várias pesquisas existentes mostram que o canabidiol tem efeitos terapêuticos em uma variedade de condições, sendo necessário explorar mais as possibilidades dentro do tratamento de vício em drogas.

Vale lembrar que o canabidiol é uma das substâncias ativas da cannabis e que ele não possui efeito recreativo, ou seja, ele não deixa a pessoa “chapada”. Os estudos com canabidiol são feitos com a substância isolada, e não por meio da maconha fumada. Ou seja, o canabidiol puro (isolado do resto das substâncias da cannabis) possui efeitos terapêuticos, mas quando usado em conjunto com outras substâncias, como o THC (princípio ativo recreativo da maconha), ele pode não ser tão eficaz assim.

Como é o tratamento para a dependência de cocaína?

Atualmente, não existem tratamentos farmacológicos para a dependência de cocaína, e a maconha, que vinha sendo estudada há muitos anos, aparenta não ser uma alternativa promissora.

O tratamento para dependência atualmente é feito através da abstinência, tratamento de transtornos psiquiátricos que podem estar associados ao vício, como a depressão e a hiperatividade, bem como a terapia cognitivo-comportamental, que pode auxiliar a lidar com problemas como a fissura através do desenvolvimento de comportamentos menos prejudiciais.

Apesar de a maconha ser frequentemente apontada como uma droga com qualidades terapêuticas, isso não significa que seu uso é indicado para o tratamento de vícios. O que este estudo mostra é que, mesmo sendo uma droga considerada redutora de danos, ela ainda traz mais prejuízos do que o esperado para o usuário.

Contudo, a cannabis possui uma outra substância que pode ser estudada neste contexto também, o canabidiol que, na sua forma pura, demonstra eficácia terapêutica em várias frentes.

Se você lida ou conhece alguém que lida com dependência química, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!

Referências

De Oliveira, H. P. et al (2019). Distinct effects of cocaine and cocaine + cannabis on neurocognitive functioning and abstinence: A six-month follow-up study. Drug and Alcohol Dependence, 107642. doi:10.1016/j.drugalcdep.2019.107642

https://www.bbc.com/portuguese/amp/geral-51114635

Confira posts relacionados