Marsha M. Linehan e seu impacto no tratamento de pacientes suicidas

De paciente à especialista: esta é a história de vida da Marsha Linehan, fundadora de uma das terapias mais eficazes para suicídio
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Um dos grandes nomes quando se fala em prevenção do suicídio é Marsha M. Linehan, psicóloga americana fundadora da terapia comportamental-dialética (DBT). Além de psicóloga, Linehan foi professora de psicologia e professora adjunta de psiquiatria e ciências comportamentais na Universidade de Washington, bem como diretora das Clínicas de Pesquisas em Comportamento e Terapias.

Durante grande parte de sua carreira, Marsha pesquisou principalmente o transtorno de personalidade borderline (TPB), condição da qual sofria em sua juventude. Em 2011, Marsha resolveu ir a público realizando uma palestra falando de sua vida e como começou a trabalhar com pacientes suicidas, e em 2020 lançou sua autobiografia em um livro chamado “Building a Life Worth Living: A Memoir”.

História de vida de Marsha M. Linehan

Nascida em 1943, Linehan teve a sensação de ser um problema desde a infância. Frequentemente comparava-se com seus irmãos, todos magros e bem sucedidos, enquanto ela mesma tinha problemas com seu peso e com a aceitação de sua própria mãe.

Em sua autobiografia, Linehan relata que, quando sua mãe recebia alguma crítica ou comentário sobre Marsha, ao invés de tentar defender a menina, queria tentar “consertá-la”, e isso foi algo que ela só foi perceber que era invalidante na idade adulta, quando viu outras mães defendendo suas filhas e percebendo que ela nunca teve isso durante sua infância.

Estima-se que seu histórico de invalidação constante e problemas com a aceitação pode ter influenciado muito em sua saúde mental, que encontrou um declínio rápido ao final do ensino médio. Linehan relata que, durante o ensino médio, era uma aluna exemplar e até mesmo popular, chegando a ser nomeada candidata por voto popular para rainha do Mardi Gras (uma espécie de carnaval comemorado nos Estados Unidos).

Contudo, ao final do ensino médio, viu-se sozinha. Enquanto suas amigas tinham namorados, ela não chegou a ter. Relata que até teve alguns romances de curta duração, mas nunca um compromisso a longo prazo como de suas amigas.

Neste momento, Marsha começou a lidar com a ideia de que não poderia ser amada, chegando a desenvolver sentimentos de ódio por si mesma, uma agonia tão extrema que a fazia ter o desejo de tirar a própria vida. Foi então que foi admitida como paciente no hospital psiquiátrico Institute of Living. Lá, foi transferida para a ala dos pacientes mais conturbados, ou seja, aqueles pacientes que apresentam um quadro mais complexo e de alto risco.

Diagnosticada com esquizofrenia, Marsha foi tratada com diversos medicamentos e até mesmo eletroconvulsoterapia, que na época não era feita com os cuidados atuais, sendo uma prática bastante desumana. Infelizmente, nenhum dos tratamentos foi verdadeiramente efetivo. Durante sua estadia no instituto, desenvolveu comportamentos autolesivos como cortes, queimaduras e bater a cabeça na parede ou no chão repetidas vezes.

Durante o internamento, Marsha também passou um tempo considerável em uma cela de isolamento, equipada somente com uma cama, uma cadeira e uma janela com grades.

Sendo muito religiosa, Marsha comparava seu sofrimento psíquico com estar no inferno. Apesar disso, ela queria se recuperar de toda forma, e prometeu a si mesma que, quando saísse desse inferno, iria dar um jeito de tirar outras pessoas de lá também.

Foi assim que, ao sair da instituição psiquiátrica, Marsha se graduou com honra em psicologia na Loyola University Chicago e dedicou sua vida ao desenvolvimento de uma psicoterapia que pudesse ajudar pessoas que estivessem lidando com quadros parecidos com o que viveu no início de sua vida adulta.

Embora, na época, Linehan tenha sido diagnosticada com esquizofrenia, hoje em dia seus sintomas satisfazem os critérios para o diagnóstico do transtorno de personalidade borderline (TPB), um transtorno caracterizado por emoções intensas, alta impulsividade e ideação suicida crônica.

Desenvolvimento da terapia comportamental-dialética (DBT)

Ao querer ajudar outras pessoas que viviam o mesmo quadro apresentado por Linehan, ela resolveu testar empiricamente algumas coisas que percebeu com sua própria experiência. Foi assim que Marsha postulou os dois primeiros pontos principais da DBT:

  • Aceitação: A fim de viver uma vida que vale a pena, a pessoa deve aprender a aceitar as coisas como elas são;
  • Mudança: Para que haja crescimento, é necessário mudar os comportamentos que causam prejuízo.

O termo “dialética” vem justamente dessa ideia de que esses opostos, aceitação e mudança, podem dar origem a uma série de outros comportamentos mais adaptativos e saudáveis em pessoas em grande sofrimento psíquico.

Neste sentido, a aceitação se refere a aceitar a vida e as coisas como elas são, sem ficar comparando constantemente com o que ela deveria ser. Muitas pessoas não gostam de si mesmas, por exemplo, por serem diferentes daquilo que tem como ideal do que deveriam ser. No entanto, ao aceitar essa realidade, é possível trabalhar melhor esses sentimentos e começar a fazer planos de ação que aproximem mais a pessoa dos seus objetivos de forma realista, promovendo a mudança e evitando comparações constantes com um ideal, muitas vezes, inalcançável.

Um outro fator que influenciou bastante no desenvolvimento desta terapia foi um treinamento em espiritualidade Zen, que fez Linehan perceber que o mindfulness (foco no momento presente) é de bastante importância para o bem-estar e a saúde mental em geral. Por conta disso, um outro pilar importante da DBT é o treinamento da habilidade de mindfulness, que foi incorporada à terapia após diversos estudos científicos demonstrando sua eficácia.

Dentre os objetivos da terapia comportamental-dialética estão:

  • Auxiliar o paciente a regular suas emoções, evitando agir sobre elas por impulso e, por consequência, diminuindo comportamentos disfuncionais e autolesivos;
  • Ajudar o paciente a validar suas próprias emoções e vivências, o que ajuda na regulação emocional e na compreensão de si mesmo, sua vida e seus objetivos;
  • Desenvolver comportamentos adaptativos, ou seja, comportamentos que trazem menos prejuízo a longo e curto prazo.

Durante as décadas de 80 e 90, Marsha pesquisou os efeitos da sua nova terapia em pacientes com ideação suicida e de alto risco, conseguindo progresso significativo com 100 pessoas que se comprometeram a fazer sessões de terapia uma vez por semana. Quando comparados a pacientes com quadros parecidos que realizavam outros tipos de terapia, os pacientes da DBT apresentam menos tentativas de suicídio e menos hospitalizações.

Ao observar pessoas com quadros parecidos, Linehan percebeu que seus sintomas se encaixavam no diagnóstico de transtorno de personalidade borderline e, por isso, quis desenvolver uma terapia dirigida a essa população. Hoje em dia, no entanto, a indicação da terapia se expandiu consideravelmente, sendo usada também para o tratamento de abuso de substâncias e transtornos alimentares.

Por fim, a terapia comportamental-dialética pode ser benéfica para qualquer paciente que lide com ideação suicida crônica, dificuldade na regulação das emoções e impulsividade. Esses fatores estão presentes em uma série de transtornos mentais, incluindo depressão, transtorno bipolar, ansiedade, entre outros.

Como a terapia de Linehan ajuda pacientes suicidas?

A DBT entende que muitos comportamentos desadaptativos, como é o caso do suicídio, surgem porque a pessoa acaba por não desenvolver algumas habilidades cruciais para lidar com o seu emocional e sua impulsividade.

Em outras palavras, é a falta dessas habilidades que levam a pessoa a um comportamento mais extremo e intenso, trazendo riscos às suas relações e até mesmo à sua vida.

Essas habilidades são interdependentes, ou seja, elas dependem uma da outra para funcionar. As habilidades de aceitação e mindfulness são extremamente importantes para conseguir pôr em prática as habilidades de regulação emocional e de tolerância ao mal estar, por exemplo.

No caso de pacientes com ideação suicida crônica, a DBT pode ajudar por ser uma terapia que fornece uma estrutura que aborda as necessidades emocionais e comportamentais do paciente de forma integrativa, ajudando a lidar com as adversidades de forma equilibrada.

As habilidades trabalhadas na DBT que ajudam no combate ao suicídio são:

Habilidades de regulação emocional

Para conseguir regular as próprias emoções, os pacientes da DBT aprendem a identificar e nomear o que sentem, bem como aceitar o que está sendo sentido no momento. Depois disso, desenvolvem também comportamentos mais saudáveis para conseguir lidar com essas emoções, diminuindo a impulsividade e os comportamentos autodestrutivos.

Habilidades de aceitação

A aceitação incondicional é uma das habilidades mais importantes para a DBT, pois é a partir dela que é possível tomar os próximos passos para a regulação e adaptação dos comportamentos. Ver a realidade como ela é, e não como deveria ser, é de extrema importância para conseguir trabalhar emoções e expectativas.

Da mesma forma que uma pessoa dependente química só consegue se tratar ao aceitar a realidade da sua dependência, uma pessoa que tem comportamentos intensos e impulsivos só pode trabalhá-los na terapia ao aceitar que tende a agir dessa forma.

Mindfulness

O mindfulness se refere à habilidade de estar presente no aqui-e-agora, evitando julgamentos. É uma habilidade que ajuda bastante com a aceitação também, considerando que exige o contato com a realidade como ela se apresenta no momento presente.

É muito comum para pessoas que lidam com emoções intensas acabar trazendo a tona problemas do passado durante uma discussão, por exemplo, ao invés de focar no problema atual a fim de resolvê-lo.

Neste sentido, o mindfulness pode ajudar a pessoa a focar na questão que está acontecendo no agora, evitando criar ressentimentos.

Habilidades de tolerância ao mal estar

Às vezes, a frustração e o mal estar são inevitáveis. Justamente por isso é importante desenvolver habilidades para lidar com estes sentimentos, sem recorrer a comportamentos autodestrutivos.

Essas habilidades também são chamadas de “habilidades de sobrevivência a crises”, pois o mal estar e a frustração podem causar crises bastante intensas.

Uma das habilidades de tolerância ao mal estar envolve fazer uma lista de prós e contras ao pensar em uma forma de agir potencialmente prejudicial para lidar com essas emoções intensas e desagradáveis.

Outro exemplo de habilidade é provocar alterações na fisiologia corporal, como lavar o rosto com água fria, fazer exercício físico ou até mesmo respirar fundo e forma ritmada.

Habilidades de efetividade interpessoal

Por fim, as habilidades de efetividade interpessoal tem como objetivo melhorar a qualidade das relações, ajudando a pessoa a respeitar seus próprios limites, pedir ajuda quando necessário, saber pedir algo de forma direta sem usar artifícios como manipulação, entre outros.

Este texto faz parte de uma série de textos do Setembro Amarelo, uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com foco na prevenção do suicídio a partir da educação e conscientização das pessoas acerca dos fatores de risco e comportamentos relacionados ao suicídio.

Se você lida com pensamentos suicidas ou conhece alguém que está apresentando sinais de ideação, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da saúde mental!

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