Pseudologia fantástica (mitomania): como tratar a mentira patológica

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Você já conheceu uma pessoa que mente com tanta frequência que parece até que a própria pessoa acredita na mentira? Infelizmente, trata-se de um transtorno no qual o hábito de mentir se torna patológico: a mitomania, ou pseudologia fantástica.

Vamos encarar a verdade: mentir nem sempre é prejudicial. Às vezes, é feito por um bom motivo, como para não magoar nossos amigos. É o caso de quando dissemos que o novo corte de cabelo do colega está legal, por mais que não nos agrade muito.

No caso da pessoa com mitomania, há uma tendência de mentir exageradamente, sem que haja qualquer razão aparente ou ganho pessoal através da mentira. Não é que a pessoa usa a mentira para manipular as situações e ganhar alguma vantagem, mas sim que ela tem a necessidade de inventar ou fantasiar histórias. Esse tipo de comportamento está frequentemente ligado a uma necessidade de se sentir aceito, o que pode ser a razão por trás das mentiras.

O nome pseudologia fantástica foi cunhado por Dr. Delbruck, um médico alemão que descreveu esta condição pela primeira vez na literatura médica, no ano de 1891.

Características da mentira patológica

Ainda que algumas mentiras sejam comuns, como mentir que fez um bolo que foi comprado na padaria por falta de tempo, há também uma grande quantidade de mentiras muito bem elaboradas, que seguem ordem cronológica e tem um enredo próprio. Essas pessoas podem criar histórias fantásticas sobre viagens, eventos, entre outros, ou até mesmo fingir ter uma doença grave.

As principais características da mentira patológica são:

  • As mentiras são fáceis de acreditar e contém elementos verdadeiros: Uma pessoa com alguma doença pontual, como um resfriado, pode mentir que seus sintomas são de uma doença mais séria ou até mesmo crônica;
  • A mentira é mantida por um longo período e não está relacionada a uma pressão imediata: Mentir sobre um caso extramarital ou uma nota ruim na escola são mentiras motivadas pelo desejo de esconder alguma coisa, mas as mentiras contadas por compulsão não têm uma origem assim;
  • As mentiras têm maior probabilidade de atribuir valores positivos à pessoa: É mais fácil a pessoa mentir sobre ter doado dinheiro para caridade do que sobre ter sido expulsa de um bar, por exemplo;
  • As motivações das mentiras são internas, não externas: Uma criança pode mentir sobre um comportamento para evitar ser punido pelos pais. Na mentira patológica, este não é o caso, pois não há uma motivação externa (como uma recompensa) clara para a mentira.

Pessoas com mitomania sabem que estão mentindo?

Há uma certa discussão a respeito da consciência desses pacientes a respeito de suas próprias mentiras. Quando confrontadas, algumas pessoas com mitomania podem admitir estar mentindo. Em outros casos, há pessoas que genuinamente não conseguem discernir a realidade da sua ficção. Alguns especialistas acreditam que, neste caso, não se trata de mentira patológica, mas sim de algum outro transtorno delirante.

Existem algumas evidências de que pessoas que sofrem com pseudologia fantástica demonstram sinais de nervosismo e respostas de culpa diante de um detector de mentira. Contudo, não há certeza se essas pessoas têm consciência de que estão mentindo. Ainda assim, há especialistas que acreditam que pessoas com mitomania fazem esforço para acreditar em suas mentiras, a fim de reduzir a sensação de culpa.

Causas da mitomania

Em grande parte dos casos, na raiz da mitomania, está uma criança insegura que não foi muito bem aceita pelos pais e familiares. Desta forma, a criança se viu forçada a criar uma personagem que fosse amável para seus pais, que atendesse às suas expectativas, mesmo que isso significasse mentir para eles.

Embora “mentir é feio” seja uma das primeiras coisas que as crianças aprendem, as respostas positivas dos pais em relação às mentiras contadas pela criança servem de reforço, fazendo com que a criança tenha tendência a repetir esse comportamento.

Quando a criança cresce e seu mundo social se expande às amizades, o comportamento de mentir continua. Ele é reforçado pelos novos amigos, que inicialmente não têm motivos para duvidar de suas histórias, e até mesmo pelos pais, caso as mentiras continuem correspondendo às expectativas desses cuidadores.

Pensando assim, há quem acredite que a mitomania não seja um transtorno mental por si só, mas sim um comportamento aprendido. Ela pode ser classificada como um mecanismo de enfrentamento (coping) mal adaptativo — o que significa uma maneira não saudável de lidar com os problemas.

De fato, a mitomania não está presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) como um transtorno separado, mas sim como um sintoma de diversas outras condições mentais. Dentre elas estão o transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade narcisista, ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno afetivo bipolar, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o transtorno de personalidade borderline. Sendo assim, as mesmas condições que levam uma pessoa a desenvolver qualquer um desses transtornos são capazes de levá-la a desenvolver, também, a mitomania.

Existe uma outra teoria que diz que a pessoa tende a contar as mentiras e acreditar nelas porque a realidade, em contrapartida, é dolorosa e sofrida. Trata-se de uma maneira de se defender dos próprios traumas e problemas existentes em sua vida. No entanto, neste caso, é bem provável que se trate de um transtorno delirante.

Tratamento

Felizmente, existe tratamento para a mitomania, e o paciente pode melhorar significativamente. Contudo, existem alguns fatores que complicam um pouco.

Em primeiro lugar está a idade. Adultos com mitomania podem ter dificuldades no tratamento porque, como já mentem compulsivamente há muito tempo, é difícil acabar com o hábito. Quanto mais cedo esse problema é descoberto, melhor é o prognóstico. Se você é responsável por alguma criança ou adolescente e suspeita que ele(a) sofre com mitomania, é importante contatar um profissional rapidamente para evitar que o hábito fique cada vez mais forte.

Outro problema que dificulta o tratamento é a existência de transtornos associados. No caso de pacientes com transtorno de personalidade narcisista, por exemplo, a procura pelo tratamento é muito baixa, uma vez que a pessoa tende a acreditar que não tem nenhum problema, ou até mesmo que não necessita de tratamento porque “não é louco”.

Esse comentário, impregnado de preconceitos e julgamentos a respeito da saúde mental, infelizmente é muito frequente e impede que pessoas procurem tratamento para problemas que têm solução. Na maioria dos casos, quando pessoas com esse tipo de transtorno procuram ajuda, é porque outras pessoas as convenceram ou porque suas relações sociais ficaram tão complicadas que elas não veem outra opção.

Mais um problema que pode surgir é quando o paciente mente para seu terapeuta. Como as mentiras patológicas não precisam de uma motivação externa para acontecer, é possível que o paciente minta para seu terapeuta repentinamente, inclusive a respeito do seu progresso com o tratamento, o que pode prejudicá-lo gravemente.

Sabendo disso, quais podem ser os possíveis tratamentos?

Terapia cognitivo-comportamental

Tratando-se de um comportamento aprendido ou mecanismo de coping mal adaptativo, a terapia cognitivo-comportamental pode ser de grande ajuda para remover o hábito da mentira do paciente com mitomania.

Levando em conta que a mentira foi um comportamento reforçado ao longo do tempo por consequências positivas, como a aprovação dos pais ou dos colegas, o psicólogo deverá trabalhar ajudando o paciente a deixar de encarar essa aprovação como reforçadores, ou reforçando outros comportamentos que entram em conflito com o comportamento de mentir, como contar uma verdade.

Ainda que tal comportamento esteja enraizado numa tentativa de não sofrer com a realidade, o profissional pode ajudar o paciente a encontrar novos métodos de coping adaptativos (ou seja, saudáveis) para as adversidades em sua vida.

Na teoria, parece bem fácil, mas a prática leva um bom tempo. Felizmente, a terapia cognitivo-comportamental costuma ter efeitos positivos mais rapidamente do que alguns outros tipos de psicoterapias, levando o paciente a uma melhora significativa em pouco tempo.

Vale lembrar que o psicólogo não é capaz de fazer o paciente parar de mentir por si só. Inclusive, a mentira nem sempre é um comportamento abominável, e não há necessidade de proibir o paciente de mentir. No entanto, se ele realmente quiser parar com a mitomania, o psicólogo será de grande ajuda, oferecendo diversas ferramentas que o paciente pode usar para diminuir a frequência de suas mentiras.

Outros tratamentos

Como a mitomania costuma vir acompanhada de alguns transtornos, o tratamento destes pode acabar com o hábito da mentira. Nestes casos, é importante consultar um psiquiatra para ver se há a necessidade de um tratamento farmacológico (medicamentos), além de fazer o acompanhamento através da psicoterapia.

A mitomania pode ser mais comum do que se pensa. Pessoas que você conhece podem estar sofrendo com este problema, mas é importante ter em mente de que elas só vão melhorar se elas quiserem e buscarem ajuda. Se você acredita que algum amigo ou parente sofre com o problema, converse sobre isso! Se você se identifica, procure um profissional, pois você só tem a ganhar.

Referências

https://psychcentral.com/encyclopedia/pathological-lying/

https://www.bustle.com/p/11-fascinating-scientific-facts-about-pathological-liars-8259837

https://www.goodtherapy.org/blog/psychpedia/compulsive-lying

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