Neurotoxicidade: como os transtornos mentais impactam a cognição

Sintomas como dificuldades de memória e concentração são comuns em diversos transtornos mentais, mas também podem indicar um potencial neurotóxico significativo. Entenda melhor aqui!
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Os transtornos mentais podem impactar significativamente a maneira de pensar de um indivíduo, mas o que muita gente não sabe é que eles também tem um potencial neurotóxico que pode causar prejuízos a longo prazo.

Nas últimas décadas, estudos revelaram que pessoas que sofrem de alguns transtornos mentais podem ter mais chances de desenvolver quadros de demência ao longo da vida devido a esse potencial neurotóxico dos transtornos, enfatizando o papel do tratamento não apenas como um método de recuperar a qualidade de vida no momento presente mas também como uma forma de prevenir esses quadros.

Entenda melhor sobre a neurotoxicidade dos transtornos mentais e como eles impactam a cognição a médio e longo prazo!

O que é neurotoxicidade?

O termo neurotoxicidade se refere a alterações na estrutura ou no funcionamento do sistema nervoso devido à exposição a agentes tóxicos, sejam eles químicos ou biológicos.

Geralmente, quando falamos de neurotoxicidade, pensamos na exposição a metais pesados, solventes orgânicos ou produtos químicos que têm um potencial tóxico. Não raramente, medicamentos também apresentam esse potencial.

No entanto, há evidências de que alguns transtornos mentais possuem processos neurotóxicos intrínsecos, ou seja, o simples transtorno mental em si, mesmo não tratado, tem potencial neurotóxico.

A neurotoxicidade pode resultar nos seguintes problemas:

  • Interrupção da comunicação entre neurônios;
  • Alterações na síntese de neurotransmissores;
  • Indução do estresse oxidativo, aumentando os danos aos neurônios;
  • Morte de neurônios.

Esses problemas podem causar diversos prejuízos cognitivos, como dificuldades de concentração, dificuldades na tomada de decisões, dificuldades na consolidação de memórias, problemas na função executiva, entre outros.

Em casos mais graves, há chances da neurotoxicidade levar a doenças neurodegenerativas, como a demência e o mal de Parkinson. Estudos mostram que pessoas com transtornos mentais como o transtorno bipolar e a depressão têm mais chances de acabar desenvolvendo tais condições posteriormente quando comparadas com pessoas que não possuem esses diagnósticos.

Glutamato e neurotoxicidade

O glutamato é um neurotransmissor relacionado à plasticidade das sinapses, sendo essencial para os processos de aprendizado e de memória. Trata-se de um neurotransmissor excitatório importante para o funcionamento cognitivo.

No entanto, uma ativação glutamatérgica exagerada pode acabar levando a um fenômeno chamado de excitotoxicidade, que é um tipo de neurotoxicidade.

A excitotoxicidade pode levar às seguintes consequências:

  • Dano mitocondrial, levando à disfunção celular nos neurônios;
  • Aumento do estresse oxidativo;
  • Ativação de enzimas neurotóxicas.

Tudo isso também aumenta a taxa de morte neuronal. Embora a morte dos neurônios seja um processo natural, se ela ocorrer de forma muito intensa e em um curto espaço de tempo, pode causar prejuízos significativos à cognição.

Quais transtornos estão relacionados à neurotoxicidade?

Nem todo transtorno mental apresenta esse potencial neurotóxico. No entanto, alguns dos transtornos mais estudados são:

Transtorno afetivo bipolar (TAB)

O transtorno afetivo bipolar é um transtorno de humor caracterizado pela presença de episódios depressivos e episódios de mania ou hipomania. Os episódios de humor estão relacionados a um aumento do estresse oxidativo no sistema nervoso central, bem como alterações no sistema glutamatérgico, que podem levar à excitotoxicidade.

Estudos indicam que o TAB está relacionado a alterações na estrutura cerebral, como alterações no hipocampo, e nos processos neuroquímicos, como nos sistemas dopaminérgicos e adrenérgicos. Estima-se que essas alterações se dêem por conta de uma neurotoxicidade do transtorno.

Leia mais: Transtorno afetivo bipolar (TAB): o que é, sintomas e tratamento

Depressão

Episódios depressivos recorrentes estão associados a um declínio significativo da cognição.

Durante os episódios depressivos, a pessoa tende a ter dificuldades na memória, concentração, tomada de decisão, entre outros.

Estudos mostram que pacientes que sofrem de depressão podem ter o volume do hipocampo reduzido mesmo anos após o episódio depressivo ter sido resolvido. Estima-se que isso ocorre por conta da morte de neurônios durante o episódio de humor.

Além disso, há evidências de que a plasticidade cerebral (capacidade do cérebro de moldar novas sinapses) é prejudicada e reduzida em pacientes com depressão.

Esquizofrenia

A esquizofrenia é um transtorno bastante relacionado à neuroinflamação, o que resulta em neurotoxicidade. Estudos mostram que isso se deve a ativação da microglia (célula ligada ao sistema imunológico que fica no sistema nervoso central) e o aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias, que acabam causando uma desregulação sináptica e neurodegeneração.

O glutamato também tem um papel importante na esquizofrenia, levando frequentemente à excitotoxicidade. No momento, há um estudo clínico em fase 3 de uma substância chamada Iclepertina, que inibe o GlyT1, um transportador crucial na regulação das sinapses excitatórias e inibitórias, ajudando a combater a neurotoxicidade do transtorno e seus consequentes déficits cognitivos.

O estudo está sendo feito exclusivamente com pacientes com esquizofrenia, mas espera-se que, futuramente, a substância possa ser usada também para tratar a neurotoxicidade em outros transtornos.

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

O transtorno de estresse pós-traumático está relacionado a uma maior liberação de cortisol no sistema nervoso, o que pode prejudicar a neurogênese (desenvolvimento de novos neurônios).

Além disso, o TEPT está relacionado a alterações na regulação de catecolaminas, serotonina, aminoácidos, peptídeos e neurotransmissores opioides.

Pessoas com TEPT tendem a ter menos receptores de um neurotransmissor chamado GABA, que é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, e podem ter um aumento nos níveis de glutamato, aumentando a atividade glutamatérgica e gerando excitotoxicidade.

Neurotoxicidade no tratamento de transtornos mentais

Embora muitos transtornos tenham um potencial neurotóxico em si, o próprio tratamento dos transtornos também pode envolver um certo nível de neurotoxicidade.

No entanto, vale ressaltar que, muitas vezes, o tratamento é importante para evitar não apenas os sintomas do próprio transtorno como também as consequências da neurotoxicidade do transtorno em si, ou seja, a neurotoxicidade presente no tratamento acaba sendo menor do que a que ocorre quando o transtorno não é tratado.

Um dos medicamentos mais conhecidos pelo seu potencial neurotóxico é o lítio, muito usado como estabilizador de humor no tratamento de quadros de humor, como o transtorno bipolar e a depressão.

Trata-se de uma condição bastante rara, mas alguns pacientes que fazem o uso de lítio podem apresentar um quadro chamado Síndrome do Efeito Neurotóxico Irreversível por Lítio (SILENT), no qual ocorre uma desmielinização em algumas regiões cerebrais. A desmielinização é o dano na bainha de mielina, que é uma estrutura protetiva dos neurônios, funcionando como uma “fita isolante” para que os impulsos elétricos percorrem o caminho adequado, sem interferir em outros neurônios sem necessidade.

Se você tem dúvidas sobre a segurança dos medicamentos prescritos, peça esclarecimentos ao médico psiquiatra, pois ele é o único profissional adequado para identificar e prescrever um tratamento medicamentoso adequado e seguro.

Neste texto, vimos que os transtornos mentais podem causar danos às estruturas e ao funcionamento cerebral, ressaltando a importância do tratamento adequado. Se você sente que está lidando com sintomas psiquiátricos, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!

Referências

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