Nise da Silveira: a psiquiatra que inaugurou a arteterapia no Brasil

Conhecida também por divulgar os trabalhos de Jung no Brasil, psiquiatra brasileira ajudou a humanizar o atendimento a pacientes psiquiátricos
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Um dos grandes nomes da psiquiatria e da psicologia não só no Brasil como no mundo afora é Nise da Silveira, psiquiatra alagoana que lutou contra métodos agressivos e desumanizados no tratamento de pessoas com transtornos mentais no século XX.

O legado de Nise da Silveira é indiscutível, tendo diversos institutos que a homenageiam ao redor do mundo.

Neste texto, iremos abordar brevemente a história de vida de Nise da Silveira e suas contribuições para a área da saúde mental e o tratamento humanizado de pacientes psiquiátricos.

Quem foi Nise da Silveira?

Nascida em 15 de fevereiro de 1905, em Maceió, no estado do Alagoas, Nise Magalhães da Silveira foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina no Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926. Sua turma tinha mais de 150 alunos, porém Nise era a única mulher. Filha de pai professor de matemática e jornalista e mãe pianista, Nise da Silveira recebeu sua educação básica no Colégio Santíssimo Sacramento, um colégio de freiras considerado um dos melhores no estado.

Durante os anos do ensino superior, conheceu seu marido, Mário Magalhães de Silveira. Após sua formação e a perda dos pais em 1927, Nise se mudou com seu marido para o Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, onde fez sua especialização em psiquiatria.

Em 1933, estagiou em uma clínica neurológica e, depois, passou em um concurso público de psiquiatra para trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospício Pedro II, que posteriormente recebeu o nome de Instituto Nise da Silveira, fechado definitivamente em 2021. Atualmente, este hospital é o campus Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No entanto, nos meados da década de 30, Nise da Silveira precisou se afastar do cargo público por conta de embates políticos. Assumidamente militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Nise foi denunciada por uma colega de trabalho e foi presa durante 18 meses no presídio Frei Caneca por conta das políticas anticomunismo do governo de Getúlio Vargas, que perseguia abertamente seus opositores.

Depois de presa, Nise da Silveira conseguiu fugir para a Bahia, onde se manteve como clandestina até 1938, quando conseguiu ser absolvida. Antes disso, Nise da Silveira já havia sido expulsa do PCB por tecer diversas críticas ao partido, seguindo uma linha que o partido não concordava.

Com o enfraquecimento da perseguição política do governo, em 1944, Nise da Silveira pode retornar ao trabalho em hospitais e clínicas do Rio de Janeiro. Retomou seu serviço no Hospício Pedro II, então nomeado Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde se opôs a diversas práticas agressivas comumente usadas para controle e tratamento de pacientes internados, como a camisa de força, o eletrochoque, que provocava convulsões violentas, e a insulinoterapia, que levava ao coma induzido. Era também contra a lobotomia, processo cirúrgico bastante utilizado na época que frequentemente resultava em sequelas cognitivas.

Por conta disso, Nise trabalhou na área de terapia ocupacional, fundando o Museu de Imagens do Inconsciente em 1952. Neste museu, Nise expunha os trabalhos realizados com os pacientes na terapia ocupacional. Já em 1956, fundou também uma clínica para reabilitação de antigos pacientes psiquiátricos, chamada Casa das Palmeiras. Essa clínica funcionava como uma espécie de clínica dia, em que os pacientes (chamados por ela de “clientes”) iam durante o dia para realizar atividades artísticas e criativas.

Relação com Jung

Nise da Silveira também foi aluna do grande psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, sendo pioneira na divulgação de seus estudos no Brasil. Considerando a psicologia analítica de Jung, Nise da Silveira encontrou nas atividades artísticas uma forma de tratar os pacientes, em especial pacientes com transtornos psicóticos, como a esquizofrenia.

A relação com Jung teve início em 1957, quando o Museu de Imagens do Inconsciente marcou presença no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, na Suíça. Jung visitou a exposição e se interessou principalmente pela produção de mandalas, que consistem em imagens circulares frequentemente compostas por padrões geométricos e bastante coloridas.

Nise da Silveira manteve correspondência com Jung. Uma vez, enviou fotografias de algumas mandalas produzidas pelos seus pacientes, propondo uma discussão sobre essas obras, e Jung a respondeu dizendo que as imagens circulares representariam um “potencial reorganizador e autocurativo” de uma psique fragmentada como a de pacientes psicóticos.

De 1957 a 1958 e de 1961 a 1962, Nise estudou no Instituto Carl Gustav Jung, atuando na área da psicologia analítica sob supervisão de uma assistente de Jung, Marie-Louise von Franz. No Brasil, fundou o Grupo de Estudos Carl Jung, no qual foi presidente até 1968. Também escreveu o livro “Jung: vida e obra”, publicado em 1968, que até hoje é referência de biografia sobre Jung nas faculdades de psicologia do país.

Legado de Nise da Silveira

Nise da Silveira faleceu em 1999, aos 94 anos, no Rio de Janeiro, por insuficiência respiratória provocada por uma pneumonia. No entanto, seu legado é bastante extenso.

Ao oferecer atendimentos em terapia ocupacional, Nise ajudou pacientes a se expressarem artisticamente e elaborarem suas questões de forma não verbal por meio de cores, formas e símbolos, permitindo um tratamento mais humanizado de pacientes que, anteriormente, não podiam ser atendidos pelas terapias convencionais. Com a arte, paciente psicóticos conseguiam ressignificar sua conexão com o mundo por meio dos símbolos inconscientes representados nas obras.

Em seus atendimentos, Nise da Silveira trabalhava principalmente com pintura e modelagem de argila. Esse trabalho deu origem ao que hoje é conhecido como arteterapia, bastante usada em hospitais psiquiátricos de clínicas dia para pacientes.

A psiquiatra também era contra o isolamento de pacientes e chegou a instituir uma forma de terapia que contava com a ajuda de animais domésticos, como cães e gatos, chamados de “co-terapeutas”. Ao precisar se responsabilizar por um animal, muitos pacientes acabaram apresentando melhoras em seus sintomas.

Inspirados pelo trabalho de Nise da Silveira, foram abertos diversos museus, centros culturais e instituições terapêuticas, que funcionavam de forma parecida com a Casa das Palmeiras. Dentre estes lugares estão:

  • Association Nise da Silveira Images de L’Inconscient, Paris (França);
  • Centro de Estudos Imagens do Inconsciente, Universidade do Porto (Portugal);
  • Centro de Estudos Nise da Silveira, Juiz de Fora (MG);
  • Espaço Nise da Silveira – Núcleo de Atenção Psicossocial, Recife (PE);
  • Fundação Clube Terapêutico Nise da Silveira, Salvado (BA);
  • Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira – Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre (RS);
  • Museo Attivo delle Forme Inconsapevoli, Genova (Itália);
  • Museu Bispo do Rosário, Instituto Municipal Juliano Moreira, Rio de Janeiro (RJ).

Em 2016, houve o lançamento do filme Nise – O coração da loucura, dirigido por Roberto Berliner.

Nise da Silveira também foi incluída no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, indicada pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB). Em 25 de abril de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro vetou essa decisão, alegando que não seria possível avaliar o impacto dos feitos de Nise no desenvolvimento da Nação. Contudo, em 5 de julho de 2022, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, permitindo que Nise recebesse o título de Heroína da Pátria.

O trabalho de Nise da Silveira é, sem dúvidas, um dos grandes marcos na psiquiatria e na área da saúde mental como um todo, tanto no Brasil quanto no mundo. Seu legado trouxe novas formas de trabalhar os sintomas apresentados por pacientes, humanizando o atendimento e promovendo maior bem-estar às pessoas.

Se você sente que está lidando com sintomas psiquiátricos, não hesite em procurar um profissional da saúde mental.

Referências

http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/uma-psiquiatra-rebelde.php
https://www.politize.com.br/quem-foi-nise-da-silveira/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Nise_da_Silveira
http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/encontro-com-jung.php

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/07/11/apos-veto-derrubado-lei-considera-nise-da-silveira-como-heroina-da-patria

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