O ser humano é um ser social e a qualidade dos relacionamentos íntimos possui grande impacto na saúde mental e no bem estar. Por conta disso, quando alguma relação não vai bem, é importante buscar ajuda.
Felizmente, nos dias de hoje, existem diversas terapias que podem ajudar a melhorar a qualidade das relações quando elas se encontram em momentos de necessidade. É o caso da terapia integrativa de casais, também conhecida como IBTC.
O que é a terapia integrativa de casais?
A terapia integrativa de casais (IBTC) é uma terapia que tem como objetivo melhorar a qualidade de uma relação íntima romântica, em especial casais que já estão juntos há bastante tempo e estão enfrentando grandes problemas na comunicação.
Desenvolvida por Andrew Christiansen (Universidade da Califórnia) e Neil S. Jacobsen (Universidade de Washington), a terapia busca integrar os objetivos de aceitação e mudança como possíveis desfechos positivos para os casais em terapia.
O foco desta terapia está nas questões emocionais por trás dos problemas que o casal enfrenta. O terapeuta então ajuda a conceitualizar o problema e traçar estratégias com o objetivo de promover uma maior aceitação emocional, bem como promover mudanças necessárias.
Para a IBCT, os problemas nos relacionamentos não surgem apenas por conta das ações e inações entre parceiros, mas também pela reatividade emocional a esses comportamentos.
Por isso, a terapia foca no contexto emocional entre os parceiros, buscando alcançar maior aceitação e intimidade entre eles, bem como encontrar maneiras de provocar as mudanças desejadas no comportamento problemático para resgatar a qualidade da relação.
Ao invés de tentar ensinar aos casais o “jeito certo” de se comunicar, como ocorre na terapia de casais tradicional, a IBCT ajuda a compreender as reações dos parceiros à comunicação, permitindo que essas reações sejam o que promove as alterações de comportamento.
Geralmente, a terapia dura entre 6 meses a 1 ano. Pesquisas mostram que grande parte dos casais apresentam grande evolução em 26 sessões.
Fases da IBCT
A IBCT consiste em duas fases: avaliação e tratamento.
Fase de avaliação
Na fase de avaliação, o terapeuta encontra o casal uma primeira vez para discutir, juntos, os motivos que os fizeram procurar terapia.
Depois, o terapeuta faz sessões individuais com os parceiros para ouvir os dois lados da história, e então marca uma nova sessão em conjunto para dar o feedback e discutir objetivos e planos de tratamento.
O terapeuta trabalha ajudando os parceiros a desenvolver uma nova narrativa unificada do problema. Em geral, quando um casal chega ao consultório, existem duas narrativas acerca do problema, e cada narrativa tende a destacar os defeitos do outro parceiro, enquanto minimiza os seus próprios.
Com essa formulação unificada, há consideração pelas experiências dos dois parceiros, buscando uma atitude não julgadora e não culpabilizante.
Fase de tratamento
Seguindo para a fase de tratamento, o foco é explorar aspectos tanto positivos quanto negativos dos problemas em questão, evidenciando um padrão maior dentro do relacionamento.
Se, por exemplo, um dos principais temas do tratamento é a dificuldade em alcançar intimidade emocional, é pedido que o casal converse sobre um momento em que foram capazes de conseguir alcançar uma sensação de maior proximidade, ou um momento em que um dos parceiros tentou estabelecer essa proximidade e se sentiu negligenciado.
Da mesma forma, se o problema está relacionado a uma dificuldade em tomar decisões, os parceiros podem discorrer sobre um momento no qual conseguiram chegar a um acordo ou um momento em que o conflito se tornou maior por conta de uma discordância entre os dois.
Nesta terapia, os casais também são encorajados a refletir sobre como experiências passadas influenciam no comportamento presente.
Por exemplo, se um dos parceiros não tem o costume de ligar ou mandar mensagem com frequência ao outro para lhe informar sobre seus planos, isso pode ocorrer porque, no passado, esse parceiro se sentia sufocado por conta de uma criação em uma família superprotetora e controladora que sempre o obrigava a falar sobre onde estava, o que estava fazendo etc.
Já o outro parceiro pode apresentar dificuldade em falar sobre qualquer coisa que possa causar uma discussão, pois cresceu em uma família que via conflitos como necessariamente ruins e sempre varriam os problemas para debaixo do tapete em busca de manter a paz na convivência, embora isso tenha um custo emocional.
Análise DEEP
Uma ferramenta usada na formulação do caso é a análise DEEP, acrônimo em inglês que significa “profundo”. Esta análise consiste em:
- Diferenças: Identificação daquilo que é visto como uma diferença ou incompatibilidade entre os parceiros;
- Sensitividades Emocionais: São as vulnerabilidades de cada parceiro que acabam servindo de combustível para essas diferenças;
- Estressores externos: Fatores externos que acabam exacerbando essas diferenças;
- Padrão de comunicação: os padrões de interação que os parceiros usam para lidar com os problemas causados pelas diferenças, sensibilidades e fatores externos.
Análise DEEP de um casal fictício
Vamos supor que um casal fictício, formado por Ana e Carlos, vem ao consultório pedir ajuda para melhorar o relacionamento em crise.
Este casal está apresentando uma questão relacionada à sensação de proximidade e intimidade. Ana gostaria que Carlos fosse mais próximo e presente, tendo contato mais frequente e bastante comunicacao. Já Carlos prefere uma relação na qual há menos contato e permite mais espaço para a independência.
Aí já identificamos uma diferença importante: ambos têm necessidades diferentes de frequência de interação.
No caso das sensitividades emocionais, percebemos que Ana apresenta uma maior sensibilidade à sensação de abandono, fazendo com que o contato menos frequente do que gostaria acabe causando uma resposta emocional bastante desagradavel.
Carlos, por outro lado, não lida muito bem com cobranças e restrições, sentindo-se sufocado pela necessidade de se comunicar com mais frequência com Ana.
Essas sensibilidades costumam vir de questões da infância, em especial na relação com os pais ou cuidadores. No entanto, elas também podem surgir em resposta a eventos mais recentes, como um relacionamento anterior que não deu certo, por exemplo.
Nos estressores externos, listamos as questões que não estão no controle do casal mas que acabam por piorar a situação. No caso de Ana e Carlos, a carreira de Carlos faz com que ele precise viajar com frequência, dificultando a comunicação frequente entre os dois e aumentando o desconforto de Ana em relação a sensações de abandono.
Por mais que sejam questões externas e que, logicamente, Ana entenda que se trata de uma questão de trabalho e não uma questão de abandono do parceiro, a verdade é que ainda reage emocionalmente aos fatos, trazendo desconforto. Isso é normal e acontece com todos, mas é algo que pode ser trabalhado.
Partindo para os padrões de comunicação, podemos ver casos em que cada parceiro se comunica de uma forma que parece lógica para si, no entanto, acaba exacerbando o estresse e criando uma polarização das diferenças.
No caso deste casal, ao se sentir sufocado, Carlos se afasta um pouco de Ana para recuperar sua sensação de independência. Porém, para Ana, esse afastamento gera ansiedade e faz com que ela vá atrás de Carlos, cobrando maior proximidade, o que acaba o frustrando e fazendo-o se afastar ainda mais.
Tudo isso pode ocorrer de forma não consciente, formando um padrão de interações que acaba aumentando o problema ao invés de resolvê-lo.
Outros problemas
Não raramente, há outras questões que podem se tornar evidentes no período de avaliação e que o terapeuta irá discutir nas sessões de feedback. Problemas individuais como diagnósticos de transtornos mentais ou vício em substância por parte de um dos parceiros podem afetar muito a qualidade da comunicação entre o casal, aumentando os problemas já existentes.
Questões como infidelidade e violência também precisam ser trabalhadas mas, a depender do caso, problemas de violência e de uso de substância podem fazer com que a terapia de casal não seja recomendada para o tratamento.
Armadilha mútua
Outro conceito importante na IBCT é o de armadilha mútua, que descreve a experiência subjetiva dos parceiros em resposta às polarizações criadas pelos problemas.
Quando surge uma armadilha mútua, os parceiros têm uma sensação de aprisionamento em relação ao conflito principal, considerando que acreditam já terem feito de tudo para resolver o problema, mas sem resultados.
No entanto, quando isso ocorre, os parceiros permitem que se crie uma inflexibilidade ainda maior, prejudicando ainda mais a compreensão do outro lado.
Tratamento e estratégias
Em geral, quando um casal busca terapia, é porque desejam fazer mudanças na relação com o objetivo de “salvá-la”.
No entanto, em alguns casos, basta trabalhar a questão da aceitação para que os resultados desejados sejam obtidos.
Em outras palavras, pode ser que os parceiros não necessariamente mudem drasticamente sua maneira de agir dentro da relação, mas aprendem a aceitar o outro, criando maior empatia e intimidade.
Num primeiro momento, então, o tratamento é focado em estratégias de aceitação. São elas:
Conexão empática
Nesta técnica, o terapeuta tenta criar uma conexão empática entre os parceiros a respeito dos problemas que estão enfrentando. Os parceiros devem falar sobre seus sentimentos a respeito do problema, evitando frases julgadoras e acusatórias, como “você está sempre me controlando”, pois essas acusações frequentemente deixam o outro na defensiva e não permitem espaço para o desenvolvimento de empatia.
Neste contexto, o terapeuta irá ajudar a identificar os sentimentos que estão por trás da raiva e do ressentimento, como por exemplo mágoas, sentimentos de decepção, entre outros.
Distanciamento unificado
Enquanto a conexão empática busca uma maior conexão emocional entre os parceiros, essa segunda estratégia, chamada distanciamento unificado, tenta trazer uma visão mais intelectual e objetiva do problema.
O terapeuta ajuda os parceiros a fazer uma análise descritiva do problema, buscando enfatizar o contexto em que ele ocorre, bem como a sequência de ações dos parceiros que levam a discussão a um nível mais sério. São analisados também os esforços de cada parceiro em tentar reparar os danos após uma discussão.
Tolerância emocional
A terceira estratégia usada na IBCT é o aumento da tolerância emocional. Trata-se de uma estratégia importante considerando que nem sempre é possível remover completamente os comportamentos negativos dos parceiros, fazendo com que sempre haja a possibilidade do surgimento de sentimentos de frustração, decepção e ressentimento.
No tratamento, essa estratégia é aplicada na forma de encenações das situações problemáticas em que surgem sentimentos desagradáveis. Durante essas encenações, o terapeuta auxilia os parceiros para que possam trabalhar suas emoções dentro do contexto, considerando que, eventualmente, o problema pode surgir novamente.
Vale ressaltar que essas estratégias têm como objetivo aumentar a compreensão emocional e aceitação entre parceiros. Não são estratégias feitas para mudar diretamente qualquer comportamento prejudicial que o casal relatou no início da terapia.
No entanto, não raramente, ocorrem mudanças espontâneas no comportamento dos parceiros em resposta a essas técnicas de conexão empática, distanciamento unificado e tolerância emocional.
Ao compreender como suas ações impactam o outro na terapia, é comum que os parceiros façam os ajustes necessários para, pelo menos, reduzir os danos emocionais.
Considerações
Embora a IBCT tenha como foco a aceitação, é importante entender que isso não se aplica a situações de relações em que ocorrem abusos de qualquer natureza (psicológico, financeiro, físico ou sexual).
Na aceitação, entende-se que é importante tolerar certos comportamentos do parceiro que podem ser desconfortáveis porque você sabe que esse comportamento faz parte de um contexto maior da relação, não sendo indicativo direto de quem é seu parceiro ou do que ele sente por você.
A aceitação só ocorre quando é possível entender o comportamento do parceiro dentro do seu contexto com empatia e evitando julgamentos. Eh diferente da submissão e resignação que acompanham um sentimento de desesperança, no qual ainda existe um desejo de mudar o parceiro, mas há desistência por sentir que não adianta.
Comportamentos abusivos, no entanto, não devem ser tolerados de forma alguma. Não existe contexto que justifique violência verbal, física ou sexual.
Final do tratamento
A medida em que os casais vão melhorando com a terapia, o terapeuta pode diminuir a frequência das sessões até chegar a uma última sessão.
Nessa última sessão, a análise DEEP é repetida, considerando agora o que foi aprendido ao longo da terapia, enfatizando também as mudanças positivas que ocorreram na relação.
Pesquisas mostram que grande parte dos casais que fizeram IBCT conseguiram manter os resultados da terapia por até três anos após a última sessão, sendo que na terapia de casais tradicional os resultados costumam durar menos tempo.
Relacionamentos íntimos podem ser complexos e, algumas vezes, podem necessitar de uma ajuda externa para recuperar a qualidade da relação.
Se você sente que sua relação está enfrentando problemas aos quais não conseguem resolver entre si, não hesite e buscar ajuda com um terapeuta qualificado!
Referências
https://ibct.psych.ucla.edu/about/
https://psychcentral.com/blog/integrative-behavioral-couple-therapy-where-acceptance-is-key#1
https://www.apa.org/pubs/videos/4310904?tab=2
https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-addiction-connection/202309/how-integrative-behavioral-couple-therapy-works
https://terapiascontextuais.com.br/o-que-e-a-terapia-comportamental-integrativa-de-casal-ou-ibct/
https://artmed.com.br/artigos/terapia-comportamental-integrativa-para-casal-ibct-o-que-e-aplicacao-e-evidencias
https://www.acbs.com.br/ibct