O que é epigenética e seu impacto nos transtornos mentais

Entenda melhor como a interação entre genes e outros fatores resultam no desenvolvimento de transtornos mentais
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

Na busca pelas possíveis causas dos transtornos mentais, a comunidade científica identificou que, geralmente, esses transtornos possuem um fator genético. Contudo, não existia clareza em relação aos genes específicos e de que forma eles se manifestaram para desencadear os transtornos.

Com o tempo, houve bastante progresso nesse quesito. No entanto, existia ainda uma questão que a comunidade científica não sabia responder: por que no caso de gêmeos idênticos, que possuem os mesmos genes, é comum que um transtorno mental se manifeste em apenas um dos gêmeos?

Essa questão evidencia que, quando se trata de transtornos mentais, o componente genético é importante, mas ainda há outros fatores igualmente importantes em jogo.

Percebeu-se então a importância do ambiente na manifestação dos transtornos mentais, tendo em vista que alguns fatores de risco geralmente associados ao desenvolvimento de transtornos incluem estresse, experiências traumáticas, entre outros.

Atualmente, há evidências de que esses transtornos surgem a partir de alterações epigenéticas em regiões cerebrais.

O que são alterações epigenéticas?

Os genes podem ser compreendidos como uma espécie de livro de instruções para o desenvolvimento das células do organismo, incluindo as estruturas dos neurônios.

A combinação dos genes do corpo humano é chamada de genótipo. Contudo, o genótipo não é diretamente visível. Ele é como se fosse a biblioteca que contém os livros de instruções para montar um organismo.

A manifestação desse genótipo em traços observáveis, como a cor dos olhos, a textura e cor do cabelo, o tom da pele etc., é chamada de fenótipo. Ou seja, o fenótipo é a expressão desses genes. No caso dos transtornos mentais, o fenótipo se manifesta pelo comportamento da pessoa.

Contudo, nem todas as partes desse genoma são ativas e se expressam na forma de um fenótipo. A epigenética é uma área que estuda como estímulos ambientais podem influenciar na ativação ou silenciamento de genes. Em outras palavras, a epigenética estuda como genes “adormecidos” podem se tornar ativos a partir das situações que a pessoa passa.

Qual a importância da epigenética para os transtornos mentais?

Embora grande parte dos transtornos mentais tenha um componente genético, esse gene nem sempre se manifesta, ou seja, ele não resulta em um fenótipo. Assim, a pessoa não apresenta o transtorno, mesmo carregando o gene para tal.

É a partir da interação com o ambiente que ocorre a expressão do gene, para assim aparecer o fenótipo do transtorno mental. Em outras palavras, o gene se torna ativo e a pessoa desenvolve o transtorno.

Essa ativação do gene pode ocorrer de várias formas, mas quando se trata de transtornos mentais, existem algumas condições ambientais bem documentadas para que isso ocorra. Dentre elas, estão:

  • Exposição prolongada ao estresse;
  • Exposição a situações traumáticas;
  • Negligência dos cuidadores durante a infância;
  • Abusos psicológicos, físicos ou sexuais;
  • Consumo de substâncias psicoativas;
  • Alimentação.

Quais genes estão relacionados aos transtornos mentais?

Atualmente, já foram identificados diversos genes que possuem alguma relação com o desenvolvimento de vários transtornos mentais. Em geral, estes genes estão relacionados a funções como regulação do humor, cognição e comportamento. Alguns deles são:

Gene SLC6A4

O gene SLC6A4 é conhecido como o gene transportador de serotonina, um dos neurotransmissores envolvidos na regulação do humor, sono, apetite e outros processos cognitivos. Alguns transtornos, como a depressão e ansiedade, estão relacionados a alterações da disponibilidade de serotonina no cérebro, o que pode estar relacionado a variantes genéticas do SLC6A4.

Há vários estudos que conectam a depressão a uma variante específica do gene SLC6A4, conhecida como “polimorfismo do comprimento do alelo do transportador de serotonina” (5-HTTLPR). Pessoas portadoras dessa variante possuem um aumento do risco de desenvolvimento de depressão, especialmente aquelas que experimentam estresse crônico — condição que resulta na ativação do gene.

Gene FKBP6

Já o gene FKBP6 codifica uma proteína de ligação a imunossupressores, substâncias que agem suprimindo o sistema imunológico. Embora não seja tão clara, estima-se que existe uma relação entre o sistema imunológico e o risco de desenvolvimento de transtornos mentais, sendo que os imunossupressores aumentam as chances do desenvolvimento de depressão, ansiedade e até mesmo psicoses.

Dentre os imunossupressores endógenos mais conhecidos está o cortisol, também conhecido como “hormônio do estresse”, que tem relação com a regulação do humor. No entanto, é importante notar que a relação entre este gene e os transtornos mentais ainda é pouco compreendida e pode ser influenciada por muitos fatores, incluindo outros genes, fatores ambientais e experiências de vida.

Genes relacionados ao autismo

Um dos transtornos que mais se fala sobre questões genéticas é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Dentre os genes encontrados que possuem relação com este transtorno estão:

  • SHANK3: é gene um associado a comportamentos repetitivos e dificuldades na interação social;
  • NRXN1: gene que desempenha um papel importante na sinaptogênese (formação de sinapses) e que foi associado a várias condições neuropsiquiátricas, incluindo TEA;
  • CNTNAP2: gene envolvido na comunicação neuronal e na regulação do desenvolvimento cerebral. Tem associação com as dificuldades na linguagem e na comunicação em indivíduos com TEA;
  • TSC1 e TSC2: esses genes estão envolvidos na regulação do crescimento celular e têm sido associados a casos de TEA que também apresentam convulsões e deficiência intelectual.

Existem muitos outros genes que possuem alguma relação com o TEA, mas nem todos possuem uma ligação tão clara. Vale ressaltar que, embora estes genes estejam relacionados ao transtorno, não significa que eles são uma causa direta ou que pessoas que possuem esses genes estarão inevitavelmente dentro do espectro.

Além disso, atualmente entende-se o TEA como uma condição com a qual a pessoa já nasce, não necessariamente sendo influenciado pelas experiências que a pessoa passa durante seu desenvolvimento, como é o caso de transtornos de humor e transtornos ansiosos.

Genes relacionados ao TDAH

Outro transtorno muito discutido por suas questões genéticas é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Dentre os genes relacionados estão:

  • DRD4 e DRD5: genes envolvidos na regulação da dopamina, um neurotransmissor que desempenha um papel importante na atenção, motivação e até mesmo regulação do humor;
  • DAT1: gene que codifica um transportador de dopamina que regula a disponibilidade do neurotransmissor no cérebro.

Mutações nos genes que estão relacionados à produção, recepção e regulação da dopamina em geral podem estar associados ao desenvolvimento do TDAH, bem como genes relacionados à regulação da noradrenalina, outro neurotransmissor que influencia a atenção e outras habilidades cognitivas.

No entanto, assim como no caso do autismo, não necessariamente são os genes que causam o transtorno, e as vivências da pessoa não são o que desencadeia o desenvolvimento do transtorno, embora possam exacerbar seus sintomas.

Não há dúvidas que os transtornos mentais surgem por causas multifatoriais, ou seja, não é apenas a presença de um gene ou de algumas condições ambientais isoladas que irão resultar no surgimento dos transtornos, mas sim uma combinação destes e outros fatores.

Se você tem histórico familiar de algum transtorno mental e acredita que pode acabar desenvolvendo o transtorno também, não hesite em buscar ajuda com um profissional da saúde mental.

Referências

https://tpcjournal.nbcc.org/mental-health-epigenetics-a-primer-with-implications-for-counselors/
https://tismoo.us/ciencia/analise-identifica-os-102-genes-mais-importantes-para-o-autismo/
https://www.enciclopedia-crianca.com/hiperatividade-e-deficit-de-atencao-tdah/segundo-especialistas/o-transtorno-de-deficit-de-atencao

Confira posts relacionados