Quetamina: da droga de abuso ao tratamento para depressão

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Nos dias de hoje, a quantidade e a acessibilidade às drogas de abuso só aumentam. Contudo, nem todas elas são completamente prejudiciais. Um exemplo é a quetamina (também chamada de ketamina ou cetamina), uma substância utilizada como anestésico em humanos e animais, mas que também é usada pelos seus efeitos recreativos.

A boa notícia é que, além de poder ser usada como anestésico, a substância também aparenta ter efeitos na depressão, em especial os casos de depressão refratária, nos quais a medicação tradicional não faz efeito corretamente. Atualmente, existem diversos centros de pesquisa fazendo testes com essa droga em pacientes depressivos, e os resultados são, em sua maioria, bastante positivos.

O que é quetamina?

Sintetizada em 1962 pelo farmacêutico Calvin Stevens, no laboratório Parke & Davis, a quetamina é usada como anestésico em humanos e animais, sendo facilmente encontrada como medicamento veterinário.

Seus efeitos dependem da dosagem, mas, em geral, a quetamina possui uma ação dissociativa, que pode causar no paciente, além da anestesia, efeitos colaterais como sensação de estar desconectado do próprio corpo, alucinações, sentir como se estivesse sonhando, entre outros. Como droga recreativa, ela é frequentemente usada por esses efeitos. Outros efeitos recreativos são elevação do humor (euforia), alterações na percepção, sensações eróticas e sensação de empatia.

Infelizmente, para muitas pessoas, a quetamina pode se tornar uma droga de abuso, causando dependência química e psicológica. Portanto, seu uso recreativo pode ser bastante prejudicial.

Quetamina na depressão

A depressão é um transtorno de humor que está se tornando cada vez mais comum, chamando a atenção de diversos órgãos de saúde, como a própria Organização Mundial da Saúde, que estima que há cerca de 300 milhões de pessoas no mundo sofrendo deste problema.

Embora existam muitas abordagens bem consolidadas para o tratamento da depressão, muitas pessoas não respondem adequadamente. É o caso da depressão refratária, na qual os medicamentos tradicionais fazem pouco ou nenhum efeito.

Isso se dá por conta do mecanismo de ação destes medicamentos que, em geral, não é muito diferente de uma substância para outra. Os remédios costumam atuar aumentando a disponibilidade de serotonina e noradrenalina, dois neurotransmissores que sofrem alterações na depressão.

Contudo, a depressão não é causada apenas por essas alterações. Sendo assim, por mais que o paciente tenha uma diminuição dos sintomas com o uso dos medicamentos, dificilmente ele entrará em remissão total apenas com isso. E isso nos casos em que os remédios, de fato, funcionam. Existem casos em que a resposta não é satisfatória, e outros métodos devem ser experimentados.

Dentre estes, está a infusão de quetamina. Pode até parecer estranho que uma droga anestésica com chances de se tornar uma droga de abuso possa auxiliar no tratamento de um transtorno que tem, entre seus fatores de risco, o abuso de drogas. No entanto, pesquisas têm mostrado resultados promissores.

O efeito benéfico da quetamina na depressão se dá, muito provavelmente, por conta dos seus efeitos em diversos receptores no cérebro, além de agir sobre vários neurotransmissores influentes na depressão, como o glutamato (principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central), a noradrenalina e dopamina.

Diferentemente do uso anestésico, no uso antidepressivo a quetamina é administrada em baixas doses, e o paciente pode não vivenciar todos os efeitos dissociativos da droga, sendo capaz de seguir com o seu dia a dia normalmente.

Em comparação aos tratamentos tradicionais, a quetamina traz uma melhora quase instantânea: em alguns pacientes, há melhora dos sintomas depressivos já nas primeiras 24 horas após a administração da dose. Isso torna a quetamina um tratamento possivelmente indicado também para casos de depressão grave e ideação suicida frequente. Os antidepressivos tradicionais, em contrapartida, podem levar até 15 dias para fazer efeito.

O tratamento é feito por meio da aplicação de uma injeção de quetamina por semana, podendo durar entre 4 e 6 semanas. Há, então, períodos de pausa, nos quais o paciente não necessita de novas doses. Se necessário, pode-se retomar a aplicação da substância após esses períodos de pausa.

A quantidade de quetamina injetada também é baixa, variando de 0,5mL a 1mL por quilograma de peso do paciente. Vale lembrar que, para o tratamento da depressão, só existem evidências quando a dose é administrada via injeção. Sendo assim, a administração oral não é indicada.

É importante lembrar que o tratamento da depressão com quetamina não foi algo regularizado e, portanto, é apenas experimental. No entanto, como há muitos estudos, evidências e protocolos internacionais, diversos psiquiatras podem testar esse novo método em pacientes que estejam interessados.

O tratamento com quetamina não substitui os medicamentos tradicionais

Embora possa parecer que a quetamina pode substituir os antidepressivos tradicionais, essa não é a indicação feita pelos especialistas. De fato, foi observado que a utilização da quetamina potencializa o efeito dos medicamentos tradicionais. Portanto, a indicação atual é a de que haja administração tanto da quetamina quanto dos antidepressivos que não surtiram tanto efeito previamente.

Esketamina: spray nasal em processo de regulamentação

A partir da quetamina, pesquisadores desenvolveram uma nova substância chamada esketamina, cuja administração é feita principalmente pela via nasal. Nos Estados Unidos, a substância está próxima da regulamentação, sendo utilizada como “breakthrough therapy”, ou seja, apesar de não ser regulamentada, ela pode ser usada em casos com risco de vida iminente.

Efeitos colaterais do tratamento com quetamina

Como qualquer tratamento farmacológico, a quetamina apresenta efeitos colaterais desagradáveis. Eles surgem durante a administração da dose, que é feita através de uma infusão lenta para evitar efeitos indesejados. Os efeitos colaterais podem durar entre 30 e 50 minutos e incluem:

  • Sonolência;
  • Sensação de estar fora do corpo;
  • Sensação de desconexão entre corpo e mente;
  • Sonhos vívidos.

Prejuízos do uso de quetamina

Enquanto as doses usadas para o tratamento de depressão são cuidadosamente calculadas para minimizar os efeitos nocivos da droga, alguns prejuízos acontecem em pessoas que fazem o uso recreativo e abusivo da quetamina, seja em doses pequenas ou elevadas. Entenda:

Prejuízos de doses pequenas de quetamina

  • Perda de conexão com a realidade;
  • Despersonalização;
  • Alucinações visuais;
  • Sonhos desagradáveis;
  • Dificuldades de atenção, aprendizado e memória.

Prejuízos de doses altas de quetamina

  • Vômitos;
  • Fala arrastada;
  • Amnésia;
  • Dificuldade para realizar movimentos;
  • Delírios (com ou sem agitação psicomotora);
  • Espasmos;
  • Batimentos cardíacos irregulares;
  • Hipotensão;
  • Diminuição da respiração;
  • Flashbacks que podem durar dias após a utilização da droga.

Tolerância e dependência

A longo prazo, pessoas que utilizam quetamina podem desenvolver tolerância à droga, o que significa que será necessária uma dose cada vez maior da substância para obter os mesmos efeitos. A dependência da droga também está presente em muitos casos. Contudo, não se sabe muito sobre os sintomas de abstinência, sendo necessários mais estudos.

Indução de sintomas esquizofrênicos

Em pacientes diagnosticados com esquizofrenia, o uso repetitivo de quetamina pode induzir sintomas psicóticos, mesmo naqueles que se encontram em remissão. Já em pessoas saudáveis, pode haver a indução de sintomas semelhantes aos da esquizofrenia após o uso prolongado da substância.

Efeitos desconhecidos

Como não existem muitas pesquisas a respeito da utilização da quetamina a longo prazo, existe a possibilidade de existirem muitos efeitos prejudiciais desconhecidos. Portanto, é importante ter em mente que, mesmo na utilização clínica da substâncias, novos efeitos colaterais podem surgir e, portanto, é preciso mais investigação antes de tornar a quetamina um tratamento regulamentado para a depressão.

Apesar de já estar disponível há mais de 50 anos, apenas recentemente foi possível ver os efeitos da quetamina em pacientes com depressão. Muitos estudos ainda precisam ser feitos, mas os resultados até o momento são bastante promissores, alimentando a esperança de uma revolução na maneira que a depressão é tratada dos dias de hoje.

Se você sente que está tendo sintomas depressivos e precisa de ajuda, não se esqueça de entrar em contato com um médico ou psicólogo de confiança.

Referências

Silva, F. C. C. et al (2010). Ketamina, da anestesia ao uso abusivo: artigo de revisão. Rev Neurocienc, 18(2):227-237. Disponível em http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2010/RN1802/349%20revisao.pdf, acesso em 15/02/2019.

http://www.trialtech.com.br/tratamento_depressao_ketamina/

https://istoe.com.br/revolucao-contra-a-depressao/

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