A raiva faz parte do espectro de emoções humanas, sendo uma reação completamente natural em alguns momentos. Contudo, na sociedade em que vivemos, a raiva pode aparecer em momentos inoportunos e é frequentemente considerada uma emoção indesejada. Por isso, muitas pessoas procuram ajuda para aprender a lidar melhor com a raiva e evitar as possíveis consequências negativas que essa emoção pode trazer.
No entanto, talvez a habilidade “controlar a raiva” não seja exatamente o que as pessoas procuram, mas sim a possibilidade de sentir raiva com menos frequência. Para entender isso, primeiro é preciso compreender o que é a raiva.
O que é raiva?
A raiva é uma das emoções humanas mais básicas, junto com a tristeza, a alegria, o nojo, entre outras. É frequentemente considerada uma emoção “negativa” por ser desagradável e poder causar prejuízos.
Contudo, emoções desagradáveis fazem com que uma pessoa se afaste do objeto que está causando a emoção, que muitas vezes pode ser um perigo real. Desta forma, mesmo que desagradáveis, essas emoções foram extremamente importantes para a sobrevivência da espécie humana ao longo do tempo.
A raiva está ligada à reação de lutar ou fugir que aparece em todos os seres humanos quando se deparam com alguma situação ameaçadora. Neste sentido, a raiva está ligada à reação de “luta”, mas não necessariamente a luta física. Discussões e conflitos verbais também são manifestações dessa emoção.
Sendo assim, é importante perceber que a raiva é, na realidade, uma emoção protetiva. Seu propósito não é destruir a tudo e todos, mas sim proteger aquilo que é importante. Portanto, livrar-se completamente da raiva não é uma opção adequada, tendo em vista que, sem ela, a pessoa cai no chamado conformismo e acabar por não conseguir proteger as coisas que são importantes para si (pessoas, valores, pertences, entre outros).
Quais as consequências da raiva?
Todas as emoções podem trazer consequências positivas ou negativas. No caso da raiva, é mais frequente que ela traga consequências negativas, justificando sua fama de emoção indesejável.
Quando uma pessoa está com raiva, ela pode agir de forma que contradiz seus próprios interesses. Ao brigar com alguém, por exemplo, a pessoa pode se afastar de quem ama e prejudicar a relação. Durante um conflito no trabalho, é possível acabar perdendo o emprego por não conseguir se controlar. Essas ações que contradizem o próprio interesse e causam prejuízo são um claro sinal de que a pessoa precisa de ajuda para lidar com a raiva.
Além disso, sentir raiva com muita frequência tem consequências para a saúde física também. A raiva aumenta a secreção do hormônio do estresse (cortisol), que por sua vez pode agir destruindo neurônios associados à memória de curto prazo e a capacidade de julgamento, bem como enfraquecer o sistema imunológico.
Como surgem os problemas com a raiva?
Como dito anteriormente, a raiva é uma emoção protetiva, ou seja, se uma pessoa sente raiva com muita frequência, é porque ela se sente ameaçada frequentemente, mesmo que não perceba. A intensidade da raiva também é influenciada pela ameaça percebida: quanto mais ameaçada uma pessoa se sente, mais intensa a raiva que ela vai sentir.
Nem sempre há um perigo real quando nos sentimentos ameaçados. Muitas vezes, esse sentimento surge da própria pessoa, e não do ambiente. Para ilustrar melhor, podemos usar o exemplo do ciúme: o ciúme é o medo de perder uma pessoa amada para outra pessoa. Ao sentir esse medo, geralmente o indivíduo passa a ter raiva da outra pessoa, pois passa a vê-la como um rival — uma ameaça. Contudo, muitas vezes isso não é realidade: a outra pessoa é uma ameaça apenas na cabeça do indivíduo enciumado. A raiva sentida neste caso não é justificada e, portanto, só serve para prejudicar a relação.
Na maioria das vezes, a raiva “problemática” (muito intensa e frequente) está relacionada a um ego fraco que se sente ameaçado constantemente. Essa fragilidade surge quando uma pessoa ignora ou desrespeita seus valores internos. Essas pessoas se ofendem facilmente, acreditam que podem controlar o que as outras pessoas pensam e dizem. Se a raiva é resultado de um ego frágil, é preciso trabalhar esses valores internos para que a pessoa não se sinta ameaçada com tanta frequência e não use a raiva como uma proteção.
Em suma: não precisamos aprender a controlar a raiva em si, mas sim administrar a necessidade de proteção percebida, ou seja, saber escolher o que precisa ser protegido ou não, quais situações podem se beneficiar da raiva e quais podem ser só prejudicadas por essa emoção. Isso também ajuda a regular a intensidade da raiva sentida.
Como lidar com a raiva?
Se para gerenciar melhor a raiva é preciso lidar com a percepção de ameaça, então é preciso fazer o que é chamado na psicologia cognitivo-comportamental de “reestruturação cognitiva”.
No fundo, as emoções que sentimentos são frequentemente respostas condicionadas a determinados estímulos, como os chamados “pensamentos automáticos”. Esses pensamentos distorcem a percepção da realidade, fazendo com que, por exemplo, situações normais do dia a dia sejam vistas como ameaçadoras, sendo um gatilho para a resposta de raiva.
Pessoas que têm problemas sérios com a raiva podem procurar ajuda com um terapeuta cognitivo-comportamental, que pode auxiliar no processo de identificar esses pensamentos automáticos e as distorções cognitivas que fazem com que a pessoa sinta raiva em situações inadequadas. A partir dessa identificação, o terapeuta pode ajuda o paciente a reestruturar esses pensamentos, fazendo a pessoa interpretar as situações de forma mais realista, sem distorções, e deixar de ver ameaças onde não há.
Se você acredita que tem problemas com a regulação da raiva, procurar um profissional da saúde mental pode ser de grande ajuda. Não hesite em contactar um psicólogo ou psiquiatra de confiança!
Referências
https://www.psychologytoday.com/us/blog/anger-in-the-age-entitlement/202002/beyond-anger-management