Relacionamentos interpessoais podem ser bastante complicados, especialmente quando não há diálogo entre as partes. Neste contexto, uma coisa que é vista positivamente dentro dos relacionamentos é a capacidade de ler as emoções do parceiro, ou seja, saber aquilo que ele está sentindo mesmo que ele não tenha expressado de forma explícita — tal habilidade se chama “precisão empática”. No entanto, novas pesquisas mostram que essa habilidade às vezes pode impactar o relacionamento de forma negativa.
Conflitos dentro de um relacionamento são normais e a maneira de resolvê-los tem muito a dizer sobre as chances do relacionamento se manter. Muitas vezes, a fim de solucionar conflitos, uma das partes precisa abrir mão de alguma coisa e se comprometer com uma mudança, como por exemplo gastar menos, cuidar melhor da saúde física, se desfazer de certos hábitos, mudanças na vida sexual ou, em casos mais radicais, mudanças nos objetivos de vida.
Quando casais discutem sobre esses assuntos, uma série de emoções podem surgir durante a conversa. Um estudo recente feito por psicólogos da Universidade de Rochester e Universidade de Toronto, publicado no periódico científico Psychological Science, tinha como objetivo investigar como a percepção dessas diferentes emoções poderiam impactar a qualidade dos relacionamentos românticos, bem como na motivação para a mudança.
O estudo
A amostra foi formada por 111 casais (222 pessoas) juntos há, em média, 3 anos. Cada casal foi instruído a conversar sobre características que gostariam que o parceiro mudasse. Diante dessa discussão, os indivíduos deveriam registrar suas próprias emoções e as emoções percebidas no parceiro, bem como sua visão em relação à qualidade do relacionamento.
Embora pesquisas anteriores sobre precisão empática tenham resultados mistos e inconclusivos, essa nova pesquisa trouxe uma nova visão para a influência dessa percepção das emoções na qualidade dos relacionamentos. Para isso, as emoções foram separadas em duas categorias: emoções de apaziguamento (por exemplo, vergonha) e emoções de dominância (por exemplo, raiva e desprezo).
O que os pesquisadores descobriram é que a precisão empática pode ser tanto benéfica quanto prejudicial, dependendo da emoção em questão. Quando se trata de emoções de apaziguamento, a identificação correta por parte do parceiro trazia uma influência positiva na discussão, no comprometimento com a mudança e no relacionamento em geral. Contudo, quando a emoção em questão é do tipo “dominância”, como raiva ou desprezo, a precisão empática parece trazer mais prejuízos ao relacionamento.
De acordo com Bonnie Le, líder do time de pesquisadores, quando o parceiro percebe emoções de apaziguamento, como vergonha ou acanhamento, é provável que ele perceba essa emoção como um sinal de preocupação em relação aos seus sentimentos, bem como o reconhecimento de que o pedido de mudança pode gerar mágoas. Por outro lado, quando o parceiro percebe emoções de dominância, há um impacto negativo na discussão e no relacionamento em geral. Isso porque detectar emoções ameaçadoras, como a raiva, pode pôr em xeque a confiança dentro do relacionamento.
Na realidade, os pesquisadores verificaram que, mesmo sem a percepção precisa dos sentimentos de dominância do parceiro, a simples presença de emoções de dominância como raiva e desprezo já era o suficiente para que houvesse prejuízo na relação.
O que isso significa?
Esse achado parece um pouco contraditório, levando em consideração a premissa de que a empatia (capacidade de ler as emoções dos outros, em uma explicação resumida) seria fundamental para construir boas relações.
Os pesquisadores não sabem explicar exatamente o porquê disso. De acordo com Stéphane Côté, co-autora do estudo, saber reconhecer as emoções do parceiro poderia ajudar a resolver os conflitos de maneira mais adequada, no entanto isso não é o que acontece quando se trata das emoções de dominância. Ela acredita que a raiva é capaz de prevalecer em relação à empatia, o que é consistente com outras pesquisas sobre o assunto que mostram como a raiva é capaz de prejudicar as relações.
E as mudanças?
No que tange o comprometimento com a mudança, os pesquisadores descobriram que não houve diferença significativa entre a percepção precisa das emoções do parceiro e a não percepção dessas emoções. Em outras palavras, a precisão empática não parece ter influência sobre a decisão e o comprometimento com a mudança dos parceiros durante essas conversas.
Em suma, os pesquisadores ainda recomendam o bom e velho diálogo para resolver questões complexas em uma relação. Um diálogo claro, no qual os parceiros conversam abertamente sobre seus sentimentos e as mudanças que querem ver, é muito mais eficaz do que contar com a habilidade de precisão empática do parceiro.
Além disso, os autores do estudo ressaltam que não é um problema se sentir envergonhado ou acanhado a fazer um pedido desses para o parceiro, porque ao perceber tais emoções, ele compreende que há uma preocupação em relação aos seus sentimentos, além de uma hesitação em magoá-lo. Sendo assim, por mais desagradável que seja, a presença desse tipo de sentimento é, na realidade, um tanto quanto benéfica para o relacionamento.
Relacionamentos sempre têm conflitos, e saber resolvê-los é essencial. Com a ajuda da precisão empática, pode ser mais fácil navegar por esses problemas, mas vez ou outra ela também pode ser falha.
Se você acredita estar vivenciando problemas no seu relacionamento, não se esqueça de contatar um psicólogo de confiança!
Referências
https://www.rochester.edu/newscenter/reading-partners-emotions-418522/