Nos últimos anos, a brincadeira da criançada passou a ser cada vez mais limitada a ambientes internos. Muitas casas não possuem um jardim, e muitas crianças precisam se contentar com seus brinquedos dentro de um apartamento. Embora tudo isso traga segurança e estabilidade para a criança e menos preocupação para os pais, existem evidências que este jeito moderno de criar os pequenos pode ser prejudicial para sua saúde mental.
Segundo Piaget, psicólogo que estudou o desenvolvimento infantil, o primeiro estágio de aprendizagem das crianças é o sensório-motor, ou seja, nos seus primeiros 2 anos de vida, as crianças aprendem, principalmente, através das sensações e do movimento. É assim que elas começam a conhecer o mundo, e é isso que os pais devem estimular nessa primeira fase da vida.
O fato é que o ambiente externo, próximo à natureza, é muito mais rico em estímulos sensoriais e possibilidades motoras do que entre as quatro paredes do quarto do bebê. Um terreno íngreme e com pedras certamente traz mais estímulos do que o chão liso do quarto.
Diversos estudos mostram que algumas lições fundamentais para as crianças são melhores aprendidas em brincadeiras feitas ao ar livre. É o caso da capacidade de exploração e de calcular riscos, além do desenvolvimento motor fino e grosso.
Isso não quer dizer, claro, que é necessário largar o bebê no meio da natureza, mas sim que a quantidade superior de estímulos dos espaços ao ar livre trazem melhores resultados para o desenvolvimento da criança.
Levar o bebê para parques, praças e outros locais públicos, assim que liberado pelo pediatra, pode ser benéfico para que ele tenha um bom primeiro contato com o mundo exterior. No caso de bebês mais velhos, deixar que eles engatinhem na grama, ao invés de ficar apenas observando do carrinho, é um ótimo exercício de aprendizagem para os pequenos.
Movimento: principal recurso de aprendizagem
Uma das principais funções do cérebro é o movimento. De fato, grande parte da área frontal deste órgão é dedicada à motricidade. Além disso, outros subsistemas existentes no cérebro foram desenvolvidos, através da evolução, para auxiliar nessa tarefa.
Um deles é o sistema límbico, responsável pelas emoções. Perceba: nos sentimos atraídos por coisas que despertam boas emoções e queremos estar perto delas, enquanto aquilo que traz tristeza, raiva ou medo nos desperta uma vontade de fugir. Resumindo, embora não seja tão claro em um primeiro momento, os sentimentos estão surpreendentemente relacionados à movimentação.
Durante essas primeiras etapas do desenvolvimento humano, a movimentação, sensação, cognição e emoção estão profundamente ligadas e envolvidas no processo de aprendizagem. E quando dizem que o trabalho das crianças é brincar, estão certos: é durante a brincadeira que a criança aprende e se desenvolve.
Essa aprendizagem, no entanto, não ocorre de maneira completamente segura, como muitos pais desejam. A criança precisa cair e se machucar para aprender a levantar e se equilibrar. Pais que evitam esse tipo de situação a todo custo estão fazendo mais mal do que bem à criança.
Embora não pareça, o emocional está profundamente ligado a esses acontecimentos desagradáveis e, caso o pequeno nunca passe por esse tipo de situação, é possível que ele venha a desenvolver uma incapacidade para lidar com frustrações, uma vez que ele foi impossibilitado de se frustrar no passado.
Por mais contraditório que seja, os perigos são necessários para uma boa saúde mental. O ser humano evoluiu de um ambiente cheio de perigos para um ambiente seguro e confortável há poucos séculos, e o cérebro ainda não foi capaz de acompanhar essa evolução ambiental.
Sendo assim, pode-se dizer que nossos cérebros possuem uma “sede de perigo” — motivo pelo qual filmes de terror e o frio na barriga das montanhas russas são tão atrativos. Com as crianças, isso não é diferente. Brincar em casa pode ser divertido, mas correr num bosque correndo o risco de tropeçar e cair é bem mais agradável para um cérebro desenvolvido para esse tipo de situação.
Privar as crianças de estímulos potencialmente perigosos é privá-las de prazeres que seus cérebros estão pedindo para vivenciar. É através dessas brincadeiras que a criança irá desenvolver a destreza para não se machucar mais ao correr, além de aprender a avaliar as situações adequadamente. Sem essas experiências, dificilmente a criança saberá se pular de uma margem do rio à outra é arriscado, ou vivenciará o prazer de sobreviver a uma possível situação perigosa.
Agressividade na medida certa
Outra lição valiosa aprendida através de tais brincadeiras é medir a agressividade.
Antes de tudo, é preciso conceituar agressividade. Ao contrário do que muitos pensam, a agressividade é uma característica positiva, desenvolvida para nossa proteção exclusivamente.
O conceito é simples: quando um animal se sente ameaçado, ele se torna agressivo e ataca para sobreviver. Não há nenhuma diferença no ser humano. A agressividade surge como uma ferramenta para a luta e proteção nos momentos de perigo. Diferentemente da violência, que é sem fundamento e usada para prejudicar o outro, a agressividade é usada exclusivamente para proteção do organismo. Ela é necessária, caso contrário, não é possível sobreviver.
Nos dias de hoje, raramente somos ameaçados de vida, ao contrário dos nossos ancestrais que sofriam desse mal todos os dias. Contudo, somos ameaçados em nosso bem estar psíquico, com desentendimentos entre amigos, familiares, entre outros. Caso a agressividade não seja desenvolvida na infância, uma pessoa não será capaz de lutar contra possíveis abusos psíquicos na vida adulta, o que é extremamente prejudicial para sua saúde mental.
Por isso, durante as brincadeiras, é necessário que as crianças sejam expostas a situações em que precisem ser um pouco agressivas para se proteger. Do contrário, quando for necessário, elas não saberão medir ou usar essa habilidade, tornando-se ou demasiadamente agressivas, ou pouco agressivas e incapazes de reagir em situações de perigo emocional.
Uma melhor regulação emocional
Como dito anteriormente, a natureza é um grande aliado na hora de aprender todas essas lições. Isso porque ela é rica em estímulos, tanto perigosos quanto que instigam a curiosidade e ajudam a criança a desenvolver diversas habilidades.
Devido a isso, as crianças aprendem um repertório de comportamentos maior, que reflete na maneira em que os indivíduos agem quando estão na fase adulta. É através dessas brincadeiras que as crianças aprendem uma série de comportamentos adaptativos, que ajudam a lidar com momentos ruins. A brincadeira ao ar livre entrega, portanto, uma regulação emocional superior quando comparada aos casos de crianças que brincam apenas no conforto de seus lares.
Prova disso é que, a medida em que o número de crianças que brinca ao ar livre diminui, o número de adolescentes e adultos com transtornos depressivos e ansiosos aumenta. Crianças que não têm a oportunidade de enfrentar esse “perigo seguro”, que só ambientes ao ar livre podem proporcionar, muitas vezes acabam tendo problemas emocionais.
Um dos possíveis motivos é o chamado desamparo aprendido, um dos fatores principais no desenvolvimento de transtornos depressivos e ansiosos.
No caso das crianças, que necessitam exercitar sua curiosidade e movimentação em meio a um ambiente cheio de estímulos (como os parques, praças e locais públicos), não encontrar um espaço onde isso possa ser feito ensina a elas que é impossível encontrar um lugar no qual elas possam tornar realidade aquilo que desejam. Com o tempo, esse se torna o padrão de pensamento desses indivíduos: “os esforços são em vão, pois não me levam a lugar algum”.
Isso define o desamparo aprendido: uma sensação de incapacidade mesmo tendo todos os recursos para tornar o que deseja real, causada por limitações ambientais, como pais que impedem que a criança faça o que deseja por si mesma.
Crianças que são possibilitadas de brincar ao ar livre costumam ter menos sentimentos de incapacidade, pois a elas foi dada a oportunidade de aprender por si mesmas os perigos e as delícias do mundo lá fora.
O que os estudos dizem?
Uma grande quantidade de estudos demonstra que, mesmo que haja situações estressantes para as crianças nos primeiros anos de vida, a convivência com a natureza e ambientes ao ar livre reduziram sintomas de déficit de atenção e hiperatividade, além de estimular a aprendizagem nessas crianças.
Embora não seja possível dizer que haja uma influência direta da natureza nesses resultados mais positivos, sabe-se que esse tipo de ambiente, ao menos, diminui o impacto que outras adversidades têm na saúde mental dos pequenos.
Outras pesquisas mostram, também, que crianças que têm contato frequente com a natureza têm uma sensação de autorrealização e espiritualidade maior, em comparação às crianças que passam maior parte do tempo dentro de casa e ambientes fechados.
As experiências das brincadeiras ensinam grandes lições aos pequenos, uma delas é que eles podem correr atrás do que desejam. Por isso, é importante proporcionar um ambiente que os ensine isso. Se você deseja auxiliar o desenvolvimento cognitivo e emocional de seu filho, deixe-o correr pequenos riscos e aprender com as brincadeiras ao ar livre!
Referências
Piaget, J. (1967). Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/15/ciencia/1521111527_411316.html
https://www.psychologytoday.com/us/blog/people-in-nature/201302/do-early-outdoor-experiences-help-build-healthier-brains
https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-athletes-way/201607/5-ways-outdoor-learning-optimizes-childrens-well-being
https://education.umkc.edu/download/berkley/The-Importance-of-Outdoor-Play-and-Its-Impact-on-Brain-Develpoment-in-Children.pdf