Um dos pilares para uma vida saudável, incluindo a manutenção da saúde mental, é justamente uma alimentação equilibrada, com grande variação de alimentos e nutrientes. No entanto, nem todas as pessoas conseguem ingerir uma grande variedade de alimentos e isso não se trata apenas de uma questão de preferência.
Neste texto, iremos entender melhor o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), popularmente conhecido apenas como “seletividade alimentar”. Iremos conceituar o transtorno, bem como discutir suas causas, sintomas, como o diagnóstico é feito e as possibilidades de tratamento.
O que é seletividade alimentar?
A seletividade alimentar é uma condição na qual a pessoa limita a variedade da ingestão de alimentos sem um motivo aparente, como alergias, intolerâncias ou dietas para alterar o peso. A condição também é chamada de Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE).
Em geral, as pessoas com seletividade alimentar apresentam restrição na ingestão de alimentos devido a problemas sensoriais, falta de apetite ou por medo das consequências de comer um determinado alimento, como por exemplo medo de acabar engasgando.
O transtorno pode ocorrer em qualquer idade, mas geralmente começa na infância. É comum que adultos aprendam a comer uma variedade maior de alimentos ao longo da vida, mas ainda há muitos adultos que se enquadram nos critérios diagnósticos da seletividade alimentar.
Além disso, também é comum que crianças na segunda infância apresentem alguma seletividade na hora de comer. No entanto, essa seletividade não costuma ser tão restrita quanto no caso do TARE.
Neste transtorno, a pessoa tende a excluir grupos alimentícios inteiros de sua alimentação, sendo mais frequentes os legumes e as verduras.
Por conta disso, a seletividade alimentar é frequentemente vista como uma frescura, muitas vezes sendo chamada de “paladar infantil”, mas não se trata de uma questão tão simples quanto apenas não querer comer certos alimentos.
Pessoas com esse transtorno geralmente sofrem bastante para manter uma alimentação saudável, pois podem chegar a passar mal ao ingerir os alimentos que não costumam consumir, mesmo que não tenham nenhum tipo de alergia ou intolerância.
Existem casos em que a pessoa desenvolve também uma certa fobia à introdução de novos alimentos em sua dieta, chamada de neofobia alimentar.
Como consequência de uma seletividade alimentar não tratada, a pessoa tende a desenvolver déficits nutricionais que podem ser bastante perigosos a longo prazo.
Vale ressaltar que a seletividade alimentar não tem qualquer relação com problemas com a imagem corporal. Em outras palavras, a restrição existente nesse transtorno não é acompanhada de distorções na imagem corporal, como no caso da anorexia e da bulimia.
Embora pessoas com seletividade alimentar possam ter um peso abaixo do ideal por conta das restrições, não significa que pessoas com esse transtorno sempre estarão magras. Se uma pessoa come uma variedade menor de alimentos, mas essa alimentação é baseada em alimentos altamente calóricos, ainda que sua dieta seja restrita, ela pode desenvolver sobrepeso.
Seletividade ou preferência alimentar?
É normal que as pessoas acabem desenvolvendo preferências alimentares, no sentido de gostar mais de determinados alimentos do que de outros e até mesmo excluir um ou outro alimento de suas dietas.
No entanto, isso é um quadro bastante diferente da seletividade alimentar.
Uma pessoa que não gosta de cebola, por exemplo, pode comer diversos pratos com vários vegetais, retirando somente a cebola.
Já uma pessoa que sofre de seletividade alimentar costuma excluir grupos alimentícios inteiros de sua dieta, e, neste caso, não bastaria apenas retirar um ou outro ingrediente que ela não gosta da receita.
Portanto, a seletividade alimentar não é apenas uma questão de preferência.
Neofobia alimentar: o que é?
A neofobia alimentar é entendida como o medo de novos alimentos. Nem sempre quem tem neofobia alimentar necessariamente tem uma seletividade alimentar, mas as duas condições costumam aparecer juntas.
O medo de novos alimentos pode surgir como uma ansiedade em relação a textura e sabores, bem como possíveis consequências de ingerir aquele novo alimento. Por ser algo que a pessoa nunca comeu antes, ela pode não saber o que esperar: será que tem algum caroço? Será que ela pode se engasgar? Existe um jeito correto de consumir esse alimento? Entre outros questionamentos.
A neofobia alimentar não muda a maneira que a pessoa se relaciona com alimentos que ela já tem o costume de ingerir, enquanto a seletividade alimentar pode se manifestar nesse quesito.
Em outras palavras, a seletividade alimentar também pode aparecer quando há alguma mudança na maneira que o alimento é preparado, nos temperos, ou até mesmo mudanças de marca ou formulação de alimentos industrializados, enquanto a neofobia alimentar se limita à introdução de novos alimentos apenas.
Causas da seletividade alimentar
Não existe uma causa específica para a seletividade alimentar, mas foram identificados alguns fatores que podem contribuir para o surgimento do transtorno. São eles:
- Experiências traumáticas envolvendo a alimentação, como um engasgo sério, alimentação forçada ou até mesmo insegurança alimentar;
- Ter alguma condição que afeta o funcionamento ou o desenvolvimento neurológico, como ansiedade, transtorno do espectro autista (TEA) ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH);
- Ter uma maior sensibilidade sensorial, que pode gerar aversão a certas texturas, cheiros e sabores;
- Histórico familiar de transtornos alimentares.
Apesar da alimentação ser uma necessidade fisiológica, sabemos que ela também é influenciada por questões sociais e, por conta disso, o desenvolvimento dos padrões alimentares dependem não apenas dos alimentos disponíveis em uma determinada região, mas também da cultura, dos costumes e tradições.
É normal que, na segunda infância, uma criança apresente uma certa seletividade alimentar, recusando alimentos novos ou diferentes do que está habituada.
No entanto, se os pais forçam a criança a comer, por exemplo, isso pode acabar ficando marcado, fazendo a criança desenvolver uma relação nada saudável com a alimentação, podendo, posteriormente, apresentar sintomas do transtorno alimentar restritivo evitativo.
Algumas condições, como o transtorno do espectro autista (TEA) e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) também podem aumentar a sensibilidade a estímulos sensoriais num geral, o que se reflete na alimentação pela evitação de determinadas texturas, cheiros e sabores.
No caso do TEA em específico, sabe-se que mudanças na rotina também aumentam significativamente os níveis de ansiedade que a pessoa sente. Sendo assim, uma pessoa no espectro pode acabar optando por manter uma alimentação limitada não necessariamente por questões sensoriais, mas pela necessidade de rotinas restritas características dessa condição.
Sinais e sintomas da seletividade alimentar
O principal sintoma da seletividade alimentar é justamente a limitação da variedade de alimentos. No entanto, alguns outros sinais que podem aparecer são:
- Falta de apetite;
- Comer apenas alimentos com determinadas texturas;
- Reações negativas a cheiros, sabores, texturas e cores dos alimentos, incluindo reações fisiológicas como repulsa e vômito;
- Medo do que pode acontecer ao comer, como engasgos ou vômitos;
- Problemas gastrointestinais, como constipação, refluxo, entre outros, decorrentes de uma alimentação pouco balanceada;
- Letargia;
- Tontura;
- Desmaios;
- Dificuldade para prestar atenção;
- Fraqueza muscular.
Como é feito o diagnóstico de seletividade alimentar?
Como a alimentação é uma questão não apenas fisiológica, mas também bastante cultural e subjetiva, o diagnóstico de uma seletividade alimentar pode ser um desafio. Para fazer esse diagnóstico, o profissional irá avaliar o seguinte:
- Se a pessoa está conseguindo ingerir os nutrientes necessários no dia-a-dia;
- Se as limitações alimentares estão causando alguma dificuldade em relação ao peso ou ao crescimento esperado (em crianças);
- Se a pessoa precisa complementar sua nutrição por meio de suplementos vitamínicos;
- Se a limitação alimentar não é causada por questões como insegurança alimentar, jejum por motivos religiosos ou culturais, presença de alergias, intolerâncias ou outras condições médicas que afetam a alimentação;
- Se as limitações não estão relacionadas a problemas com a imagem corporal, desejo de perder peso ou modificar o corpo.
Em alguns casos, a limitação na ingestão de alimentos pode ser causada por enfermidades ou tratamentos. Nestes casos, é possível diagnosticar o TARE caso as limitações apresentadas pela pessoa sejam maiores do que o esperado para o seu quadro, bem como se essas limitações estão causando prejuízos e complicações à saúde.
Consequências de uma seletividade não tratada
As complicações que podem surgir como consequência de uma seletividade alimentar não tratada chegam a oferecer risco de vida, a depender do caso. Dentre elas, estão:
- Desnutrição;
- Desidratação;
- Anemia;
- Ciclo menstrual irregular ou ausência da menstruação (amenorreia);
- Hipotensão (pressão sanguínea baixa);
- Osteoporose;
- Insuficiência cardíaca;
- Em crianças, crescimento abaixo do esperado;
- Peso abaixo do ideal;
- Atrasos na puberdade.
Como tratar a seletividade alimentar
O tratamento da seletividade alimentar é um tratamento multidisciplinar, ou seja, é feito com mais de um profissional da saúde. Em geral, o tratamento é feito com a ajuda de profissionais da nutrição e da saúde mental.
O objetivo do tratamento é ajudar a pessoa a manter-se em um peso saudável, além de prevenir complicações na saúde como déficits nutritivos e suas consequências.
Um profissional da área da nutrição irá ajudar a selecionar alimentos adequados para manter uma dieta balanceada. No entanto, é comum que dietas passadas por esses profissionais incluam também alimentos que a pessoa com TARE não costuma ingerir. É neste momento que entra o profissional da saúde mental.
Geralmente, o transtorno alimentar restritivo evitativo é tratado pela terapia cognitivo-comportamental (TCC), que irá ajudar o paciente a reconhecer padrões prejudiciais de pensamento e comportamento que ajudam na manutenção da seletividade alimentar, bem como auxiliar na diminuição da ansiedade relacionada à alimentação.
O psicoterapeuta também poderá ensinar o paciente a comer de formas que diminuem as chances de seus medos ocorrerem (como o medo de engasgos, por exemplo), além de poder ajudar o paciente a se flexibilizar melhor para lidar com desafios sensoriais.
Um médico pode prescrever também um medicamento que abre o apetite, no caso de pessoas que também apresentam sintomas como apetite diminuído.
Em alguns casos, um nutricionista também pode receitar suplementos de vitaminas e minerais para corrigir déficits nutricionais, quando a pessoa realmente não consegue expandir a variedade de alimentos ingeridos.
Por fim, em casos mais graves nos quais a pessoa já apresenta uma desnutrição severa, o tratamento pode requerer internação em um hospital, no qual a pessoa receberá alimentação por sonda.
Embora uma certa preferência alimentar seja normal, especialmente durante a infância, existem casos em que a pessoa não consegue aumentar sua variedade de alimentos por questões mais complexas do que apenas gosto.
Se você percebe que lida com esse problema ou conhece alguém que está passando por isso, não hesite em procurar ajuda com um profissional da saúde!
Referências
https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/24869-arfid-avoidant-restrictive-food-intake-disorder
https://kidshealth.org/en/parents/arfid.html
https://www.beateatingdisorders.org.uk/get-information-and-support/about-eating-disorders/types/arfid/
https://www.nationaleatingdisorders.org/avoidant-restrictive-food-intake-disorder-arfid/
https://www.webmd.com/mental-health/eating-disorders/what-is-arfid
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK603710/
https://eatingdisorders.org.au/eating-disorders-a-z/arfid/
https://drauziovarella.uol.com.br/pediatria/como-tratar-a-seletividade-alimentar-em-criancas-autistas/