De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a epilepsia atinge cerca de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo. Já no Brasil, estima-se que a condição esteja presente em 2% da população, segundo a Associação Brasileira de Epilepsia.
Apesar da condição ser conhecida pelo aparecimento de crises convulsivas que, em casos graves, podem ser debilitantes o bastante para que a pessoa tenha dificuldades em levar uma vida funcional, o que muita gente não sabe é que as crises epilépticas podem vir acompanhadas de sintomas psiquiátricos.
Neste texto, explicaremos melhor a relação entre epilepsias focais e os principais sintomas psiquiátricos que surgem junto desse quadro.
O que é epilepsia?
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada pela presença de crises na qual há descargas elétricas anormais no cérebro que prejudicam seu funcionamento normal.
O resultado dessas crises são alterações no nível de consciência, bem como movimentos involuntários (como contrações involuntárias dos músculos) e sensações anormais.
As principais causas de crises epilépticas são febres altas, anormalidades metabólicas como níveis alterados de glicose, sódio, cálcio, magnésio e vitamina B6, lesões cerebrais, tumores cerebrais, acidente vascular cerebral (AVC) e até mesmo abstinência alcoólica.
No entanto, existem muitos casos, especialmente em crianças, nos quais a causa das crises é desconhecida.
Em geral, as crises têm duração de 2 a 3 minutos, mas podem chegar a durar mais. Quando ultrapassa 5 minutos, a busca por atenção médica é urgente.
As crises epilépticas podem ser generalizadas, quando as descargas elétricas anormais ocorrem no cérebro inteiro, ou focais, quando essas descargas se iniciam em partes específicas do cérebro.
Além disso, as crises também podem ser chamadas de convulsões, que são classificadas de acordo com seus efeitos motores:
- Convulsões atônicas: caracterizadas pela perda completa do tônus muscular, geralmente provocando quedas;
- Convulsões tônicas: ocorre um aumento do tônus muscular, que pode acontecer de forma abrupta ou gradual, e também costuma resultar em quedas;
- Convulsões clônicas: crises caracterizadas por contrações musculares e relaxamentos repetidos de forma rítmica durante todo o episódio convulsivo;
- Convulsões tônico-clônicas: são caracterizadas por iniciar com uma contração muscular (tônica) que passa a se alternar entre contração e relaxamento (clônica);
- Convulsões mioclônicas: caracterizadas por espasmos rápidos em um ou mais membros, podendo ocorrer também na região do tronco, e pode ocorrer de forma repetitiva;
- Convulsões mioclônicas-atônicas: ocorrem espasmos rápidos como nas convulsões crônicas, que são seguidos de um amolecimento súbito (perda do tônus muscular).
Por fim, existem as crises de ausência, que se caracterizam pela falta das alterações musculares involuntárias e parece apenas que a pessoa “desliga” por alguns segundos. A pessoa pode demonstrar um olhar vago ou piscar os olhos e perde a consciência.
O que é epilepsia focal?
Na epilepsia focal, a crise epiléptica tem origem em uma região cerebral específica (unifocal) ou algumas regiões específicas (multifocal). Em outras palavras, a crise se inicia em um ponto específico, ao contrário das crises generalizadas que ocorrem no cérebro inteiro.
Além disso, as crises focais podem ser classificadas em perceptiva (ou simples), em que a consciência é preservada, ou desperceptiva (ou complexa), em que há perda da consciência.
Vale ressaltar que uma crise epiléptica pode ter início focal, mas se espalhar pelo resto do cérebro, se assemelhando a uma crise epiléptica generalizada.
Quais os sintomas da epilepsia focal?
Os sintomas dependem de onde a crise tem início, pois vai depender quais são as funções relacionadas a área do cérebro afetada.
Alguns sintomas comuns de crises epilépticas focais são:
- Movimentos involuntários dos músculos em partes específicas do corpo (ao invés do corpo inteiro);
- Sensação de formigamento ou dormência;
- Olhar fixo ou, alternativamente, movimentos rápidos dos olhos;
- Alterações de humor;
- Alterações na percepção (como alucinações, por exemplo).
É comum também que, antes de uma crise epiléptica, a pessoa apresente o que chamamos de aura epiléptica, na qual tem a sensação de ouvir, cheirar, sentir o gosto ou o tato de coisas que não estão ali.
Sintomas psiquiátricos da epilepsia focal
Estudos mostram que até 50% das pessoas com epilepsia acabam desenvolvendo também algum transtorno mental, sendo os mais comuns depressão, ansiedade e transtornos psicóticos.
Dentre os principais sintomas psiquiátricos que aparecem em pessoas que sofrem com epilepsia focal estão:
Mudanças de humor
Mudanças de humor podem ocorrer alguns minutos logo antes de uma crise epiléptica, durante o período de “aura epiléptica”, ou podem aparecer após uma série de crises, podendo durar até duas semanas.
Também existem casos em que mudanças de humor se manifestam algumas horas ou até mesmo dias antes de uma crise epiléptica. Nesses casos, as alterações de humor tendem a melhorar após a crise.
As mudanças de humor podem ser tanto para o lado da depressão (humor deprimido) quanto para o lado da mania (humor eufórico). Essas mudanças ocorrem com mais frequência quando as crises costumam ocorrer nos lobos frontal ou temporal.
Na depressão, é comum o aparecimento de sintomas como um humor depressivo crônico intermitente, irritabilidade e ideação suicida. Já a mania é caracterizada por um humor eufórico, grande disposição mesmo sem descanso adequado, necessidade de sono reduzida, pensamento acelerado, entre outros.
Ansiedade
A ansiedade é bastante comum em pessoas que sofrem de epilepsia focal e pode surgir tanto no período de aura (como se estivesse antecipando a crise) quanto após uma série de crises.
Ela é mais comum em pacientes que apresentam epilepsia no lobo temporal, em especial com focos no lado esquerdo do cérebro.
Dentre os fatores que contribuem para o desenvolvimento de ansiedade em pessoas com epilepsia estão a imprevisibilidade das crises epilépticas e o estigma social relacionado à condição.
Não é raro que pacientes desenvolvam transtorno de ansiedade generalizada (TAG), fobia social, síndrome do pânico e agorafobia. Raramente, algumas pessoas também desenvolvem transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Irritabilidade e agressividade
Em alguns casos raros, a pessoa pode ter um breve episódio de agressividade de alguns poucos minutos antes de uma crise epiléptica. No entanto, geralmente essa agressividade não é direcionada a nada nem a ninguém em específico e tende a melhorar após a crise.
Em geral, quando a pessoa apresenta uma agressividade maior após crises, esta geralmente está associada a uma irritabilidade que surge como sintoma de um quadro depressivo associado à epilepsia.
Alucinações e sintomas psicóticos
Algumas pessoas apresentam alucinações visuais, auditivas e gustativas logo antes de apresentar uma crise epiléptica, durante o período de aura.
No entanto, estima-se que em 4 a 10% dos casos a pessoa desenvolve também sintomas psicóticos transitórios após uma série de crises. É mais comum em pessoas que lidam com epilepsia temporal.
Em geral, existe um período entre 12 e 72 horas após uma crise epiléptica até o aparecimento dos sintomas psicóticos. Em grande parte dos casos, os sintomas incluem alucinações, delírios e pensamento desorganizado e chegam a durar algumas semanas.
Já em outros casos, é possível desenvolver um quadro crônico, que se assemelha à esquizofrenia, mas que em geral tende a preservar melhor a personalidade da pessoa. Esse quadro só ocorre após muitos anos de crises epilépticas, sendo mais comum em pessoas que apresentam focos epilépticos no lado esquerdo do cérebro.
Não se sabe exatamente o porquê da pessoa desenvolver sintomas psicóticos após crises epilépticas, mas estima-se que pode estar relacionado a alterações neuroquímicas temporárias que ocorrem por conta das crises.
Como agir diante de uma crise epiléptica?
Para quem não convive com o problema, presenciar uma crise convulsiva pode ser assustador e a pessoa pode não saber o que fazer, mas em geral as medidas a serem tomadas são bastante simples:
- Acomode a pessoa de forma a proteger sua cabeça de bater no chão;
- Coloque a pessoa de lado para evitar que ela se engasgue com saliva ou vômito;
- Retire objetos próximos que podem causar lesões, como objetos duros, pontiagudos, entre outros;
- Retire acessórios que a pessoa está vestindo que podem causar lesões, como óculos, relógio de pulso etc., além de afrouxar as roupas caso estas sejam muito justas;
- Fique de olho na duração da crise: caso passe de 5 minutos, chame a emergência.
Não é preciso fazer mais nada além disso que foi relatado acima, então esqueça qualquer outra dica que é popularmente espalhada, como jogar água na pessoa, por exemplo.
Alguns exemplos do que não fazer são:
- Colocar algo na boca da pessoa;
- Segurar os membros da pessoa;
- Jogar água;
- Bater no rosto da pessoa;
- Oferecer algo para a pessoa beber ou cheirar;
- Medicar a pessoa.
É comum que, após uma crise convulsiva, a pessoa apresente confusão e precise de ajuda para se orientar.
Tratamento da epilepsia focal
Em geral, as crises epilépticas são tratadas com medicamentos anticonvulsivantes (também chamados de antiepilépticos).
Quando sintomas psiquiátricos também estão presentes, o tratamento pode ser feito com os medicamentos adequados para esses sintomas.
No entanto, é necessário prestar atenção pois alguns medicamentos psiquiátricos podem diminuir o limiar para crises epilépticas, fazendo com que a pessoa tenha crises mais frequentes ou atrapalhando o funcionamento dos medicamentos anticonvulsivos.
No caso de antidepressivos, sabe-se que os ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina) podem ter esse efeito, mas são mais seguros do que os antidepressivos tricíclicos (ADT).
Medicamentos antipsicóticos também podem causar esse efeito, sendo que os antipsicóticos atípicos têm menos chances de diminuir o limiar para crises e costumam ser receitados em doses menores do que quando são receitados para pacientes com esquizofrenia, sem comprometer a eficácia.
Nem sempre crises epilépticas vem acompanhadas de sintomas psiquiátricos mas, quando isso ocorre, é interessante buscar ajuda, pois existe a chance dos sintomas evoluírem para quadros crônicos.
Se você percebe que está lidando com sintomas depressivos, ansiosos ou até mesmo psicóticos, não hesite em procurar um psiquiatra!
Referências
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-neurol%C3%B3gicos/transtornos-convulsivos/transtornos-convulsivos
https://portal.afya.com.br/neurologia/epilepsia-quais-os-tipos-de-crise-e-como-diferencia-las-purple-day
https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/544
https://epilepsysociety.org.uk/sites/default/files/2020-08/Chapter16Foong2015_0.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/marco/epilepsia-conheca-a-doenca-e-os-tratamentos-disponiveis-no-sus