Suicidalidade e depressão resistente em adolescentes: a quetamina pode ajudar?

Estudos mostram que o tratamento com quetamina pode ajudar população resistente ao tratamento convencional. Entenda!

O tratamento da depressão em adolescentes é frequentemente bastante desafiador, especialmente quando apresentam casos de depressão refratária e ideação suicida. Estimativas mostram que o suicídio é a causa de 40% das mortes em jovens com transtorno depressivo maior, um número muito preocupante.

Neste artigo, iremos falar sobre o estado do tratamento da depressão refratária em adolescentes até o momento e como uma nova alternativa pode trazer esperança para estes casos.

Como é a depressão resistente ao tratamento?

Também chama de depressão refratária, a depressão resistente ao tratamento é um tipo de depressão que não responde bem ao tratamento ou inicialmente responde, mas o efeito é temporário e os sintomas acabam voltando em pouco tempo, mesmo que a pessoa siga se tratando da forma prescrita.

É normal que demore um pouco para acertar a medicação quando uma pessoa vai ao psiquiatra pela primeira vez. No entanto, quando todos os tratamentos tentados falham, pode-se considerar um quadro de depressão refratária.

Quando falamos no tratamento da depressão com medicamentos num geral, a linha de frente é composta por medicamentos antidepressivos do tipo inibidor de recaptação de serotonina (ISRS). Contudo, esses antidepressivos estão bastante associados a um aumento da ideação suicida em pessoas menores de 25 anos de idade, tornando-os uma alternativa um pouco arriscada no tratamento de adolescentes e jovens adultos.

Outros antidepressivos podem ser usados, como os antidepressivos duais, os antidepressivos tricíclicos (ADTs) e até mesmo os antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (IMAO), uma classe de antidepressivos bastante antiga e que costuma ser evitada por conta dos efeitos colaterais, que tendem a ser mais intensos.

No entanto, no caso da depressão refratária, esses medicamentos fazem um efeito limitado ou perdem o efeito com o tempo, fazendo com que os sintomas depressivos voltem e interfiram na vida da pessoa em um nível semelhante ao que interferia antes do tratamento.

Depressão refratária na adolescência

Em geral, a depressão refratária tem como fator de risco a idade mais avançada, porque a medida em que a pessoa envelhece, a plasticidade cerebral (capacidade do cérebro de modificar e criar novas sinapses) é diminuída.

No entanto, ela não chega a ser rara em adolescentes e jovens adultos. Nesses casos, a depressão tende a ser crônica e a ideação suicida se faz bastante presente.

Alguns fatores que podem contribuir para isso é a falta de acesso dos adolescentes a serviços de saúde mental e dificuldades da própria idade, que é conhecida por ser um momento conturbado emocionalmente.

A psicoterapia pode ser uma grande aliada nesse momento da vida, pois as mudanças que o adolescente e jovem adulto passam podem causar impactos significativos em sua autoimagem, autoestima e visão de mundo. Contudo, nem sempre somente a psicoterapia dá conta do problema, fazendo com que o acompanhamento psiquiátrico seja necessário.

Possível tratamento: quetamina e esketamina

A quetamina, também escrita como ketamina e cetamina, é uma substância anestésica que tem se mostrado promissora no tratamento da depressão.

Atualmente, seu uso médico é mais frequente na medicina veterinária e existem casos em que as pessoas usam a substância como droga de abuso, mas isso não significa que ela não tenha um bom potencial na medicina humana.

Os efeitos da quetamina são dissociativos, ou seja, a pessoa se sente desconectada do próprio corpo, como se estivesse sonhando. No entanto, um efeito secundário da substância é justamente a elevação do humor.

É neste contexto de atuação no humor que entram os testes com a quetamina como um possível tratamento para a depressão. Já existem diversos estudos com resultados bastante promissores, mas ainda são necessários mais estudos para poder regulamentar o uso da substância.

A quetamina parece uma substância promissora porque seu mecanismo de ação é bem diferente do mecanismo de ação dos antidepressivos tradicionais. No caso da depressão, a quetamina pode ajudar no tratamento de diversas formas:

  • Reduzindo a atividade de interneurônios GABAérgicos, que normalmente “freiam” a atividade de outros neurônios e, com isso, ajudando na atividade dos receptores AMPA, que são essenciais para funções como memória e aprendizado;
  • Permitindo uma maior atividade de um neurotransmissor chamado glutamato, que é o principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central (cérebro);
  • Estimulando processos que favorecem o crescimento e a renovação de conexões entre os neurônios, o que pode melhorar o humor e a capacidade do cérebro de se adaptar;
  • Reduzindo a atividade excessiva de uma área do cérebro chamada habenula lateral, que está associada à depressão.

Por fim, a cetamina interage com receptores ligados aos opioides (como os receptores μ e κ), e também afeta substâncias como serotonina, noradrenalina e dopamina — todas envolvidas no controle do humor.

Todos esses efeitos combinados ajudam a explicar como a quetamina pode reduzir sintomas depressivos.

O que mostram os estudos?

A quetamina e a esketamina (uma forma modificada da quetamina) foram objeto de estudo de diversos pesquisadores e os resultados, até o momento, são promissores.

Um estudo publicado em 2024 no periódico científico Children foi feito pensando especificamente nos casos de adolescentes com depressão refratária. Este estudo é uma revisão sistemática, ou seja, um tipo de estudo que reúne, avalia e resume de forma organizada e criteriosa os resultados de várias pesquisas sobre um mesmo tema, e busca trazer uma visão mais clara e confiável do que se sabe até o momento.

Segundo esta revisão, estudos realizados com o uso de quetamina intravenosa ou esketamina intravenosa ou intranasal tem resultados bastante significativos, demonstrando uma melhora nos sintomas depressivos dos adolescentes e jovens adultos com depressão refratária quando comparado a outros tratamentos.

Além da diminuição dos sintomas depressivos, os estudos mostram que a quetamina ajuda a tratar outros sintomas que são considerados “residuais” e difíceis de tratar, como alguns sintomas cognitivos e a anedonia (dificuldade em sentir prazer), impactando também a ideação suicida. Em alguns casos, a quetamina também ajudou a reduzir sintomas ansiosos, embora esse não fosse o foco dos estudos.

Por fim, os estudos demonstraram que existe uma boa segurança e tolerabilidade no uso da substância quando realizado da forma prescrita para o tratamento. Em outras palavras, não se pode esperar os mesmos resultados quando o uso é recreativo.

É importante ressaltar que o uso recreativo de quetamina pode trazer uma série de problemas, como tolerância e dependência química, e portanto não pode ser comparado ao uso terapêutico estudado nestas pesquisas.

Tratar a depressão em adolescentes é extremamente importante porque ajuda a prevenir não só casos de suicídio em pessoas jovens, mas também pioras na saúde mental do indivíduo quando ele alcançar a idade adulta.

No entanto, nem sempre esse tratamento é tão simples e novas pesquisas mostram que ainda podemos encontrar alternativas aos protocolos atuais, embora ainda sejam necessários vários estudos para estabelecer questões como segurança e protocolos eficazes.

Se você percebe que está lidando com problemas de saúde mental ou percebe que algum adolescente em sua família está apresentando sintomas depressivos, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!

Referências

Pardossi S, Fagiolini A, Scheggi S, Cuomo A. A Systematic Review on Ketamine and Esketamine for Treatment-Resistant Depression and Suicidality in Adolescents: A New Hope? Children. 2024; 11(7):801. https://doi.org/10.3390/children11070801

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