A terceira idade, que tem seu início por volta dos 60 anos, é uma fase da vida caracterizada por mudanças físicas, sociais e emocionais significativas. Em geral, a terceira idade começa com a aposentadoria, o que por si só já traz grandes mudanças à vida do idoso. Contudo, existem ainda outras vivências específicas dessa idade que podem contribuir não apenas para um declínio da saúde mental, como também para a ideação suicida e a realização do ato.
Dados estatísticos mostram que as taxas de suicídio são até 47% maiores na população com mais de 70 anos de idade. Enquanto na população em geral a taxa é de 5,3 suicídios para cada 100 mil habitantes, aos 70 anos essa taxa sobe para 8,9/100 mil habitantes.
Quais fatores influenciam o suicídio na terceira idade?
A taxa de suicídio ser maior na terceira idade não é mera coincidência. Devido às mudanças significativas na vida das pessoas nessa idade, surgem diversos fatores de risco que podem aumentar a ideação suicida nessa população. Dentre eles estão:
Doenças crônicas
As doenças crônicas podem ser descritas como problemas de saúde que não se resolvem em pouco tempo, ou seja, que duram anos e muitas vezes não têm cura.
Embora possam aparecer antes da terceira idade, grande parte dessas doenças surgem com o envelhecimento e, frequentemente, são doenças progressivas que vão deixando a pessoa cada vez mais incapacitada.
Em outras palavras, o idoso tem mais chances de desenvolver problemas de saúde debilitantes, prejudicando seu funcionamento no dia-a-dia.
Dentre as doenças crônicas mais comuns nessa idade estão a AIDS, o câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, dores crônicas, doenças renais em estágio final e transtornos neurológicos severos.
A presença dessas enfermidades não necessariamente aumentam as chances de suicídio em si, mas podem contribuir para sentimentos de desesperança e sensação de falta de sentido na vida, o que pode aumentar a ideação suicida.
Isolamento
A terceira idade vem frequentemente acompanhada de um isolamento involuntário, tendo em vista que a pessoa acaba perdendo contato com muitas pessoas a partir da aposentadoria e por conta de possíveis limitações trazidas por problemas de saúde.
Na aposentadoria, a falta de convivência com colegas de trabalho influencia nesse quadro de isolamento. Nos casos de idosos com filhos, nessa faixa etária geralmente os filhos estão adultos e moram em outros lugares, não tendo tanto contato com o indivíduo.
Lutos e perdas
Outro fator importante são as perdas de entes queridos. Amigos e familiares da mesma idade podem vir a falecer, deixando o idoso ainda mais isolado e vivenciando diversos lutos simultaneamente.
Perda de papéis sociais
Os papéis sociais costumam fazer parte da nossa identidade. Com a aposentadoria, perde-se a identidade profissional. Com a saída dos filhos de casa, perde-se em parte a identidade de pais e/ou cuidadores. Com a perda de um cônjuge, perde-se a identidade de marido/esposa.
Tudo isso pode contribuir para sentimentos de inadequação e desesperança, auxiliando no desenvolvimento de transtornos mentais nessa idade.
Separação e viuvez
Mais um fator comum na terceira idade são as situações de separação ou perda de um cônjuge, especialmente se depois disso o idoso passa a viver sozinho, piorando seu isolamento.
Não raramente, o luto pela perda de um cônjuge se apresenta de forma mais intensa e significativa do que o luto pela perda de amigos e outros familiares. No entanto, isso não necessariamente é realidade para todos.
Estudos estatísticos mostram que pessoas separadas ou viúvas tem cerca de duas vezes mais chances de cometer suicídio do que pessoas casadas.
Falta de autonomia
Não raramente, a terceira idade vem acompanhada da perda da autonomia que um adulto de meia idade costuma ter. Isso pode se dar por conta do surgimento de doenças crônicas, mas também pode estar relacionada com o tratamento de amigos e familiares, que enxergam o idoso como frágil e começam a minar sua autonomia.
Em casos mais extremos, outros familiares podem se apropriar do dinheiro e dos bens da pessoa idosa, julgando que ela não consegue tomar conta de seus pertences.
Maus-tratos
Nos casos em que a pessoa idosa acaba perdendo parte de sua autonomia, ela está sujeita a viver mais maus-tratos por parte de familiares, do sistema de saúde e da sociedade em geral.
Sentimentos de ser um estorvo
Mais um fator relacionado à perda de autonomia são os sentimentos de acabar sendo um estorvo para familiares e amigos, o que pode alimentar sintomas depressivos e auxiliar no desenvolvimento de quadros psiquiátricos.
Transtornos mentais não diagnosticados/tratados
Quando uma pessoa idosa já possui algum transtorno mental, é comum que ele piore durante a terceira idade por conta de todos os fatores mencionados acima. Porém, também é comum que, nesses casos, a pessoa não tenha tido um diagnóstico formal de transtorno mental ou, alternativamente, não conseguiu acesso ao tratamento adequado para sua condição.
Vale ressaltar que, nessa idade, por conta dos fatores citados anteriormente, há grandes chances de uma pessoa desenvolver um quadro depressivo, que é um dos maiores preditores de ideação suicida nessa faixa etária.
Em muitos casos, o quadro depressivo pode ser confundido com o processo natural do envelhecimento, não sendo diagnosticado e nem tratado. Portanto, é importante o acompanhamento de um profissional da saúde mental para auxiliar na identificação desse quadro o quanto antes.
Falta de perspectiva para o futuro
Considerando que, na terceira idade, estima-se que a pessoa não irá viver por muito mais anos, é comum que pessoas idosas deixem de fazer planos para o futuro, o que contribui para o surgimento do sentimento de falta de perspectiva.
Esse sentimento é bastante frequente em quadros depressivos e pode ajudar na manutenção de sintomas de humor.
Outros fatores de risco
Fatores de risco em comum com outras faixas etárias também contam na terceira idade, como por exemplo ser do gênero masculino, uso de substância, histórico de abuso, traumas, entre outros.
Sinais de alerta
Com todos esses fatores, é importante ficar de olho em sinais de alerta que pessoas idosas podem eventualmente demonstrar. Além de menções explícitas do desejo de não viver mais, pessoas idosas também podem manifestar os seguintes sinais:
- Desistência de atividades prazerosas;
- Perda de interesse pela socialização;
- Verbalizar que já cumpriu seu propósito de vida;
- Descuido com a higiene pessoal;
- Descuido com padrões de alimentação e sono;
- Doação dos pertences;
- Ir atrás de profissionais para a elaboração de um testamento;
- Conversas em tom de despedida.
Como prevenir o suicídio em idosos
Apesar da grande quantidade de fatores de risco, o suicídio em pessoas na terceira idade pode ser prevenido a partir de uma série de fatores de proteção, tais como:
Participação comunitária
Por conta da aposentadoria, a pessoa idosa acaba perdendo muito contato com a comunidade. No entanto, ela pode participar de outras comunidades, como templos religiosos, grupos de atividades, instituições filantrópicas, clubes para terceira idade, entre outros.
Hobbies
A presença de hobbies é um fator importante para a saúde mental independente da idade, mas ganha um significado ainda maior na terceira idade. Isso porque, devido à aposentadoria, a falta de trabalho pode fazer com que o idoso tenha sentimentos de improdutividade e inutilidade. Com hobbies, a pessoa pode sentir que ainda está produzindo alguma coisa, mesmo que não esteja ativamente participando do mercado de trabalho.
Acesso à saúde
Conseguir ter acesso aos tratamentos adequados é imprescindível para melhorar a qualidade de vida do idoso e manter o máximo de autonomia possível. Infelizmente, o acesso à saúde nem sempre é uma questão que está a alcance do idoso individualmente, sendo importante a participação do sistema de saúde e da sociedade para garantir o direito à saúde na terceira idade.
Psicoterapia
A psicoterapia pode ajudar a pessoa na terceira idade a lidar melhor com as mudanças significativas que surgem em sua vida durante esse momento, promovendo um fator de proteção valioso para a saúde mental.
Além disso, o acompanhamento por um profissional da saúde mental pode ajudar a identificar eventuais transtornos mentais não diagnosticados e não tratados que podem se tornar ainda mais preocupantes nessa faixa etária.
Este texto faz parte de uma série de textos do Setembro Amarelo, uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com foco na prevenção do suicídio a partir da educação e conscientização das pessoas acerca dos fatores de risco e comportamentos relacionados ao suicídio.
Se você lida com pensamentos suicidas ou conhece alguém que está apresentando sinais de ideação, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
Wenzel, A.; Beck, A. T. & Brown, G. K. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed.
https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/os-fatores-de-risco-e-sinais-para-evitar-o-suicidio-entre-idosos