Com o aumento dos diagnósticos de autismo nos últimos anos, a terapia ABA também entrou em evidência por ser considerada o padrão ouro para o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA).
No entanto, há muitas informações contraditórias a respeito dessa terapia, podendo fazer com que algumas pessoas a rejeitem mesmo sem nem entender sobre o que se trata.
Neste texto, vamos explicar o que é a ABA, quais os seus princípios, as controvérsias a respeito da terapia para o tratamento do TEA e se existem alternativas que também são baseadas em evidências.
O que é a terapia ABA?
A terapia ABA é um tratamento que foca no uso do reforço positivo para melhorar habilidades sociais, comportamentais, de aprendizado e comunicação. Utilizando os princípios da terapia comportamental (behaviorismo), a ABA traça objetivos e reforça comportamentos desejados.
O termo ABA é um acrônimo para Applied Behavioral Analysis, em português Análise do Comportamento Aplicada.
A ABA é conhecida como o padrão ouro para tratamento do transtorno do espectro autista (TEA), mas é indicada para uma série de transtornos e questões que podem estar prejudicando o desenvolvimento da criança.
Criada em 1961 pelo psicólogo norueguês Ole Ivar Løvaas com o objetivo de modificar os comportamentos de crianças autistas.
Inicialmente, Løvaas aplicava também punições às crianças quando elas emitiam algum comportamento indesejado, o que hoje é rechaçado pela comunidade terapêutica e não faz mais parte da ABA.
Atualmente, a ABA é baseada em reforçar comportamentos desejados por meio de recompensas e simplesmente ignorar comportamentos indesejados até que eles sejam extintos ou substituídos pelo reforço dos comportamentos desejados.
As intervenções usadas na ABA são individualizadas, ou seja, são planejadas de acordo com as necessidades da criança, considerando suas facilidades e desafios.
Para atingir os objetivos de melhorar habilidades, a ABA utiliza técnicas de ensino sistemático, dividindo as habilidades em passos menores que são reforçados à medida em que a criança vai emitindo os comportamentos na direção desejada.
Apesar de a ABA ser uma terapia bastante importante para o desenvolvimento de habilidades, vale ressaltar que crianças com dificuldades no desenvolvimento podem precisar de mais terapias, como a fonoaudiologia, terapia ocupacional, acompanhamento educacional, entre outros.
Além disso, a colaboração dos pais e familiares é extremamente importante para que a terapia seja eficaz. Isso porque os pais e familiares devem dar continuidade em casa às estratégias trabalhadas durante as sessões de terapia. Isso faz com que as habilidades que a criança aprende sejam generalizadas e possam ser aplicadas em diversos contextos e situações.
Princípios da Análise do Comportamento Aplicada
A terapia ABA é baseada nos princípios da psicologia comportamental, também chamada de behaviorismo, e se utiliza dos seguintes ensinamentos dessa corrente da psicologia:
- Reforço positivo: Consiste em recompensar, por meio de elogios, brinquedos ou atividades preferidas, quando o paciente emite os comportamentos desejados;
- Análise funcional do comportamento: Observação do que antecede e o que sucede um comportamento, a fim de entender as causas subjacentes de comportamentos problemáticos ou indesejados, permitindo tratar suas causas ao invés de apenas reprimir os comportamentos;
- Individualização do tratamento: O plano de tratamento deve estar de acordo com as necessidades apresentadas pelo paciente, ao invés de estar restrito a um protocolo rígido.
Para quem a ABA é indicada?
A terapia ABA costuma ser indicada para o Transtorno do Espectro Autista e outros transtornos do desenvolvimento, como síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21), deficiência intelectual, entre outros.
No entanto, suas técnicas não tem efetividade limitada apenas a esses transtornos. Mesmo adultos podem se beneficiar da ABA em quadros como:
- Transtornos de ansiedade;
- Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH);
- Transtorno de personalidade borderline;
- Transtorno obsessivo-compulsivo;
- Transtorno de estresse pós-traumático;
- Transtorno por uso de substância (dependência química);
- Distúrbios do sono.
Tipos de terapia ABA
Apesar da terapia ABA ser individualizada, ela possui algumas intervenções mais especializadas a depender da questão apresentada pelo paciente. São elas:
Treinamento por Tentativas Discretas (DTT)
Do inglês Discrete Trial Training, a DTT é baseada em dividir um comportamento em etapas para ensiná-las passo a passo. Esse processo é baseado em:
- Um antecedente, que é uma pista para que ocorra o comportamento;
- O comportamento, que é uma resposta ao antecedente;
- A conclusão, que é o que ocorre após o comportamento, podendo ser uma consequência ou a falta de uma consequência.
Seguindo esse processo, a pessoa em terapia receberá uma recompensa sempre que o comportamento emitido for o comportamento desejado. Caso o comportamento emitido não seja desejado, ele será ignorado (falta de consequência).
Se o terapeuta está tentando ensinar a pessoa a cumprimentar apertando a mão a fim de trabalhar habilidades sociais, por exemplo, esse processo será mais ou menos assim:
- Antecedente: O terapeuta estende a mão para o paciente;
- Comportamento: O paciente estende a mão para pegar a mão do terapeuta;
- Conclusão: Se o paciente estender a mão para o terapeuta, ele será recompensado. Caso o comportamento emitido seja diferente, o terapeuta ignora o comportamento e recomeça o processo, estendendo novamente a mão para o paciente.
Em um primeiro momento, o paciente pode aprender apenas a estender a mão para cumprimentar. Quando o terapeuta tiver certeza de que o paciente já aprendeu esse primeiro passo, ele pode começar a ensinar o paciente efetivamente pegar na mão da pessoa a ser cumprimentada e depois fazer o aperto de mão.
Early Intensive Behavioral Intervention (EIBI)
Quando a criança é encaminhada para a terapia antes mesmo de entrar em fase escolar, ela pode ser encaminhada para early intensive behavioral intervention (EIBI), que pode ser traduzido como intervenção comportamental intensiva precoce.
Essa intervenção tem como objetivo ajudar a criança a aprender a imitar os outros, focar melhor a atenção, melhorar o uso e compreensão da linguagem e desenvolver a capacidade de brincar e outras habilidades importantes para o dia-a-dia.
Modelo Denver de Início Precoce (ESDM)
Do inglês Early Start Denver Model, o ESDM é aplicado em crianças entre 12 e 48 meses de idade. Nesta intervenção, o objetivo é ajudar a melhorar habilidades cognitivas, sociais e de linguagem por meio de brincadeiras e atividades divertidas.
Ensino em Ambiente Natural
Em geral, o ensino em ambiente natural (NET) é uma fase posterior ao DTT, no qual as habilidades adquiridas durante as sessões são praticadas em ambientes naturais, ou seja, no “mundo real”.
Neste momento, a criança deve aplicar esses aprendizados em casa ou na escola, por exemplo, ao invés de torná-los restritos apenas às sessões de terapia. A colaboração de pais e demais familiares é fundamental nesse momento para manter o reforço dos comportamentos aprendidos.

Terapia ABA para autismo: benefícios e estigmas
A terapia ABA é considerada um padrão ouro para o tratamento de pessoas diagnosticadas com o transtorno do espectro autista (TEA), pois existem evidências científicas de que traz benefícios para o desenvolvimento dessas pessoas.
Os benefícios da ABA para pessoas no espectro autista incluem:
- Aprimoramento das habilidades de comunicação;
- Melhoras nas interações sociais;
- Aumento da autonomia;
- Melhoras nas habilidades acadêmicas;
- Diminuição de comportamentos desafiadores ou problemáticos;
- Melhoras na capacidade de atenção;
- Melhor manejo de sentimentos ansiosos e agressivos.
No entanto, ainda que haja benefícios, existe também uma certa resistência acerca desta terapia.
Grande parte dessa resistência vem de ex-pacientes que tiveram uma experiência ruim com essa terapia na infância. No entanto, isso não significa necessariamente que toda pessoa tratada com a terapia ABA tem a mesma experiência.
Contudo, essa resistência tomou proporções grandes o suficiente para que, em 2023, a Associação Médica Americana (AMA) tenha retirado o apoio à terapia ABA, alegando “falta de evidências” da sua eficácia, embora existam estudos mostrando que há efeitos significativos no desenvolvimento das crianças que passaram pela terapia.
Segundo as pessoas que defendem essa retirada do apoio, a terapia ABA seria baseada em tentar moldar a criança autista para caber dentro do que se considera “normal”, reprimindo seus traços autistas e, como consequência, gerando estresse, aumentando as chances da criança desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na vida adulta e até mesmo aumentando as chances de suicídio nessa população.
Embora alguns desses argumentos tenham respaldo de estudos publicados em periódicos científicos, é importante ressaltar que o estresse pós-traumático e a ideação suicida frequentemente são multifatoriais, ou seja, podem ter surgido pela influência de diversas outras questões para além da exposição à terapia ABA.
Até o momento, a ABA continua sendo considerada padrão ouro por diversas instituições importantes, como a Associação Americana de Psicologia (APA).
Quando começar a terapia ABA?
A terapia ABA deve ser começada assim que a criança tiver a oportunidade, logo após o diagnóstico da condição que tem indicação para esse tipo de intervenção.
O recomendado é que a pessoa inicie a terapia o mais cedo que puder, a fim de ajudar a desenvolver seu potencial máximo, ajudando no desenvolvimento cognitivo e social da criança.
No entanto, muitas pessoas não são diagnosticadas logo na primeira infância, como os níveis crescentes de diagnósticos tardios tem nos mostrado.
Essas pessoas que são diagnosticadas mais tarde costumam ter um desenvolvimento mais próximo do desenvolvimento esperado de uma criança e, por isso, não necessariamente precisam dessa intervenção tão cedo. Geralmente, essas pessoas recebem o diagnóstico de espectro autista nível 1 de suporte, ou seja, são pessoas que precisam de menos acomodações do que pessoas com nível 2 ou 3 de suporte.
No entanto, isso não quer dizer que essas pessoas não precisam de terapia ou de intervenções. Elas podem acabar disfarçando bastante seus traços autistas e mesmo assim ter dificuldades em uma série de questões ao longo da vida. Neste sentido, a terapia é essencial para evitar problemas maiores como o desenvolvimento de transtornos de humor ou de ansiedade, comorbidades comuns em pessoas autistas com nível de suporte 1.
ABA para adultos
Nem todo adulto autista com nível 1 de suporte precisa de uma intervenção tão intensa quanto a ABA. No entanto, isso não significa que essa terapia não pode trazer benefícios para essas pessoas também.
Em adultos, a ABA pode ajudar a lidar com depressão e ansiedade, bem como trabalhar as habilidades sociais em um nível mais profundo (focando em situações sociais adultas e desenvolvimento de relacionamentos mais íntimos, por exemplo).
A ABA também pode ajudar com habilidades vocacionais, ajudando o adulto autista a encontrar emprego e conseguir mantê-lo, com ênfase nas estratégias de comunicação em ambiente de trabalho.
Existem alternativas à terapia ABA?
Por conta das preocupações que surgem acerca da associação da ABA com o desenvolvimento de transtornos de humor e estresse pós-traumático, algumas pessoas podem querer buscar alternativas.
Apesar da ABA continuar sendo o padrão ouro, isso não significa que não existem outras alternativas. Essas terapias têm como objetivo melhorar a qualidade de vida, a cognição e a saúde mental de pessoas autistas sem necessariamente forçá-las a esconder seus traços autistas, como algumas pessoas acusam a ABA de fazer.
Dentre as terapias não baseadas em ABA disponíveis para pessoas no espectro autista estão:
Terapia cognitivo-comportamental (TCC)
A TCC ajuda o paciente a lidar com sintomas depressivos ou ansiosos, bem como auxilia a alterar padrões de pensamento disfuncionais que podem desregular emocionalmente o paciente, ajudando a pessoa a ter um melhor manejo de seus pensamentos e emoções.
Relationship Development Intervention (RDI)
Essa terapia, cujo nome pode ser traduzido para “intervenção no desenvolvimento de relacionamentos”, tem como objetivo ajudar o paciente a cultivar conexões significativas, focando nas habilidades sociais.
Nesta terapia, a presença dos pais e cuidadores é bastante importante para ajudar a criança a desenvolver competências sociais, bem como entender e expressar suas emoções de forma saudável.
Terapia de integração sensorial
Para as crianças que possuem dificuldades sensoriais, a terapia de integração sensorial pode ser uma grande aliada.
Nesta terapia, a criança é exposta gradativamente a experiências sensoriais diferentes, ajudando-a a se adaptar diante de estímulos que causam uma sobrecarga sensorial.
Em outras palavras, ajuda a criança a desenvolver a autoconsciência de seus próprios sentidos, permitindo que elas desenvolvam formas de diminuir seu desconforto diante de situações e ambientes que podem causar sobrecargas sensoriais.
Além dessas terapias, é importante continuar o tratamento com outros objetivos, como a terapia ocupacional, por exemplo.

Embora a terapia ABA esteja envolta em algumas controvérsias, a verdade é que ela pode trazer benefícios significativos para pessoas que precisam desse suporte. Além disso, hoje em dia a terapia é feita de forma individualizada e sem o uso de punições, o que diminui as chances de causar problemas indesejados como traumas, por exemplo.
Se você está em dúvidas se a ABA seria uma boa intervenção para você ou alguém em sua vida, não hesite em buscar a orientação de um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.apa.org/about/policy/applied-behavior-analysis
https://www.bacb.com/about-behavior-analysis/treatment-of-autism-and-other-developmental-disabilities/
https://portal.afya.com.br/psiquiatria/ama-retira-apoio-para-analise-do-comportamento-aplicada-por-falta-de-evidencias
https://clinicaemsi.com/?p=806
https://www.verywellmind.com/what-is-an-aba-design-2794809
https://chicagoabatherapy.com/resources/articles/aba-therapy-in-children-vs-adults/
https://www.cabsautism.com/autism-blog/what-is-early-intensive-behavioral-intervention
https://www.risingaboveaba.com/autism-blog/alternatives-to-aba-for-autism