O MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina), princípio ativo da droga popularmente conhecida como ecstasy, é uma substância psicoativa frequentemente usada de forma recreativa, mas que tem se mostrado útil no tratamento de alguns transtornos mentais, em especial o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Em geral, o MDMA tem um efeito energizante, de aumento das sensações e de sentimentos, além de um aumento da empatia e da autoconsciência. Por conta disso, a substância é classificada como estimulante e empatógena.
Por que MDMA para tratar TEPT?
Atualmente, não existe uma medicação específica para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático. Frequentemente são usados antidepressivos e, mais raramente, medicamentos ansiolíticos, acompanhados de uma psicoterapia com evidências para TEPT.
Contudo, a resposta dos pacientes nem sempre é tão eficaz quanto o desejado e existem vários casos de abandono do tratamento. Além disso, mesmo após o tratamento, cerca de 58% dos pacientes ainda apresentam sintomas de estresse pós-traumático.
Por conta disso, faz-se necessária a busca por novas alternativas de tratamento. Apesar de ser ilegal por conta do potencial uso abusivo da substância, diversos pesquisadores veem no MDMA uma possibilidade de auxiliar pacientes com TEPT.
Contudo, para isso, a administração da substância deve ser feita de forma correta, no ambiente adequado. A procedência da substância também é de grande relevância, uma vez que o MDMA adquirido por meios ilegais pode conter impurezas que prejudicam a possibilidade de um efeito terapêutico.
Como o MDMA pode ajudar no estresse pós-traumático?
O transtorno de estresse pós-traumático é caracterizado por memórias involuntárias e intrusivas do evento traumático, comportamento evitativo, alterações na cognição e no humor, bem como alterações na vigília.
Pessoas desenvolvem TEPT após a exposição a um evento traumático que ameacem sua vida e bem-estar, ou ameacem a vida e o bem-estar de pessoas significativas para o indivíduo.
Dentre os eventos traumáticos mais relatados estão os desastres naturais, acidentes de trânsito, assaltos, abuso sexual, combate (guerras) e exposição a torturas.
Da perspectiva da neurociência, o TEPT é um transtorno ligado a emoções e memórias, no sentido de que a lembrança de memórias traumáticas traz níveis elevados de ansiedade, como se o evento estivesse acontecendo no exato momento.
Por isso, o tratamento do estresse pós-traumático tem como foco trabalhar os sentimentos e as memórias, a fim de evitar que as lembranças tenham consequências emocionais tão intensas.
É aí que entra o MDMA. A substância funciona aumentando a liberação de determinados neurotransmissores, como a serotonina, a dopamina e norepinefrina, bem como a liberação de alguns hormônios como a ocitocina, prolactina, cortisol e vasopressina.
Tudo isso leva aos efeitos psicoativos que incluem:
- Aumento da empatia;
- Aumento da autoconsciência;
- Prazer sensorial;
- Aumento na energia;
- Diminuição da ansiedade;
- Diminuição do sentimento de medo e da necessidade de defesa;
- Aumento da confiança interpessoal;
- Habilidade de se abrir mais para falar sobre emoções;
- Alterações na percepção de tempo e espaço.
Ainda que nenhum destes efeitos combata diretamente os sintomas do TEPT, de acordo com pesquisadores e especialistas, estes efeitos podem auxiliar o paciente a se abrir mais para falar sobre seus sentimentos, bem como aumentar a autorreflexão, de modo a permitir uma maior abertura para trabalhar a percepção e as consequências emocionais do evento traumático.
O que dizem as pesquisas?
Muitas pesquisas ainda estão sendo feitas, ou seja, pode demorar um pouco para que possamos dizer que o tratamento com MDMA é eficaz de fato.
Contudo, o que sabemos até agora é que o tratamento com MDMA parece trazer resultados ainda melhores do que qualquer outra psicoterapia ou medicação atualmente usada para tratar o estresse pós-traumático.
Os sintomas de TEPT costumam apresentar melhoras já na segunda ou terceira sessão do tratamento. Além disso, 67% das pessoas que passaram por esse tratamento relataram não preencher mais os critérios diagnósticos de TEPT mesmo após um ano do término da terapia, evidenciando que os efeitos podem ser a longo prazo.
Ao longo de diversas pesquisas, foram adquiridos alguns dados promissores a respeito do tratamento com MDMA:
- 86% dos participantes disseram ter sido significativamente beneficiados pelo tratamento;
- 84% relataram aumento nos sentimentos de bem-estar;
- 71% tiveram menos pesadelos;
- 69% relataram menos ansiedade;
- 66% relataram melhor qualidade de sono.
Como é administrado o MDMA como tratamento?
Como dito anteriormente, o MDMA ajuda o paciente a se abrir mais para trabalhar a questão do trauma. No entanto, para isso não basta apenas fazer o uso da substância.
Para que os efeitos terapêuticos sejam viáveis, o uso da substância deve ser feito em um ambiente controlado com a ajuda de um terapeuta. Por isso, o tratamento com MDMA também é chamado de terapia assistida por MDMA.
Em outras palavras, trata-se de sessões de terapia nas quais os efeitos do MDMA servem como ajudantes, mas não são responsáveis pelos efeitos terapêuticos em si.
Uma sessão de terapia assistida por MDMA é bem diferente de uma sessão de psicoterapia normal. Primeiro porque, em uma psicoterapia convencional, é recomendado que o paciente não esteja sob efeito de qualquer substância.
Além disso, dependendo da abordagem usada pelo terapeuta, as sessões de psicoterapia costumam durar entre 30 minutos e uma hora, já as sessões de terapia assistida por MDMA podem durar várias horas.
Desde o início da sessão até a substância fazer efeito, pode demorar cerca de 45 minutos — o que já seria o final de uma sessão de psicoterapia convencional. Assim que a substância faz efeito, o processo terapêutico começa.
Durante esse tempo, o paciente fala sobre o que está sentindo, o que está pensando e, claro, também fala sobre o evento traumático que o levou em busca de terapia.
Os efeitos do MDMA podem durar até 8 horas, mas seu pico de ação é de 1 hora e meia à 2 horas após a administração da substância; é neste tempo que o paciente será encorajado a revisitar as memórias traumáticas e dolorosas.
Atualmente, o protocolo mais estudado é o de 12 sessões de terapia sem o uso da substância para preparação e integração e mais 3 sessões de terapia com o uso do MDMA, que ocorrem com intervalos de 3 a 5 semanas entre uma e outra.
No intervalo entre as sessões com MDMA, são feitas sessões sem MDMA a fim de trabalhar o que foi descoberto nas sessões com a substância, possibilitando uma melhor integração das descobertas e percepções alcançadas em terapia.
Para algumas pessoas, trata-se de um processo bastante extenso e que pode demorar algumas semanas para trazer resultados. No entanto, acaba sendo uma esperança para pacientes que não respondem adequadamente às terapias convencionais para TEPT.
Vale ressaltar que, apesar do MDMA ser uma substância frequentemente usada de forma recreativa e com potencial de abuso, este é significativamente diminuído na terapia assistida por MDMA por conta do ambiente controlado.
Há contraindicações?
Toda substância possui contraindicações e para a terapia assistida por MDMA não é diferente. Esta substância pode causar aumento na pressão sanguínea e na frequência dos batimentos cardíacos. Por conta disso, esta terapia é contraindicada para pessoas com:
- Hipertensão;
- Alto risco de infarto;
- Alto risco de derrames;
- Arritmia cardíaca.
Quando este tratamento estará disponível?
O tratamento de TEPT com MDMA ainda está em testes nos Estados Unidos e não existe uma previsão de quando estará disponível para a população geral, ou mesmo se um dia chegará a isso.
Tudo vai depender dos resultados dos próximos estudos, que devem levar em conta fatores como a eficácia do tratamento e os possíveis riscos associados.
Vale ressaltar que, embora até agora existam dados de resultados promissores, não é possível assegurar que será um tratamento facilmente acessível.
Por conta do potencial de abuso da substância e da necessidade de um ambiente altamente controlado, bem como a necessidade de sessões longas que podem alterar a rotina do paciente, é de se esperar que este tratamento se torne uma última opção para quando os tratamentos convencionais falham.
Apesar de não estar disponível para o público geral, saber que há busca por novos tratamentos para o TEPT renova as esperanças de quem sofre com o transtorno de forma crônica.
Se você passou recentemente por alguma situação traumática e sente que isso tem afetado sua rotina e qualidade de vida, não hesite em buscar um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.nature.com/articles/s41591-021-01336-3
https://www.webmd.com/mental-health/what-is-mdma-assisted-therapy-ptsd
https://maps.org/mdma/ptsd/
https://theconversation.com/latest-trials-confirm-the-benefits-of-mdma-the-drug-in-ecstasy-for-treating-ptsd-173070